• Nenhum resultado encontrado

Uma decorrência inevitável das últimas alterações constitucionais relacionadas à Administração Pública é a perspectiva gerencial da atuação administrativa, na qual apregoa uma sistemática de fiscalização e controle sobre o serviço público prestado pelos particulares, assim como a própria eficiência do serviço público prestado diretamente pelo Estado248.

As reformas constitucionais promovidas na última década do século passado, por evidente, se destinaram, em grande medida, a promover a instauração de um pretenso Estado gerencial brasileiro, o que acarretou consideráveis reflexos na compreensão da Administração Pública até então existente.

O modelo gerencial representa uma proposta evolutiva do modelo burocrático, hajam vista os dilemas já observados com a perspectiva burocrático-weberiana de Administração pública. E porque evolutiva e não substitutiva? Não se pode desprezar o avanço modelo racional-legal, uma vez que, sem ele, o modelo gerencial não teria o suporte para a sua operacionalidade, já que não se pode falar em eficiência funcional249 sem um padrão funcional existente.

A ideia de Estado gerencial, que direcionou as reformas administrativas na década de 90 do século passado250, despontou a necessidade de enormes mudanças na Administração

248 TÁCITO, Caio. Transformações do Direito Administrativo. Boletim de Direito Administrativo (BDA), São

Paulo, ano XV, nº 02, p. 82-86, fev. 1999, p. 85.

249 No modelo gerencial há uma particular preocupação com os resultados. Assim sendo, a eficiência não se

encontra ou se manifesta no cumprimento das regras, mas, sim, no alcance de efeitos concretos. Portanto, a eficiência é alcançada ou realizada com o êxito do que é feito pela gestão pública. Não há mais o campear solene do cumprimento das regras sem quaisquer restrições, porém a promoção de recursos com vista a operar os resultados desejados (OFFE, Claus. Critérios de racionalidade e problemas funcionais da ação político- administrativa. In ______. Problemas estruturais do Estado Capitalista. Trad. Bárbara Freitag. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 216-233, p. 221).

250 Luiz Carlos Bresser Pereira acentua que, no Brasil, a primeira tentativa de promover uma Administração

Pública gerencial foi ainda no ano de 1967, sendo arvorada no governo de Castelo Branco através do Decreto-lei nº 200/67, no qual desenvolvia uma expressiva descentralização administrativa, inclusive no que se referem às empresas do Poder Público (BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. A administração pública gerencial: estratégia

Pública nacional, donde se pode salientar a busca incessante pela eficiência dos serviços públicos.

O modelo gerencial se notabiliza, dentre outras, pelas seguintes características251-252: (a) há uma evidente preocupação com os resultados, revela-se, portanto, como um modelo precipuamente finalístico e se destina ao atendimento do cidadão; (b) pressupõe uma considerável margem de confiança nos servidores públicos, haja vista a necessidade de alcançar a devida eficiência funcional, o que exige maior discricionariedade na atuação administrativa; (c) pauta-se pela descentralização administrativa e prestigia a criatividade253 e a inovação no serviço público; e (d) o contrato de gestão é o meio de controle dos órgãos descentralizados254.

Curiosamente, a alteração quanto à escolha dos meios e a determinação quanto aos fins do Estado não tiveram maiores reflexos na forma de empreender as relações entre as instituições públicas e nem entre estas e os cidadãos. Quer dizer, o prestígio pela eficiência funcional não foi seguida pela exigência de uma funcionalidade comunicativa e, acima de tudo, democrática das instituições brasileiras.

251 Luiz Carlos Bresser Pereira, op. cit., 1996, p. 10.

252 Carlos Buenos Ayres menciona, ainda, as seguintes características do modelo gerencial: (a) gestão por

objetivos; (b) predomínio da eficiência sobre a efetividade, o que dá primazia à conduta dos servidores; (c) legitimidade baseada sobre a eficácia das ações promovidas; (d) transgressão ao princípio da hierarquia; (e) raciocínio sintético, sistemático e teleológico; (f) foco na demanda; (g) descentralização e flexibilização administrativa; e (h) a avaliação a posteriori, isto é, por resultado (Op. cit., 2006, p. 33).

