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FUNÇÃO LEGITIMATÓRIA E DE CONTROLE DA ATUAÇÃO ESTATAL

Não revela qualquer novidade afirmar que o processo administrativo possa legitimar a atuação do Poder Público, haja vista o propósito participativo que ele deva encerrar. Contudo, a mera procedimentalização, por si só, não implica um resultado útil do processo administrativo, mormente quando há contextos que se distanciam dos ordinários arquétipos prospectados pelo procedimento, daí a importância de o processo administrativo absorver a

451 HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución. Estudios de Teoría Constitucional de la sociedad abierta.

dinâmica discursiva revelada nos argumentos acostados pelos cidadãos, pois isso oferta maior possibilidade de que a medida escolhida ou tomada pela autoridade administrativa possa efetivamente alcançar o interesse público no caso concreto.

O ideal é alcançar uma atuação administrativa que seja, concomitantemente, legítima e exitosa. Todavia, os próprios nortes da atuação legítima não implica necessariamente a ocorrência de tal concomitância.

Em outras palavras, uma atuação legítima não acarreta ou representa, invariavelmente, uma atuação administrativa dotada de efetividade, pois a concreção dela pode revelar-se insatisfatória; contudo, a linha natural das coisas segue o seguinte raciocínio: se a efetividade da atuação estatal depender dos participantes ou destinatários do processo decisório, se afigura defensável ou crível que a via legitimatória empreendida tende a obter resultados exitosos ou expressivos, pois estes contemplam, em princípio, os interesses de todos. Ou, na pior hipótese, os dissidentes tendem a consentir com a medida adotada, justamente por ter participado do processo de preparação e definição dos seus termos, ainda que de forma malograda, na cadeia decisória ultimada, haja vista que a decisão administrativa perdera a imperatividade unilateral de antanho para grassar os ares democráticos e operosos do consenso possível.

Então, qual o sentido de exigir ou imprimir legitimidade, sempre que possível, à atuação administrativa? A razão é simples: num Estado Democrático de Direito a concreção da legitimidade representa um preciso marco entre uma gestão pública democrática e uma gestão pública autocrático-centralizadora, entre os desígnios da expressão popular e o mero comprometimento vazio dos parâmetros legais ou, no que é pior, no eventual atendimento dos interesses privados, velados ou não452.

452 Não se pode compreender a legitimidade sem qualquer operatividade material, daí o porquê dela sempre

ocorrer no mundo dos fatos e, tratando-se mais especificamente dos procedimentos relacionados à fórmula política do nosso Estado Democrático de Direito, ser capaz de acarretar efeitos concretos para o balizamento do exercício do poder. Destarte, não é por outra razão que se deve conceber a legitimidade como um fator real ou concreto. Tércio Sampaio Ferraz Júnior, em evidente advertência ao pensamento luhmanniano, como que operando uma síntese frasal, acentua: “Em certo sentido, Luhmann concebe a legitimidade com uma ilusão funcionalmente necessária, pois se baseia na ficção de que existe possibilidade de decepção rebelde, só que esta não é, de fato, realizada. O direito se legitima na medida em que (sic) os procedimentos garantem essa ilusão” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Apresentação. In: LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo Procedimento. Trad. Maria da Conceição Côrte-Real. Revisão Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 01-05, p. 05, itálico no original). O real ou concreto da legitimidade seria condensada na operatividade dessa aventada ilusão? Com o perdão do paradoxo, seria uma ilusão concreta? A compreensão ilusionista da legitimidade merece reparo, pois os mecanismos ou meios antidemocráticos da senda social, seguidos dos violentos distúrbios deles decorrentes, que se deseja evitar através da legitimação - e que, no caso brasileiro, não raras vezes, eles têm ocorrido -, ainda que dificilmente exsurgidos ou verificados, não retiram da ambiência procedimental a força vivificante da soberania popular, que na seara administrativa se revela mediante a participação administrativa e o desenrolar de tais participações não se limitam a endossar uma ilusão instrumentalista, mas, sim, a forcejar a discussão dos próprios procedimentos administrativos, judiciais ou

As regras do jogo pretensamente democrático453até comportam, ainda que não seja desejável, a possibilidade de resultados inexpressivos com os procedimentos adotados, só não permite o alijamento da sociedade na constituição ou formação das medidas adotadas pelo Poder Público, porque, assim, retiraria um importante fundamento político-legitimante das realizações ou medidas promovidas pelo Estado.

