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Adjetivos avaliativos para um referente singular: Deus

5 modo de proceder; comportamento Ex.: praticar boas a.

3.1 Adjetivos avaliativos para um referente singular: Deus

Partimos do princípio de que qualquer discurso que faça referência ao nome de Deus não poderá partir de nenhuma outra premissa que não seja a de que Deus é Pai bom, perfeito e justo, afinal, são as Sagradas Escrituras que assim afirmam; além disso, para uma sociedade que creia em Deus, não é concebível referir-se a Ele sem que haja espaço para esses predicados, que O diferenciam dos homens.

Cabe destacar que, embora o adjetivo bom não tenha sido mencionado para caracterizar a roda argumentativa, é pertinente retratá-lo junto com os adjetivos perfeito e justo, pois, na acepção 1.1 do verbete bom, Houaiss (2001) afirma que ser bom é ser “moralmente correto em suas atitudes, de acordo com quem julga”. Naturalmente que, se os juízos de Deus são retos e justos, então é porque Deus é “moralmente correto” em Suas “atitudes”; ou seja, ser reto e justo implica ser igualmente bom.

Os adjetivos bom, perfeito e justo, avaliativos, segundo Kerbrat-Orecchioni (1997), são atribuídos a um referente com matizes sêmicos por acréscimo de

subjetividade de quem avalia. Assim, consideramos oportuno um estudo mais acurado desses adjetivos pelo valor argumentativo intrínseco que apresentam em um discurso, já que, em um texto argumentativo, nenhuma escolha lexical pode ser considerada inocente.

Atente-se para as frases abaixo:

(...) Las oraciones siguientes tienen el mismo significado:

(37) That man is not well. ‘Ese hombre no está sano’ (38) That man is ill. ‘Ese hombre está enfermo’

Pero estas oraciones no son equivalentes:

(39) That man is not tall. ‘Ese hombre no es alto’ (40) That man is short. ‘Ese hombre es bajo’

Hay un estrecho e indeterminado ámbito de valores entre aquellos que son claramente altos y los que son claramente bajos. (LANGENDOEN, 1971, p. 84).

Naturalmente que, se tomarmos “são” no sentido de “sadio”, “saudável”, havemos de concordar que, de fato, as orações (37) e (38) têm o mesmo significado, já que “não estar sadio”, teoricamente, é o mesmo que “estar doente”. Isto ocorre porque podemos atribuir o traço [+ saúde] à palavra “são” em oposição à ausência desse traço, no caso, [- saúde], em “doente”.

Há que se observar, contudo, que a atribuição de traços não é tão simples como possa parecer, já que não podemos isolar as palavras e destacá-las de seus contextos, pois, caso isto aconteça, teremos de admitir que “dias úteis” e “dias inúteis” são expressões antônimas (uma vez que “útil” opõe-se a “inútil”). Entretanto, tal consideração pode não ser verdadeira, uma vez que a expressão idiomática “dias úteis” significa os dias compreendidos entre segunda e sexta- feira, das 9:00 às 18:00, ao passo que a expressão “dias inúteis”, que não é idiomática, pode se referir a quaisquer dias, inclusive os “úteis”, desde que estes sejam considerados, por algum motivo, improdutivos.

No caso das orações (39) e (40), a situação é ainda mais complexa, pois é preciso levar em conta não só o contexto de cada oração mas também a experiência do falante. O fato de afirmar que um homem não é alto não significa necessariamente que ele seja baixo, pois esses adjetivos são atribuídos por

comparação. Dessa forma, um homem de um metro e oitenta pode não ser suficientemente alto para integrar, como jogador, uma equipe de vôlei, tendo em vista a altura da rede, mas será considerado bastante alto em relação a pessoas mais baixas.

Assim, não podemos afirmar que as orações (39) e (40) sejam, de fato, equivalentes, pois, ao dizermos que o homem não é alto, é preciso especificar os parâmetros de altura utilizados para compor a frase, assim como o contexto em que ela está inserida. Não se trata aqui de uma mera substituição de “alto” por “baixo” no paradigma dos adjetivos (cf. nota 1).

A respeito dos adjetivos, Kerbrat-Orecchioni (1997) apresenta-nos um capítulo que nos interessa sobremodo. Nele a autora subdivide os adjetivos em objetivos e subjetivos; estes, por seu turno, se subdividem em afetivos e avaliativos; finalmente, estes últimos vão subdividir-se em não-axiológicos e axiológicos, conforme o esquema (1997, p. 110):

A partir dessa divisão, limitaremos nossa atenção aos itens (b) e (c). Em relação aos adjetivos avaliativos não-axiológicos (b), a autora (1997, p. 112) declara: ADJETIVOS Objetivos (solteiro/casado; macho/fêmea) Subjetivos Afetivos (engraçado, patético) Avaliativos Não-axiológicos (b)

(grande, quente, longe)

Axiológicos (c) (bom,

Para poner en evidencia la especificidad de esta clase de adjetivos se pueden invocar algunos critérios como, por ejemplo, su carácter gradual (“el camino es demasiado largo, bastante largo”, “es muy largo”, “es más largo que el outro” (...).

Quanto aos avaliativos axiológicos (c), comenta (1997, p. 119-120):

Pero, además, y también diferencia de los adjetivos precedentes [entenda- se “não-axiológicos”], los evaluativos axiológicos aplican al objeto denotado por el sustantivo que determinan un juicio de valor, positivo o negativo. Son, por consiguiente, doblemente subjetivos: (...).

