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5 modo de proceder; comportamento Ex.: praticar boas a.

3.2 Traços semânticos

Os traços semânticos, ao serem atribuídos, a partir do dicionário, a uma palavra da língua, destinam-se a fornecer-lhe uma caracterização exata, a descrevê-la e as suas propriedades combinatórias. É o conjunto desses traços – ou semema – que define um vocábulo, torna-o compatível com outros vocábulos, para figurarem juntos em uma sentença, ou incompatível, pela impossibilidade de combiná-lo com palavras cuja combinação torne a sentença agramatical ou, no mínimo, provoque um estranhamento no leitor.

O levantamento dos traços semânticos de um vocábulo apresenta grande complexidade, pois, mesmo que as palavras nasçam “neutras”, em "estado de dicionário" (CITELLI, 1986), vivemos mediados por elas, que, ao se contextualizarem, passam a expressar valores e idéias; transitam ideologias para cumprir amplo espectro de funções persuasivas (CITELLI, 1986, p. 30) (cf. nota 2), fato que atua como um verdadeiro complicador na atribuição de traços a uma determinada palavra.

De um modo geral, trabalhamos com traços binários, como, por exemplo, [+ animado] versus [- animado]. Convém observar ainda que o que designamos por “traço binário” é um único traço com duas especificações que se opõem; assim, temos o traço “animado”, que estará presente [+] em cão e ausente [-] em lápis. O binarismo, portanto, refere-se às duas especificações possíveis.

Entretanto, nem sempre é possível fazer especificações desse tipo. Em criança, temos um traço não-especificado para o sexo; desse modo, em relação ao traço “macho”, a atribuição será feita sem qualquer sinal, assim: [macho]. Em outras situações, temos palavras que não se encaixam no esquema binário – como as que designam os três estados da matéria (LANGENDOEN, 1971): sólido, líquido e gasoso –, conforme a representação esquemática a seguir:

Traço “penetrável” para designar os graus de penetrabilidade da matéria (LANGENDOEN, 1971):

[1P] = gasoso; por exemplo: nitrogênio; [2P] = líquido; por exemplo: refrigerante; [3P] = sólido; por exemplo: madeira;

[P] = traço não-especificado; por exemplo: “Havia uma substância escura no ambiente”.

Há que se notar ainda casos como o da palavra coisa, que, teoricamente, pode ter qualquer traço, inclusive os que se opõem entre si; assim, do mesmo modo que podemos dizer que a beleza é uma coisa cobiçada, também podemos afirmar que, para alguns países, o petróleo é uma coisa rara. Como se pode observar, a palavra coisa tem ausência do traço “concreto”, [- concreto], na primeira frase e presença desse traço, [+ concreto], na segunda; contudo, isto só ocorre porque a palavra coisa está associada, respectivamente, a um substantivo abstrato (beleza) e a um substantivo concreto (petróleo).

Essa gradação de traços também pode ser vista nas cores; segundo Langendoen (1971, p. 75), “Otro rasgo que tiene una multiplicidad de valores es el de Color: (...)”; de fato, não há que se falar em traços binários quando nos referimos às cores; basta pensarmos nos diferentes tons de azul, como: azul- marinho, azul-piscina, azul-pombinho, azul-turquesa, azul-seda, azul-violeta etc.

Entretanto, discordamos do autor quando afirma (1971, p. 75) “Por lo tanto, nunca concebimos un adjetivo de color como el antónimo de otro, aunque sí hay antónimos de adjetivos que contienen uno o más rasgos binarios em su representación semántica, (...), e incluso black ‘negro’ frente a White ‘blanco’.” Mesmo na condição de “exceções”, o branco e o preto opõem-se, na maioria das situações, sobretudo nas festas de fim de ano, quando praticamente todos querem vestir-se de branco e quase ninguém deseja vestir-se de preto, pois se trata de cores que, em nossa cultura, simbolizam, respectivamente, o bem e o mal.

