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5 modo de proceder; comportamento Ex.: praticar boas a.

2.2 Tipos de paradoxos

2.2.1 Paradoxos pragmáticos: injunções paradoxais

As injunções paradoxais ocorrem no campo da pragmática, surgem nas interações em desenvolvimento entre as pessoas e determinam o comportamento.

Distinguem-se das injunções contraditórias (cf. item 2.1) em um aspecto fundamental: a possibilidade de escolha. Enquanto nas injunções contraditórias a escolha é logicamente possível (por exemplo, um motorista que se depare na estrada com duas placas, uma ao lado da outra, com as seguintes mensagens, respectivamente impressas: “Pare” e “Não pare”, pode optar por parar ou não sem maiores prejuízos), nas injunções paradoxais, o que se presencia é a falência da própria escolha.

Observem-se os enunciados abaixo, sintática e semanticamente corretos (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 1967):

(1) Chicago é uma cidade populosa. (2) “chicago” é um trissílabo.

O enunciado (1) está em linguagem objetal; refere-se a um objeto (no caso, uma cidade); já o enunciado (2) é um meta-enunciado; refere-se à palavra chicago e está, portanto, em metalinguagem. Os dois enunciados estão em níveis claramente distintos e as aspas sinalizam tal distinção.

Conforme anteriormente demonstrado (cf. item 2.1), a mistura de níveis gera o paradoxo. No caso desse exemplo, se condensássemos (1) e (2), teríamos em (3) um enunciado incorreto, de conteúdo paradoxal, qual seja:

Nesse tipo de paradoxo, ocorre uma espécie de “trama” psicológica subjacente que responde por uma proibição mais ou menos implícita de as pessoas perceberem que há uma diferença entre o que elas realmente vêem e o que o outro quer que elas vejam. Essa proibição implica um bloqueio das metacomunicações do sujeito, o que reforça, de algum modo, a “paralisia” mental gerada pelo contexto do paradoxo. Teceremos comentários sobre esse bloqueio no capítulo 4.

Essas considerações se apóiam na teoria da dupla vinculação descrita pelo antropólogo Gregory Bateson (1972), que, ao estudar o fenômeno do paradoxo no âmbito da comunicação esquizofrênica, introduziu em seu artigo Toward a theory of schizophrenia, publicado em 1956, o conceito de duplo vínculo ou dupla injunção (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 1967, p. 191).

Em sua versão tradicional, a dupla injunção contém duas comunicações mutuamente exclusivas, sendo que a segunda, de um modo geral implícita no discurso, é uma metamensagem. Além disso, o sujeito é impedido de escapar à situação paradoxal.

Estreitamente vinculado ao conceito de “dupla injunção” está o de “transcontextualidade”, definido por Bateson (1969 apud QUENTAL, 1995). Para esse autor, um enunciado ou uma ação não podem ocorrer isolados: há que se ter um contexto para que se possa interpretá-los. Esse fato é a base do significado transcontextual. No caso da dupla injunção, ocorre, segundo o autor, um entrelaçamento de contextos e, conseqüentemente, as metamensagens associadas a esses contextos também se entrelaçam, fato este que irá gerar o paradoxo. Ressalte-se que esses contextos são simultâneos e mutuamente exclusivos e, por esse motivo mesmo, realizam juntos o paradoxo presente na dupla injunção.

A situação que será descrita a seguir, ocorrida no ano de 1938 entre Sigmund Freud e os nazistas (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 1967), pode exemplificar o conceito de dupla injunção (injunção paradoxal):

Freud estava em situação de cativeiro e havia obtido uma promessa, por parte dos nazistas, de receber um visto para deixar a Áustria. Tal promessa, no

entanto, estava condicionada à assinatura de Freud em uma declaração que incluía a afirmação de ter sido “tratado pelas autoridades alemãs e particularmente pela Gestapo com todo o respeito e consideração devidos à minha reputação científica” (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 1967, p. 187).

Desse modo, a Gestapo tinha interesse em que Freud a assinasse, ao passo que este enfrentava uma injunção contraditória (em psicologia experimental, o conflito vivido por Freud seria do tipo evitação-evitação): ou assinava, fato este que ajudaria os nazistas às custas de sua integridade moral, ou se recusava a assinar e teria de enfrentar as conseqüências de tal gesto.

Todavia, Freud conseguiu inverter a situação e colher os nazistas em seu próprio jogo. Quando o oficial lhe apresentou o documento para assinatura, Freud perguntou-lhe se era possível acrescentar apenas mais uma frase, ao que o oficial concordou, pois, além de estar seguro quanto a sua posição de superioridade, era óbvio que, na posição delicada em que se encontrava, Freud não poderia escrever nada que “desonrasse” a Gestapo. Freud, então, escreveu “de seu próprio punho”: “Posso recomendar a Gestapo a qualquer pessoa, com toda a sinceridade.” (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 1967, p. 188).

Segundo o arcabouço teórico proposto por Gregory Bateson:

(1) Há uma situação tal que existe um elevado grau de valor de sobrevivência física para uma das pessoas envolvidas: Freud, que estava em situação de cativeiro.

(2) O primeiro contexto é o que Freud vivencia, na situação de cativeiro, no momento em que o oficial lhe entrega o documento para assinatura. O documento em questão afirma algo. Há nele uma mensagem impressa. No exato instante em que Freud assina, ele inscreve a primeira metamensagem nesse contexto, a saber, “Concordo com tudo o que está escrito aqui; é verdadeiro o conteúdo deste documento”.

(3) Freud reenquadra o primeiro contexto, tornando-o irônico; para fazer isso, ele modifica a primeira mensagem, acrescentando-lhe uma parte que a torna irônica:

Mensagem 1 – Freud declara ter sido bem tratado pela Gestapo.

Mensagem 2 – Freud declara ter sido tão bem tratado pela Gestapo, que até recomenda o tratamento para qualquer pessoa.

A ironia vem através do exagero e do ato de fala de recomendar, que invoca um outro contexto, oposto ao vivenciado em um cativeiro, podendo-se falar, então, de transcontextualidade.

(4) Finalmente, a Gestapo está impedida de escapar à situação paradoxal imposta por Freud, pois, ao forçá-lo a elogiá-la, não podia se recusar a receber novos elogios.

Esse entrelaçamento de contextos e metamensagens, que caracteriza a dupla injunção, será retomado no item 2.7 deste capítulo para caracterizarmos a roda argumentativa de Vieira.