253 Aliás, ela é observada com o lamentável peso da incerteza e/ou da inocuidade. Tal como se constata na

pretendida instituição de entidades públicas sob a forma de fundação, contanto que “[...] seu patrimônio e sua renda sejam suficientes para tê-las como autossuficientes” (CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. As Fundações Públicas e a Reforma do Estado. Boletim de Direito Administrativo – BDA, São Paulo, ano 17, nº 07, p. 520-527, jul. 2001, p. 526). Ora, com a existência de mecanismos ou instrumentos possivelmente mais ágeis e eficientes para atuar no Terceiro Setor, como é o caso da Organização Social (OS) e da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), qual o sentido de o Poder Público insistir nas mesmas práticas já empreendidas pelas entidades privadas sem fins lucrativos? A toda evidência, isso só pode servir para a constituição de um anacrônico emaranhado orgânico no seio da estrutura administrativa brasileira.

254 Celso Antônio de Bandeira de Mello promove duras críticas ao contrato de gestão estampado no art. 37, § 8º,

da CF/88, chegando até mesmo a afirmar que “não passa de um arremedo de contrato” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 178). O autor menciona, com inegável acerto, que os órgãos não possuem autonomia, logo, nessa qualidade, não podem ampliar o que não existe através do famigerado contrato de gestão, sem falar que não há como encetar contratos entre órgãos, pois estes não passariam de meras “repartições internas de competências do próprio Estado” (Celso Antônio de Bandeira de Mello, op. cit., 2007, p. 228), de maneira que não haveria como o Estado realizar um contrato com ele mesmo. Por fim, acentua, com acidez, que tal disposição constitucional “haverá de ser considerado como não escrito e tido como um momento de supina infelicidade em nossa história jurídica” (Celso Antônio de Bandeira de Mello, op. cit., 2007, p. 229). Por tudo isso, defende-se que a previsão do art. 37, § 8º, da CF/88, melhor se harmoniza com a figura de acordo de programa promovido por órgãos da Administração Pública. Em possível contraponto a tais considerações, Vasco Manoel Pascoal Dias Pereira da Silva menciona que há uma tendência, na moderna Ciência do Direito Administrativo, em admitir a existência de relações jurídicas entre órgãos da Administração Pública, contudo, não esclarece os nortes e, muito menos, os pressupostos capazes de afastar, satisfatoriamente, os pontos encetados na crítica acima, já que se limita a destacar a autonomização jurídica de sujeitos funcionais dentro as entidades públicas (SILVA, Vasco Pereira da.

Em outras palavras, uma Administração Pública decididamente democrática não se faz apenas com números ou dados255 que não revelam, no mais das vezes, a necessária presteza e qualidade dos serviços e nem, no que se tem como importante, o grau de aceitação deles pelos destinatários da atuação estatal.

Paradoxalmente, salientam-se, dentre outros pontos, algumas características da reforma administrativa256: (a) a necessidade de promover uma gestão consensual no interior da organização administrativa, o que já denota uma premente perspectiva dialógica dentro da própria Administração Púbica; (b) a relação jurídica administrativa põe em destaque a figura do cidadão, donde deve prevalecer a carga protetiva dos direitos e garantias fundamentais insculpidos na CF/88; (c) a flexibilização na atuação dos agentes públicos, haja vista a promoção de uma gestão descentralizada dos recursos humanos; e (d) a disposição organizacional da Administração Pública deve contemplar polos operacionais e estratégicos definidos.

Não há como negar que os propósitos acima levantados são nobres, e nem mesmo que eles sejam desejáveis, já que revelam nítidos aspectos duma gestão pública calcada no paradigma constitucional do Estado de Direito; todavia, o modelo gerencial demanda, ainda, um lastro legitimador e que, nesse sentido, não se afasta muito das premissas do modelo burocrático, pois enuncia uma atuação administrativa que expressa uma dupla legitimidade: (a) a democrática, decorrente dos meros prognósticos da democracia representativa, já que o exercício do poder ocorre em consonância com as leis determinadas pelo Parlamento, no que revela a soberania popular257; e (b) a legal e técnica, que decorre do cumprimento de normas e dos devidos procedimentos com vista a garantir os direitos dos administrados, assim como obter a eficiência ou eficácia da atuação administrativa258.