De fato, à exceção dessas duas cores, é muito difícil imaginar uma oposição entre quaisquer outras, mas não é impossível, sobretudo, se considerarmos o contexto. Imaginemos duas cores como o vermelho e o verde. Aparentemente, não há nenhuma possibilidade de existir antonímia entre elas. Apesar disso, uma situação em que a única possibilidade de relacionamento entre essas duas cores realiza-se justamente por meio da antonímia é vivenciada por nós diariamente quando saímos de casa: para atravessarmos a rua, esperamos que o sinal de trânsito fique vermelho para os carros e verde para nós; ao contrário, não podemos atravessar quando o sinal está vermelho para nós, pois isto implica que está verde para os carros; assim, dependendo do referente (nós ou os carros), vermelho pode significar “pare” e verde, “siga”, o que configura a oposição entre essas duas cores.

A atribuição de traços semânticos não se reduz ao uso de princípios lógicos (cf. nota 3) nem prescinde da cultura dos sujeitos que integram uma determinada comunidade lingüística (cf. nota 4).

Assim, é muito mais lógico reconhecer e admitir que o signo lingüístico, enquanto unidade básica de nossos discursos, não é imutável no que se refere à face do significado. A análise da palavra dia pode ilustrar a mutabilidade do significado, uma vez que há um enorme hiato entre o sentido dicionarizado e o que depreendemos a partir da leitura do primeiro livro da Bíblia.

De um modo geral, quando lemos um texto qualquer e nos deparamos com uma palavra que desconhecemos, temos três opções: tentar entender o seu significado por meio do contexto frasal – ou co-texto, perguntar para alguém ou

recorrer ao dicionário; entretanto, usualmente, não temos problemas para entender a maioria das palavras do texto, sobretudo aquelas que integram o nosso cotidiano, como é o caso da palavra dia. Aparentemente, o trecho abaixo não nos causa nenhum problema de interpretação:

O Primeiro Livro de Moisés Chamado GÊNESIS

CAPÍTULO 1

1 No princípio criou Deus os céus e a terra. (...)

5 E Deus chamou à luz DIA; e às trevas NOITE. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o primeiro dia.

(...)

8 E assim se fez. Deus chamou ao firmamento CÉUS. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o segundo dia.

(...)

13 Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o terceiro dia. (...)

19 Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o quarto dia. (...)

23 Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o quinto dia. (...)

31 Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o sexto dia.

CAPÍTULO 2

(...)

2 Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra que tinha feito, descansou do seu trabalho.

(...)

3 Ele abençoou o sétimo dia e o consagrou, porque nesse dia repousara de toda a obra da Criação.

4 Tal é a história da criação dos céus e da terra. (...)

(† CASTRO, 2002, p. 49-50).

Como se observa, Deus criou os céus e a terra em seis dias, tendo descansado no sétimo; todavia, quando pensamos nas descobertas da geologia, da astronomia e da física, parece-nos surrealista que a criação dos céus e da terra tenha, de fato, se dado em apenas seis dias, sobretudo, quando é tão natural para nós pensarmos na palavra dia como o espaço de 24 horas.

É de se notar que, em nossa cultura, um dia tem 24 horas. Todas as acepções do verbete dia, à exceção das acepções de 7 a 10, tomam como parâmetro o intervalo de tempo de 24 horas, o que permite afirmar que o traço “24 horas” está presente em cada uma das acepções de 1 a 6: [+ 24 horas]. Em relação às acepções de 7 a 10, não cabe falarmos em “presença” ou “ausência” desse traço porque ele não é pertinente, uma vez que a palavra “dia” não está sendo usada em seu sentido literal; entretanto, ainda assim, convém salientar que, em nenhum momento, há qualquer pista lingüística que nos autorize a interpretar a palavra dia a partir de outro parâmetro, que não o de 24 horas; então, para ilustrar, a acepção 10, ao mencionar o tempo de vida de alguém, trabalha com a idéia de “anos” (“até o fim de seus dias” implica, ao menos, alguns anos), que, para nós, brasileiros, equivale a 365 dias vezes o número de anos que o sujeito viveu e, como já sabemos, cada dia tem exatas 24 horas.

substantivo masculino

1 tempo que transcorre, em determinada região da Terra, entre o instante do