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O cidadão envolvido com a defesa do interesse público revela, antes de tudo, um comprometimento com a salvaguarda dos direitos dos concidadãos, assim sendo, a colaboração dos particulares revela-se como uma via legítima de consagração dos seus próprios direitos, pois todo labor conjunto ou a co-laboração tem por propósito justamente fazer com que a atuação administrativa se destine a melhor servir a toda coletividade. Isto é, o regime de colaboração representa a intenção do cidadão de aperfeiçoar a atividade administrativa.

Porém, ele não se limita a uma mera volição ou desejo de contribuir com a consecução dos fins da máquina administrativa, pois se consubstancia, em última análise, na consolidação de mecanismos legais viabilizadores da participação administrativa. Aliás, o regime de colaboração dos particulares, que inclusive ostenta o status de princípio no processo

administrativo português, é um corolário da participação administrativa dos cidadãos na Administração Pública445.

Dessa forma, o regime de colaboração do particular se condensa na atuação do cidadão preocupado não apenas na estrita defesa dos seus interesses, no que se evidencia uma atuação meramente individual, mas, sim, o que pontua um claro aspecto de democracia administrativa, em contribuir para a promoção da medida administrativa mais adequada para a coletividade e, dessa forma, também contribui com a gestão pública; enfim, com o Poder Público, uma vez que também tende a envidar esforços para obter maior eficácia da ação administrativa.

Repita-se, a Administração Pública dialógica fomenta a participação administrativa dos cidadãos nos procedimentos destinados a preparar e ultimar a decisão que carreie as melhores medidas administrativas destinadas à sociedade, só que, para tanto, impõe-se à adoção de práticas democráticas que estimule o envolvimento do particular na concreção dos programas ou planos do Poder Público.

O labor conjunto do cidadão e da Administração Pública, fundado no diálogo, que sempre expressa comunicação, constitui o traço revelador da gestão pública transformadora da sua própria atuação e, assim, mutável para melhor servir à sociedade e tal adequabilidade dos serviços prestados depende, em grande medida, do nível de colaboração dos particulares nas atividades administrativas.

Agora, de que maneira a colaboração do particular efetivamente contribui para uma regular atuação administrativa? Como pode imperar a colaboração em questões de alta complexidade?

Para início, registra-se que a colaboração pode ocorrer pela via institucional, tal como se observa nas diversas entidades do Terceiro Setor446 e, com certa particularidade, na concessão

445 MONCADA, Luís S. Cabral de. A Relação Jurídica Administrativa. Para um novo paradigma de

compreensão da atividade, da organização e do contencioso administrativos. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 173.

446 Com relação à temática, Roberto Dromi sustenta que há uma forma de descentralização administrativa não

estatal, pois, pessoas jurídicas não pertencentes ao Estado, desenvolvem atividades de interesse do Estado (Roberto Dromi, op. cit., 1986, p. 53). A rigor, deve-se discutir se tais entidades desenvolvem atividades com a necessária pertinência administrativa ou se são atividades meramente administrativas de pessoas jurídicas de direito privado; quer dizer, se atuam no exercício de uma função pública. Obviamente, a situação não se insere no caso de exercício de uma função pública, já que não se submete ao regime jurídico-administrativo. Assim sendo, não se acredita, na hipótese, de descentralização administrativa não estatal, mas apenas na colaboração dos particulares mediante a via institucional, pois as entidades do terceiro setor, a seu modo, e ainda que com o suporte de repasses de recursos públicos, não se submetem às mesmas disposições normativas da Administração Pública Direita ou Indireta. Se há descentralização, por evidente, ela não deve ser interpretada como função administrativa exercida por pessoa jurídica diversa do ente político a que se vincula, mas, tão-somente, o exercício de uma função privada por pessoa jurídica de direito privado que desenvolve atividade de interesse público. Porém, não se olvida que elas observam, de algum modo, a incidência de algumas regras de Direito

de serviço público447; assim como pela via individual, aquela decorrente da atuação específica ou pontual de qualquer cidadão; todavia, em quaisquer dos casos, a colaboração se desenrola sob o signo da necessária vigilância dos fins perseguidos e, claro, na providencial proteção do interesse público na sua acepção plúrima.

Assim sendo, têm-se duas vias de colaboração: (a) a institucional; e (b) a individual. Acresça-se, ainda, em alguns casos, a colaboração decorre de coletividades destituídas de personalidade jurídica, no que se revelam como meras projeções de interesses sem uma representatividade definida, mas, claro, circunstancialmente dedicadas a uma pauta administrativa e igualmente capazes de enveredar esforços para uma melhor definição das medidas administrativas. Assim sendo, revela-se como anômala forma de colaboração, já que não institucionalizada, muito embora coletiva e sem matizes individualizantes.