255 Ainda que se diga que o modelo gerencial não se ocupa com o lucro, mas sim com o cidadão, uma vez busca

o atendimento do interesse público (Luiz Carlos Bresser Pereira, op. cit., 1996, p. 09), tem-se que o seu modo de atuação acaba por revelar práticas da ambiência privada, notadamente das grandes empresas, incompatíveis com a natureza do serviço público; pois, a título de uma desejada eficiência funcional, tal modelo mutila direito ou garantia dos administrados e, também dos servidores públicos, e isso pode ser facilmente observado nas reformas administrativas promovidas, sem demoradas discussões, no final da década de 90.

256 CHEVALLIER, Jacques. A reforma do Estado e a concepção francesa do serviço público. Revista do Serviço Público (RSP), Brasília, ano 47, vol. 120, nº 3, p. 34-57, set./dez. 1996, p. 52. Notadamente, a reforma

administrativa francesa, mutatis mutandis, se aplicam ao caso brasileiro, mormente por expressar os valores de toda uma ordem de reformas administrativas operadas ou intensificadas na última década do século passado.

257 A rigor, não se pode dizer que na democracia moderna a soberania é do povo, uma vez que o povo não existe,

já que não passa de uma abstração cômoda e falaciosa de firmar ou preservar galhardamente interesses políticos restritos matreiramente em nome dele. Na verdade, a soberania é de todos os cidadãos marcados pela realidade da convivência social (BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. A Filosofia Política e as Lições dos Clássicos. Introdução de Michelangelo Bovero. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Revisão técnica Cláudia Perrone-Moisés. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 380).

Só que dessa dupla legitimidade não advém das propensões que o modelo apregoa. Isto é, não há como legitimar o modelo gerencial, e sua atuação voltada a resultados, sem que encontre na própria cidadania a resposta legitimadora para os seus comandos, haja vista que só o envolvimento político da sociedade é capaz de fazer imperar uma nova ordem na atuação administrativa, daí a razão de prescrever um modelo dialogal, tudo de forma a imperar eficiência, mas com o cotejo do atendimento dos valores da sociedade civil e não apenas dos mentores da reforma administrativa brasileira.

Tendo em vista o mencionado acima, com alguns consideráveis matizes, porém ostentando uma diretriz gerencial, já que distanciada dos moldes meramente burocráticos e sem assumir o modelo gerencial puro, salientam-se, ainda, três parâmetros de gestão pública, quais sejam:

(a) o Consumerism, que prestigia a efetividade e qualidade dos serviços públicos, assim como centra os seus esforços na atenção aos clientes/consumidores259;

(b) a Public Service Orientation, que desenvolve o ideário da equidade no serviço público, como pauta de atendimento ou prestação de serviços, assim como se volta ao atendimento dos cidadãos e na Accountability dos gestores públicos260; e

(c) a Governança261, que é centrada na pluralidade e na eficiência adaptativa262, no que demanda maior flexibilidade, experiências e aprendizagens na consecução dos seus fins, donde ressoa o seu exercício através de provas e, também, de erros263; nela há duas dimensões interdependentes, uma, estrutural, na qual há os arranjos institucionais que incentivam a atuação dos atores responsáveis pela formação das decisões políticas; outra, dinâmica ou de processo, que envolve as ações desses atores que podem afetar a dimensão estrutural264. Na verdade, a Governança se afigura muito próximo do conceito de redes de políticas públicas,

259 ABRUCIO, Fernando Luiz. O impacto do modelo gerencial na Administração Pública. Um breve estudo

sobre a experiência internacional recente. Brasília: Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, 1997, p. 11-13.

260 Fernando Luiz Abrucio, op. cit., 1997, p. 11-13. 261 O termo decorre da palavra inglesa governance.

262 Sue Richards e Les Metcalfe propõem, tendo em vista as organizações e o modelo gerencial, uma distinção

entre eficiência operacional e eficiência adaptativa. A primeira, a operacional, concentra-se na consciência dos custos para promover as demandas existentes, nesse sentido, exige uma série de medidas para fazer funcionar toda estrutura organizacional, ela é pautada na estabilidade advinda de planos ou objetivos com longo prazo de duração; a segunda, por sua vez, prestigia a flexibilidade, pois exsurge a necessidade da definição de novos objetivos ou meros ajustes deles, daí o porquê da criação de estruturas temporárias ou fluxos de informação para solucionar problemas decorrentes de situações imprevisíveis ou, se previsíveis, que demande alguma mudança na estrutura organizacional (METCALFE, Les; e RICHARDS, Sue. La modernización de la gestión pública. Trad. Eduardo Zapico Goñi e Luis E. Echebarría Ariznabarreta. Madrid: Instituto Nacional de Administración Pública – INAP, 1989, p. 62-63).