Inobstante isso, não se prestigia uma legitimação que não leve a concreção dos fins desejados pela sociedade; logo, exsurge a importância de contemplar a sociedade com expedientes processuais454 que permita, num primeiro momento, afluir informações para a decisão administrativa e, num segundo, exercer o devido controle das medidas já promovidas e até mesmo antes da realização material delas, hipótese em que se verifica a regularidade dos procedimentos já cumpridos ou adotados durante o percorrer do processo administrativo.

Portanto, deve-se perquirir a viabilidade dos procedimentos tomados no curso do processo com vista a empreender meios de participação administrativa, assim como fomentar a discussão processual sob uma perspectiva dialógica, desde que não cause tumulto ou balbúrdia no processo administrativo.

Em outras palavras, a noção de participação dos particulares não pode ser vislumbrada apenas sob uma perspectiva formal, pois se impõe uma atuação substantiva, devidamente revelada no comprometimento de atos que expressem o reconhecimento da importância das informações apresentadas ou prestadas pelos administrados, donde exsurge o legítimo

legislativos. A legitimação procedimental não é verificada como um entoar de uma ilusão, mas como um constante aperfeiçoamento das instituições e dos institutos com vista a promover uma democracia plena, muito embora nos limites fático-jurídicos da nossa sociedade hipermoderna.

453 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 11 ed. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 2009b, p. 77-78.

454 Aqui, o termo expediente processual quer dizer, tão-somente a existência de mecanismo de natureza

processual adequado ao propósito que ensejou a realização do processo administrativo. Porém, expediente

administrativo deve ser compreendido como realizações materiais dentro do processo administrativo conforme o procedimento empregado (NAVARRO, Francisco González. Procedimiento Administrativo y Vía Administrativa – La intertemporalidad de las normas de Procedimiento administrativo en la Jurisprudencia del Tribunal Supremo. Revista de Administración Pública (RAP), Madrid, nº 51, p. 181-197, sept./dic. 1966, p. 184). Então, processo administrativo, procedimento administrativo e expediente administrativo são realidades [pretensamente] distintas, só que com um detalhe relevante: processo e procedimento administrativos são realidades interdependentes, pois todo processo depende da existência de, no mínimo, um procedimento, o que o torna algo abstrato e, ao mesmo tempo, real. Todo processo administrativo deve contemplar uma necessária flexibilidade procedimental para atender aos seus fins, daí, e isso se afigura racional e trivial, é possível que um processo administrativo adote vários procedimentos, conforme o desenlace das questões fático-jurídicas, durante o seu tramitar. O procedimento, por sua vez, pode apenas revelar a concreção de expedientes sem qualquer vislumbre decisório da Administração Pública, isto é, que não há efetiva necessidade de um processo administrativo. Não por outra razão que podem existir procedimentos parciais dentro de um processo administrativo; logo, é mais comum que tais procedimentos se vinculem a processo administrativo, muito embora eles possam tranquilamente resultar de uma atuação isolada, tal como um procedimento de vistoria de uma mercadoria numa rodovia.

interesse público, pois absorve os reclames de uma diversidade de interesses cristalizada nos argumentos pautados pelos particulares.

Ademais, o próprio aferir do interesse público é uma forma de controle da ação administrativa, pois ele se afigura como um fim e limite dela; portanto, o processo administrativo deve cumprir o papel de resguardar o interesse público mediante o partejar de soluções viáveis, e orçamentariamente possíveis, advindas da participação administrativa, assim como, por antecedente, representar a expressão dos plúrimos interesses da sociedade civil.

Não se pode olvidar, ainda, que o processo administrativo também é uma forma de controle pelo simples fato de limitar a discricionariedade administrativa; melhor dizendo, por ser um mecanismo capaz de possibilitar uma discricionariedade adequada, devidamente centrada nos parâmetros legais, até porque ela é um fenômeno legal455-456-457, e aferida em consonância com a contextura fática apresentada no caso concreto.

