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1.2 Estruturação do texto argumentativo

1.2.3 Formas nominais e argumentatividade

O Sermão da Sexagésima foi pregado em 1655, quinze anos, portanto, após Vieira ter pregado, no Brasil, o sermão Pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda. É certo que não podemos afirmar que Vieira teorizou naquele a partir da própria prática observada neste, afinal, não dispomos de tal informação. Contudo, observamos que Vieira, para atingir seus propósitos de comunicação e persuadir o público-alvo do Sermão da Sexagésima (os pregadores), se serve das formas nominais do verbo (gerúndio, infinitivo e particípio) como recursos argumentativos. No que se refere, particularmente, ao gerúndio, o padre também utiliza essa forma nominal como um ato ilocucional, conforme veremos ainda neste item. Como esses mesmos usos ocorrem no sermão Pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, julgamos conveniente abordar aqui a face argumentativa dessas formas para retomá-la depois no capítulo 4, quando, então, analisaremos o corpus de nossa tese.

Examinemos, assim, o emprego feito por Vieira das formas nominais do verbo – infinitivo, particípio e gerúndio. Já no primeiro parágrafo selecionado (p. 305, l. 1), deparamo-nos com a seqüência até o sair é semear. É de se notar que o operador argumentativo até nos revela que, para Vieira, o simples ato de “sair” não é significativo, a menos que – e, nesse ponto, o operador até brinda o enunciado com um acréscimo de sentido – o sacerdote esteja saindo com Deus, esteja imbuído das palavras e dos atos celestes. Nesse caso, um simples ato –

representado por um infinitivo substantivado – reveste-se de novos matizes sêmicos que podem, inclusive, suprir a ausência de morfemas de modo e tempo no infinitivo, pois, em qualquer tempo, “sair” passa a ter relevância desde que o sacerdote se faça acompanhar por Deus.

Destaca-se no segundo parágrafo (p. 305, l. 4-15) o uso reiterado do particípio dos verbos mirrar, afogar, comer, pisar e perseguir.

O uso recorrente do particípio motiva-nos a transcrever o que afirma Brandão (1963, p. 472) em:

270. Segundo o conceito da gramática tradicional, é particípio “a palavra que

participa da natureza do adjetivo e do verbo”. Esta definição frisa a natureza

mista do particípio. De feito, apresenta êle caráter adjetival, enquanto modificador de nome ou pronome, subordinado, assim, às normas de concordância; reveste caráter verbal, porque encerra em si as idéias de voz, de modo, de tempo, de aspecto e pode ter os mesmos complementos do verbo de que é cognato. Ora exprime ação presente ou pretérita, ora um estado resultante de um fato consumado e daí, por uma transição semasiológica natural, entra a significar uma simples qualidade.

O particípio perfeito (BRANDÃO; 1963: 475)

274. O particípio perfeito ou passado é um adjetivo verbal que exprime não sòmente o resultado de uma ação acabada, o estado a ela conseqüente, mas também uma ação concluída ou uma simples qualidade.

(...).

Tornando nossas as palavras de Brandão, é lícito afirmar que todos os particípios utilizados por Vieira no segundo parágrafo exprimem ações já consumadas, concluídas no pretérito, mas cujos efeitos permanecem, pois todos os verdadeiros semeadores, segundo a concepção do padre, agiram no mais puro e genuíno amor por Deus, de modo que, mesmo tendo sido sacrificados, “perseguidos” e “pisados”, os seus feitos, assim como os louros conquistados, permaneceram para servir de exemplo aos novos pregadores e, ainda que assim não fosse, os efeitos dessas ações permaneceriam não mais pelo uso do particípio, mas pela repetição exaustiva de seus atos durante a semeadura.

Observa-se que o Sermão da Sexagésima traz seu conteúdo articulado sobre as três formas nominais do verbo, e esses usos têm um valor argumentativo, pois concorrem para que o público-alvo seja persuadido. No caso do particípio, não se trata tão-somente de mencionar ações que se perderam no

passado, mas, sim, de resgatar aquelas que, mesmo concluídas, têm valor de referência para o público-alvo do sermão.

No terceiro parágrafo selecionado (p. 305, l. 18-21), Vieira fará uso do gerúndio de um modo incomum, qual seja, o de ato ilocucional; antes de dissertar sobre esse ponto, porém, convém salientar um uso do gerúndio considerado vicioso. Para tal fim, recuperaremos Carneiro (1997, p. 174): “(...) Para ter um emprego claro, o gerúndio deve estar o mais perto possível do sujeito ao qual se refere.” Em relação aos empregos não recomendados do gerúndio, fala-nos o autor que se deve evitar usá-lo (1997, p. 175) “(...) quando as ações expressas pelos dois verbos – gerúndio e verbo principal – não puderem ser simultâneas: Chegou sentando-se.” (cf. nota 1).

Ao nos reportarmos às palavras do sacerdote, vamos considerar como hipótese que ele faz um uso estratégico do gerúndio; aparentemente modais, serão os gerúndios do padre verdadeiros atos ilocucionais (cf. nota 2).

No terceiro parágrafo do trecho selecionado do Sermão da Sexagésima (p. 305, l. 18-21), Vieira menciona três “concursos”, verbalizados por meio da seguinte estrutura sintagmática: SV + SN + Sprep + SVger, sendo Sprep = sintagma preposicionado e SVger = sintagma verbal no gerúndio. Entretanto, um sermão deve converter os fiéis; para tanto, é preciso que pregador, ouvinte e Deus tenham contribuições bem específicas:

1ª) há de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo = SV + SN + Sprep + SVger;

2ª) há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo = SV + SN + Sprep + SVger; e

3ª) há de concorrer Deus com a graça, alumiando = SV + SN + Sprep + SVger.

Se simplificarmos um pouco mais os enunciados acima, teremos:

o pregador concorre, persuadindo; o ouvinte concorre, percebendo; e

Deus concorre, alumiando.

Naturalmente, percebe-se que as três personagens principais do Sermão concorrem de algum modo para que ele seja bem-sucedido. Portanto, vamos trabalhar com essa hipótese inicial, qual seja, os gerúndios persuadindo, percebendo e alumiando exprimem relações de modo. Todavia, não podemos assegurar que “modo” e “ação”, dependendo do contexto, sejam mutuamente exclusivos; nem todo modo exprime uma ação, mas há outros que podem fazê-lo. Atente-se, pois, para algumas das definições de ação:

ação

A partir das definições acima, um possível semema para o verbete ação pode ser o seguinte:

ação – semema

ato ou efeito de agir

Ex.: ações valem mais que palavras

1 evidência de uma força, de um agente etc.; o seu efeito Ex.: a. da umidade, do tempo, de um medicamento etc.