263 Joan Prats i Català, op. cit., 2005, p. 132. 264 Joan Prats i Català, op. cit., 2005, p. 135.

assim como de marcos ou arranjos institucionais, donde destaca os claros traços de um institucionalismo voltado aos atores da senda decisional de natureza política265. Numa perspectiva constitucional, tal como deve ser toda atuação voltada a promover a gestão pública numa sociedade hipermoderna, a Governança acena com princípio da condução responsável dos assuntos do Estado, de modo que ela “assume uma dimensão básica, não apenas de ‘Estado administrativo’, mas de um verdadeiro Estado Constitucional” 266.

Em todo caso, e independentemente das variantes assinaladas, é necessário redimensionar o modelo gerencial, de modo que ele se preocupe não só com a superação do modelo gerencial puro, pois se alinha aos meros parâmetros da eficiência cotejada sob o prisma econômico, mas que vá além e revele a dinâmica da nossa contextura constitucional, na qual destaca uma necessária observância de uma atuação administrativa baseada nos valores constitucionais vigentes.

Daí o porquê da imprescindibilidade de imprimir o modelo dialógico, pois ele absorve claramente os valores não mercadológico-privatísticos que encerram e caracterizam a gestão pública, porém sem descurar a eficiência no serviço público no seu sentido econômico- jurídico.

As variantes acima mencionadas, não há como negar, possuem eixos de atuação muito próximos e, assim, são construções teóricas que não representam um modelo de gestão público próprio e declaradamente definido, mas, tão-somente, possíveis evoluções, ainda em consolidação, em face das problemáticas apresentadas na tentativa de levar a cabo uma gestão pública a reboque das implicações meramente privatísticas ou empresariais.

Entretanto, os imperativos da gestão privada, ainda que dotada de consideráveis resultados com relação à redução dos custos da atuação estatal, não pode servir de parâmetro preciso à gestão administrativa, uma vez que os nortes que permeiam os objetivos delas são diversos. E isso resulta mais evidente quando se trata da atuação administrativa destinada a prestar serviços sociais relevantes que, apesar de transformadores no meio social, no que exige uma nova visão sobre a própria atuação estatal, e talvez por isso, não comporta uma postura do Poder Público apenas em função de resultados meramente estatísticos.

A dinâmica gerencial, em quaisquer dos seus matizes ou desdobramentos, padece de um elementar dilema: o Estado não pode ser tratado como uma empresa, pelo menos em grande

265 Joan Prats i Català, op. cit., 2005, p. 137.

266 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constitucionalismo e geologia da good governance. In: ______. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. Intinerários dos Discursos sobre a Historicidade Constitucional. 2 ed.

parte de sua área de atuação. Isso se deve, em grande medida, pelo fato de a atuação estatal se propõe a viabilizar realizações humanas que, notadamente, não se perfectibiliza nos quadrantes das meras prospecções do conhecimento científico, ainda que sob o cotejo meramente gerencial.

Ademais, a diretriz gerencial, que exige uma atuação mais flexível da autoridade pública, no que impera maior discricionariedade no exercício das competências legais, vai de encontro justamente à diretriz de um Direito Administrativo menos discricionário e de forte revisão judicial267-268, fazendo com que tal contraposição ponha em xeque, em grande parte, as máximas da gestão pública dotadas dos mesmos parâmetros da gestão privada269.

Todavia, a resposta gerencial ao modelo burocrático revelou um ponto decididamente evolutivo e inarredável em qualquer gestão pública moderna: a eficiência funcional deve permear toda a atuação administrativa. Só que a eficiência não deve ser concebida apenas em números ou resultados estatísticos, mas, sim, na adoção de uma cosmovisão administrativa capaz de fortalecer os instrumentos viabilizadores da transformação social mediante a atuação estatal.

Disso resulta um aspecto político do modelo gerencial, pois, a despeito da perspectiva técnica que encerra toda gestão, e que também é prestigiada por tal modelo, não há como dissociar a flexibilidade do modelo gerencial com o emprego de instrumentos políticos para alcançar as transformações desejadas pela gestão empreendedora.