Assim sendo, o processo administrativo, além de representar um instrumento da ação estatal, constitui uma função de controle do Poder Público, já que pode revelar, tranquilamente, não apenas a necessidade de cumprimento de deveres estatais, mas, também, a reponsabilidade dos seus agentes.

Aliás, o processo administrativo, por destacar a função de controle da atuação estatal, no que permite maior facilidade na fiscalização da conduta ou decisão da autoridade pública pela sociedade, bem se alinha à própria ideia de uma Administração Pública democrática458; enfim, torna-se um instrumento ensejador da democracia administrativa.

Ademais, a democracia necessita de instrumentos idôneos para promover a fiscalização da atuação estatal e, nesse sentido, o processo administrativo cumpre essa relevante função, mormente quando há espaço para a promoção da participação administrativa459.

Sobremais, o processo administrativo, como mecanismo de controle e de legitimação dos atos administrativos, depende precipuamente da transparência administrativa460, pois não

455 ENTERRÍA, Eduardo García de. La Lucha Contra las Inmunidades del Poder en el Derecho Administrativo

(Poderes Discrecionales, Poderes de Gobierno, Poderes Normativos). Revista de Administración Pública

(RAP), Madrid, nº 38, p. 159-205, mayo/agosto 1962, p. 168.

456 É dizer: “[...] o ato discricionário (ao contrário do arbitrário) também é, em parte, programado

condicionalmente por normas jurídicas. O Estado de Direito não comporta a noção de poder arbitrário e, por isso mesmo, está sempre a enfrentar o problema do poder ilícito” (NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. O Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 95, itálico do original).

457 Para uma análise da discricionariedade administrativa sob a égide de sua necessária justiciabilidade em face

dos princípios jurídicos da nossa ordem constitucional, vide: MORAES, Germana de Oliveira. Controle

Jurisdicional da Administração Pública. 2 ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 33 e segs. 458 Odete Medauar, op. cit., 2008, p. 73.

há como legitimar ou controlar o que não conhece ou conhece pouco ou mal; daí a particular importância da publicidade dos atos públicos e, não menos importante, o direito de acesso aos documentos públicos, observadas as restrições legais, mormente as previstas na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regulamenta o disposto no art. 5º, caput, inciso XXXIII, in fine; no art. 37, § 3º, inciso II; e no art. 216, § 2º, todos da CF/88.

O princípio da transparência possui um caráter nitidamente instrumental, hajam vista que os seus propósitos viabilizam a consecução do controle dos atos do Poder Público, seja o decorrente dos órgãos públicos específicos para tal tarefa, no que se tem o controle interno ou externo; seja o advindo da sociedade civil, donde ressai o controle privado ou social461.

Então, a visibilidade da atividade processual desenvolvida, assim como dos atos materiais dela decorrente, e não se pode negar isso, depende de dois importantes componentes: (a) um objetivo, a existência de expedientes no curso do processo que evidencie a importância dos assuntos tratados para toda a sociedade; e (b) outro subjetivo, a existência de cidadãos empenhados ou predispostos a colher os dados e decifrá-los com vista a aferir a regularidade dos procedimentos tomados ou a realizar no curso do processo.

O elemento objetivo demanda uma adequada processualidade462e, nesse sentido, é uma tarefa plenamente realizável no caso concreto; porém, o subjetivo, adentra o sempre inóspito terreno do status político do cidadão, da ambiência político-sociológica que o cerca e que deveria motivá-lo a alterar as posições ou situações que lhes são adversas.

Não por outra razão, tem-se a maior dificuldade em fazer exsurgir a perspectiva republicana dos administrados-cidadãos, uma vez que isso não depende apenas de arquétipos estritamente jurídicos. Em todo caso, como já mencionado anteriormente, a diretriz deste trabalho não se detém a tal terreno, mas, sim, na releitura e aperfeiçoamento do processo administrativo para melhor servir, como instrumento de participação administrativa, aos fundamentos da Administração Pública dialógica.

Ainda que se discuta o êxito da função legitimadora e de controle do processo administrativo, à evidência, o perfil dialogal do processo administrativo, que convola os

460 Afinal, não basta que as decisões sejam públicas, exige-se, ainda, que elas sejam inteligíveis e que a

sociedade civil tenha a possibilidade de participar do processo decisório (Adilson Abreu Dallari, op. cit., 1994, p. 40); logo, participação, transparência e publicidade são claros instrumentos ou mecanismos de democracia

administrativa.