E em suas Observaciones finales sobre la categoría general de los evaluativos (clases (b) y (c)), a autora pondera que (1997, p. 123-124):

(...) Todos los adjetivos evaluativos son subjetivos en la medida en que reflejan algunas particularidades de la competencia cultural e ideológica del sujeto hablante, pero lo son en grado variable: en primer lugar porque los axiológicos están, en conjunto, más marcados subjetivamente que los otros; luego, porque encontramos diferencias de funcionamiento en el interior mismo de las dos clases (b) y (c), por estar más o menos estabilizada en el seno de una comunidad dada la norma de evaluación en la que se basa el empleo de tal o cual término en tal o cual contexto.

Acrescenta ainda que:

(...). Es posible, por ejemplo, admitir que la oración “este auto consume mucho” es más debilmente subjetiva que “Pedro trabaja mucho”, ya que la dosis de nafta que um auto consume “normalmente” está mejor definida por el consenso social que la dosis media de trabajo que um individuo debe rendir normalmente. (...).

É fato que os adjetivos objetivos comportam-se como unidades discretas, afinal, não existe, por exemplo, meio-termo entre macho e fêmea; já em relação aos adjetivos subjetivos, não é possível afirmar o mesmo. Quando usamos o adjetivo “quente”, sabemos se algo está quente ou não; entretanto, algumas pessoas consideram quente o que para outras é considerado morno. Da mesma forma, algumas pessoas são mais “calorentas” (ou “friorentas”) que outras. De qualquer modo, o grau de variação de uma temperatura é muito menos variável que os conceitos de bom, belo, justo e perfeito, por exemplo. E, mesmo para estes, sabemos que uns são mais subjetivos que outros; o conceito de belo, por

exemplo, desmente a própria beleza em certas situações (sobretudo se usarmos o adjetivo em relação aos objetos). Da mesma forma, os demais exibem comportamento parecido.

Lembramos que há um sem-número de situações do dia-a-dia em que identificamos, no comportamento lingüístico das pessoas, a extensão da subjetividade de certos adjetivos, sobretudo dos avaliativos axiológicos. Tais adjetivos, portanto, não podem ser considerados variáveis discretas.

Entretanto, há que se ter muita prudência quando usamos determinados adjetivos para nos referirmos a Deus, a começar pelo fato de que Deus não é um objeto nem uma pessoa; tampouco podemos dizer que se trata de um ser, já que nem mesmo a gramática consegue definir uma tal palavra; também não podemos chamá-lo de “coisa”; uma “inteligência”, talvez, ou o “princípio” de tudo. Mesmo que tais substantivos possam nos dar uma pálida “idéia” do que seja Deus, nossas dificuldades para atribuir-Lhe adjetivos começam pelo simples fato de não sabermos exatamente que tipo de substantivo escolheremos para ser o termo determinado. O uso do verbo “ser” em relação a Deus só faz reforçar a dificuldade, já que Deus é o único “ser” que pode tornar intransitivo o verbo ser: Deus é. Não é preciso dizer mais nada, até porque, não cabe aqui nenhum predicativo, o que já não ocorre quando nos referimos a Jesus; é de se notar que não dizemos “Jesus é”, dizemos, sim, “Jesus + é + predicativo”, que pode ser “filho de Deus”, “o divino pastor” etc.

Se considerarmos, em relação a Deus, adjetivos como bom, perfeito e justo e ainda supormos que tais adjetivos, enquanto subjetivos que são, haverão de ter outro tratamento se tiverem Deus como termo determinado, então, é possível afirmar que tais adjetivos figuram no grau superlativo, sem meio-termo, até porque, admitir o meio-termo implicaria admitir igualmente um certo juízo de valor em relação a Deus, o que é inconcebível, já que não nos é dado o direito de apreciar os Seus desígnios nem pela Bíblia nem pelo chamado “senso comum”.

Admitir meio-termo para Deus é o mesmo que julgá-Lo, pois, quando dizemos, a respeito de uma pessoa, que ela poderia “ter sido mais justa”, estamos julgando seu procedimento e, além de julgar, estamos fazendo isso de forma

negativa, pois, se a pessoa poderia “ter sido mais justa”, é porque, em nossa concepção, não foi tão justa quanto poderia (ou deveria) ter sido. Convenhamos que afirmar algo parecido em relação a Deus é um contra-senso.

Se não podemos apreciar os desígnios divinos, uma vez que apreciação implica juízo de valor, consideramos que os adjetivos usados para determinar Deus só podem assumir um único comportamento: o de variáveis discretas.

Desse modo, os adjetivos avaliativos bom, justo e perfeito, quando usados para se referir a Deus, não são suscetíveis de nenhum tipo de gradação, pois gradação implica avaliação de um outro segundo as crenças, as experiências e os esquemas de conhecimento que marcam a sua trajetória dentro de uma comunidade lingüística e são realimentados por essa mesma comunidade. Deus é bom, justo e perfeito por excelência. A Bíblia afirma. Os fiéis aceitam. Trata-se de um argumento baseado no consenso (PLATÃO e FIORIN, 1997) e, como tal, não necessita de provas ou demonstrações.