Não se fala, aqui, de uma antinomia entre políticos e administradores270, mas, sim, da gestão pautada, também, num cotejo político de suas ações. Nessa ordem de ideias, importa observar que a gestão pública deve contemplar um equilíbrio entre o elemento político271 e

267 Joan Prats i Català, op. cit., 2005, p. 123.

268 Por mais que se admita necessidade de uma discricionariedade adequada, e é nesse sentido que ela deve ser

defendida, não há como, pelo menos sob uma perspectiva racional e realista, retirar a discricionariedade dos administradores públicos, pois representaria uma verdadeira balbúrdia na consecução das atividades administrativas.

269 O substrato que encerra o modelo gerencial imprescinde duma necessária margem de confiança no

administrador público e, consequentemente, no maior exercício de competências discricionárias. A dinâmica e a complexidade verificadas na Administração Pública hodierna impedem que a lei e o regulamento, apesar de inumeráveis, sejam capazes de programar a atuação administrativa. Ademais, os controles ordinários da discricionariedade não se afiguram adequados, quer dizer, o controle por resultado não se compatibiliza com a ausência de precisa, melhor dizer adequada, liberdade decisional do gestor público que, através de arranjos institucionais, atua de forma transparente, no que permite o devido controle político e social das medidas adotadas [CATALÀ, Joan Prats i. Modo de Gobernación de las Sociedades Globales. In: MARTÍNEZ, Agustí Cerrillo i (Coord.). La Gobernanza Hoy: 10 Textos de Referencia. Madrid: Instituto Nacional de Administración Pública – INAP, 2005b, p. 145-172, p. 147].

270 Bernardo Kliksberg, op. cit., p. 132.

271 Aqui, é de todo recomendável evitar o spoil system, na sua ambiência moderna, no qual há uma exacerbada

politização do alto escalão das organizações estatais, o que pode resultar em cooptação destituída de qualquer racionalidade técnica, justamente para atender a uma demanda de quaisquer dos Poderes da República numa perspectiva macro (Fernando Luiz Abrucio, op. cit., 1997, p. 39-40).

técnico, tudo de modo a evitar superposições que acarretem uma paralisia na atuação administrativa, o que pode prejudicar ou retardar as medidas administrativas para resolver os problemas que assolam a nossa sociedade272.

Uma questão não pode ser olvidada: em que medida a exigência de resultados pode influir na condução dos processos administrativos e de que forma eventual influência pode repercutir na inobservância dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos?

A pergunta poderia resumir-se a seguinte: é possível a promoção de um processo administrativo direcionado?

A dinâmica que encerra a gestão gerencial, naturalmente, pode não influir nos processos contenciosos de estrito direito, todavia, isso não passa de mera cogitação pela sua imparcialidade; contudo, tratando-se de processos em que se destina à contextualização de recursos ou o seu emprego, nada impede que, no afã de obter resultados considerados afeiçoados à perspectiva gerencial, acabe por serem empreendidas posições que não revelem, tecnicamente, uma decisão estritamente jurídica, quando esta for legalmente exigida, no que pode malferir interesses dos cidadãos, assim como revelar um forte componente político na tomada de decisão do Poder Público.

Agora, e isso não pode ser negado, não há como fazer sucumbir uma margem política273 das decisões da Administração Pública, o que não pode existir é uma superposição da diretriz política sobre a técnica com o argumento de que, somente assim, alcançaria melhores resultados.

Cumpre sempre advertir: a tal decantada eficiência administrativa, revelada na exigível conduta dos servidores públicos, não legitima uma atuação administrativa ao alvedrio da lei, de maneira que as peias jurídicas não podem ser preteridas pela convergência política centrada apenas no alcance dos fins imediatos, e por vezes discutíveis, da gestão pública, ainda que pautada, como deve ser, na finalidade pública.

Em outras palavras, a eficiência administrativa, muito embora represente um dever de toda atuação de um gestor público, não pode ser alcançada de qualquer forma, pois os imperativos legais não podem ser olvidados, pois expressa, ainda que em alguns casos com inegável onerosidade, o que pode ensejar excepcionais e fundamentadas mitigações, as escolhas políticas, e em tese legítimas, dos representantes do povo.

272 Bernardo Kliksberg, op. cit., 1989, p. 134.

273 Não se quer dizer com isso que a Administração Pública possa firmar parâmetros meramente políticos para