461 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. In: ______. Mutações do Direito Administrativo. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007d, p. 07-36, p. 25.

462 Quer dizer, que o processo administrativo contenha a flexibilidade necessária para empreender os caminhos

que se revelarem mais profícuos para alcançar os fins desejados pela ordem jurídica. Nesse ponto, destaca-se a importância de uma procedimentalização flexível, tendo em vista o objeto ou a matéria em discussão, pois não basta que a processualidade seja ampla, mas, também, adequada.

mecanismos de participação administrativa com os mecanismos de processualidade adequada, tende a fornecer elementos para uma atividade processual administrativa mais legítima e passível de melhor controle pela sociedade, donde resulta uma clara diferença dos prognósticos da democracia representativa, na qual é adornada por mecanismos incapazes de expressar os anseios que a vivência participativa é capaz de revelar.

Claro que a participação administrativa possui os seus vícios, e que é objeto de análise no item 6.2.3 infra, porém não se pode negar que ela aproxima o círculo das relevantes decisões administrativas para o grande público, fazendo com que o processo decisório seja pretensamente mais legítimo. Logo, mesmo que ocorram desvios, pondera-se pela vivência decisória que é partejada diretamente com a sociedade civil e não por eventuais círculos fechados da ciranda política ou econômica de determinado segmento social.

Pois bem, o esquema, abaixo, demonstra a tradicional linha legitimatória dos atos da Administração Pública, no qual impera uma presumida carga legitimante depositada na democracia representativa.

Diagrama 1 – Democracia Representativa e Ato Administrativo

Aqui, a legitimidade opera-se sobre as vetustas presunções da democracia representativa463, não se deseja com isso afirmar que ela não possa alcançar alguma

463 Para uma crítica veemente à democracia representativa, inclusive com dados estatísticos, consultar:

AMARAL, Roberto. A Democracia Representativa Está Morta; Viva a Democracia Participativa. In: GRAU, Eros; e GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito Constitucional. Estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 19-56, p. 19-46. Paradoxalmente, o autor referencia como experiência de democracia participativa ou, no mínimo, uma experiência a ser observada, a Venezuela (Op. cit., 2003, p. 52- 56), que vive uma vergonhosa ditadura há anos e isso bem evidencia o quanto as massas populares podem ser manipuladas pelos instrumentos de democracia direta; no caso, infelizmente, viciadas ou simplesmente coagidas. De modo que não se observa nem mesmo a argúcia de uma ditatura constitucional, isto é, “a mais refinada

legitimidade ou mesmo que há incompatibilidade absoluta com a democracia direta, mas apenas destacar que democracia representativa pode, tranquilamente, sofrer os desvios da representação política; aliás, isso pode ocorrer em qualquer tipo de representação.

Tem-se, aqui, a legitimidade originária decorrente do regular processo de democracia representativa, devidamente depositada nas instituições e nas autoridades públicas, conforme a senda das tradições políticas do Estado, que são assentadas no binômico legitimidade e legalidade institucional464. Trata-se, portanto, da ordinária forma de participação popular destinada à escolha dos detentores do poder e, assim, à consagração da legitimidade originária465.

Obviamente, a fragilidade da legitimidade originária é identificada no curso das omissões ou realizações promovidas pelas instituições e autoridades públicas na consecução do interesse público, de maneira que é uma legitimidade estática e, dessa forma, sofre os possíveis reverses das contexturas político-sociais, muito embora sempre expresse uma necessária margem de legitimidade à atuação das instituições ou das autoridades públicas.

Ademais, o esquema prestigia a lei em sentido estrito, o que já assenta claramente os valores da democracia liberal, especialmente por conter ou tentar conter a atuação administrativa nos limites da lei, devidamente decantada nos esteios da democracia representativa; todavia, esse entendimento, ainda que pretensamente racional, não tem mais o condão de harmonizar as exigências nosso tempo com a demorada tramitação de um projeto de lei; logo, tudo indica que, num futuro próximo, as leis sejam mais gerais e os pormenores delas sejam devidamente aferidos e condensados graficamente mediante mecanismos de participação administrativa, haja vista que, em tese, são mais céleres, mormente quando for regida por uma processualidade adequada466.

Dessa forma, no esquema acima, observa-se uma democracia pautada na representação e a legitimidade democrática da atividade administrativa se consubstancia na lei, isto é, de cima para baixo467.

forma de fraude à Constituição, que prepara, na sombra e no silêncio dos bastidores, a queda da liberdade e da República” (BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 345), mas, sim, uma patente ditadura na precisa e ordinária compreensão do termo.

464 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da Participação Política. Legislativa – Administrativa –

Judicial. Fundamentos e técnicas constitucionais de democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 25.

465 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, op. cit., 1992, p. 27.

466 Daí advém a relevante questão das regulamentações setoriais e a discutível temática do esvaziamento do

princípio da legalidade em função de uma pretensa normatividade técnica de órgãos ou e entidades públicas. Tal temática, evidentemente, não é discutida neste trabalho, porém urge mencionar que a regulamentação setorial imprescinde da atuação da sociedade civil: (a) como parâmetro técnico das normatizações empreendidas; e (b) como lastro legitimatório dos objetos regulamentados.

Por outro lado, a seguir, seguindo a linha da democracia direta, o esquema apresenta a linha legitimatória dos atos da Administração Pública numa ambiência dialógica, em que se destaca a importância da participação administrativa na definição dos atos administrativos.

Diagrama 2 – Participação Popular e Ato Administrativo

Em face do breve esquema acima, extraem-se os seguintes pontos:

(a) a reduzida legitimidade da lei é suplantada pela legitimação decorrente das decisões advindas dos possíveis consensos perpetrados na seara administrativa, devidamente aferida no processo administrativo468. Nesse ponto, exsurge a legitimidade corrente469, isto é, a que decorre da atuação do gestor público, de maneira que o juízo de legitimidade da sociedade civil incide sobre as decisões ou realizações da autoridade pública e elas podem gozar de aprovação ou desaprovação no meio social, já que os seus efeitos são imediatos ou rapidamente percebidos. Trata-se, portanto, de uma legitimidade dinâmica e precária, pois, não raras vezes, não é observada nas gestões públicas. A questão fica ainda mais extremada quando o gestor, a despeito das dificuldades inicialmente sofridas em função de diversos fatores políticos, econômicos ou sociais, e talvez por isso, não consegue pautar uma gestão que obtenha uma legitimidade finalística ou teleológica470. Isto é, a verificada nos prognósticos protetivos dos interesses públicos decorrente da atuação do gestor público destinada a alcançar os fins desejados pela sociedade em longo prazo;

468 David Duarte, op. cit., 1996, p. 97.

469 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, op. cit., 1992, p. 26. 470 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, op. cit., 1992, p. 26.

(b) adoção da democracia direta não implica exclusão ou substituição dos instrumentos ou meios de democracia representativa, uma vez que a relação entre elas é de complementariedade no Estado Democrático de Direito471, até porque não há como prescindir de quaisquer delas numa sociedade complexa, hajam vista os evidentes empeços materiais relacionados à extensão territorial, à imensa população etc. Afinal, “[...] a participação não elimina a democracia representativa: a participação administrativa reforça a autenticidade democrática” 472. Portanto, vive-se um momento de conciliação, numa relação ótima, entre a necessária técnica da democracia representativa com as notórias vantagens da advindas da democracia direta473;

(c) notadamente, mencionar que a legitimidade do ato administrativo decorre da participação administrativa, e isso deve ficar claro, não quer dizer, nem mesmo vestigialmente, que não se devam observar os parâmetros legais para a sua formação e execução, mas, tão-somente externar que o substrato legitimador do ato administrativo não encontra espeque apenas na lei. Aliás, por ventilar uma relação de complementariedade entre democracia representativa e democracia direta, o esquema parte justamente das premissas legais do esquema anterior e, claro, não se revela qualquer substituição, pois seria uma tolice defender apenas a democracia direta na Administração Pública dialógica;

(d) embora não conste expressamente no esquema acima474, a relação jurídica administrativa, que encerra a dinâmica processual de preparação e formação da decisão administrativa, devidamente veiculada no ato administrativo que lhe é posterior, se coaduna com os cânones da participação administrativa, pois ela não se harmoniza com o processo