Ao contrário do que se possa imaginar, mormente pela equivocada ideia de que o grande público não é preparado para tratar sobre questões públicas de considerável envergadura, muito embora seja necessário um devido temperamento na análise e consideração dos argumentos por ele apresentados, a colaboração dos particulares não se revela menos viável nas questões de alta complexidade a serem promovidas pela Administração Pública, pois a diversidade de serviços públicos prestados, na maioria dos casos, anda a reboque das evoluções tecnológicas alcançadas na seara privada, de maneira que o conhecimento adquirido em áreas de excelência, conjunta ou separadamente com entidades públicas, pode revelar-se fundamental para o deslinde das grandes questões públicas; logo, os particulares podem contribuir imensamente na concreção de serviços públicos de qualidade e

Público, mas não como condição da operatividade das suas atividades, mas, tão-somente, como pressupostos para obter qualificações, permissões ou benefícios do Estado, já que desenvolvem atividades do interesse da sociedade, mormente nas áreas de saúde, assistência social e educação. Ademais, o exercício de uma atividade sob a égide da função administrativa demanda a consagração legal e que, no caso, não se observa. Sobremais, até mesmo o exercício de um serviço público não implica dizer o exercício de uma função administrativa, tal como ocorre no serviço público prestado em regime de concessão ou permissão. Na hipótese, sequer há serviço público, mas serviço prestado ao público e de interesse público. Não obstante isso, tais entidades privadas podem encampar relações jurídicas de direito público, pois “a publicização de uma relação não é determinada pelo titular da relação” (VILANOVA, Lourival. Relação Jurídica de Direito Público. Revista de Direito Público

(RDP), São Paulo, ano XVIII, nº 74, p. 44-62, abr./jun. 1985, p. 46). Com efeito, a publicização decorre da

matéria e não da qualidade de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado. Assim, uma autarquia pode encetar uma relação jurídica de direito privado mediante um contrato de locação e, por outro lado, uma empresa privada pode empreender uma relação jurídica de direito público mediante o exercício do direito de pleitear uma tutela jurisdicional com base em pretensão material de direito privado (Lourival Vilanova, op. cit., 1985, p. 46).

447 Aqui, o regime de colaboração não é pautado pelo signo do envolvimento político da empresa concessionária,

mas, tão-somente, pela busca de lucro, já que a ela atua como agente econômico e, nessa qualidade, tende a operar com vista a satisfazer aos imperativos econômicos e aos sócio-políticos. Daí, a razão de não promover maiores considerações sobre a concessão de serviço público neste trabalho. Portanto, é um tipo de relacionamento com a Administração Pública não considerada como participação administrativa.

contornar os seus dilemas, o mesmo se diga quanto às questões que envolvam valores contrastantes no seio da sociedade, o que demanda uma significativa discussão pública.

Aliás, uma das mais nítidas expressões comportamentais republicanas de um cidadão encontra-se arvorada na colaboração com a atividade estatal, não na posição de litigante no processo administrativo, mas, sim, como um co-laborador na preparação e execução das medidas administrativas448.

Daí, o motivo de a LGPAF exigir a colaboração dos administrados para o esclarecimento dos fatos constantes no processo administrativo (art. 4º, inciso IV, in fine).

Ora, como a lei, no dispositivo citado, não promoveu qualquer restrição quanto aos sujeitos passivos da exigência estabelecida; então, seja na hipótese de mera defesa processual da parte449, seja no caso de intervenção participativa de natureza individual ou institucional, há um dever de colaboração dos cidadãos, uma vez que a devida compreensão do termo administrado não pode restringir-se apenas àquele que seja parte na relação jurídica administrativa, mas a todos que, pessoas físicas ou jurídicas, intervenham na atividade processual administrativa.

Então, a colaboração do particular cumpre duas importantes funções no processo administrativo: (a) carreia informações para a devida preparação da decisão final, tudo sob o influxo de uma consistente base argumentativa e; (b) na mesma medida, permite um alargamento do complexo compreensivo da questão administrativa ou potencializa as vias ou alternativas decisórias da manifestação do Poder Público, fazendo com que o leque de possibilidades, longe da balbúrdia que geralmente as miríades fáticas encerram, decante a melhor medida ou decisão da Administração Pública.

Outra questão é digna de registro: há um dever legal fundamental450 de colaboração ou se trata de um direito legal fundamental de colaborar com a Administração Pública? Ou seria até mesmo um dever fundamental de colaboração com o Poder Público?

448 Roberto Dromi, op. cit., 1986, p. 35.

449 O que não constitui uma forma de participação administrativa e a razão desse entendimento é apresentada em

tópico específico.

450 A noção de um dever legal fundamental decorre da sua importância ímpar em face da matéria regulamentada

e o seu devido destaque para a consecução dos fins ou propósitos inerentes a essa própria regulamentação, o mesmo se diga, mutatis mutandis, tendo em vista as diferenças ou inferências teórico-operacionais, quanto a um direito legal fundamental. José Joaquim Gomes Canotilho considera como deveres legais fundamentais (a) colaborar com a Administração da Justiça; (b) observar o segredo de Estado; e (c) preservar o segredo de justiça etc. (Op. cit., 2003, p. 534). O que se pode questionar, até mesmo por uma questão funcional, como distinguir um direito ou dever legal de um direito ou dever legal fundamental; isto é, como não admitir a artificialidade da expressão dever ou direito fundamental, pois se ele não fosse fundamental, qual o sentido de sua regulamentação na ordem jurídica. A fundamentalidade, no caso, decorre da sua importância no tratamento e operacionalidade das matérias jurídicas e, naturalmente, no trâmite jurídico delas na ambiência social; logo, não se pode afirmar que todo direito ou dever possua a mesma envergadura ou densidade jurídica, justamente por existir níveis

Aqui, o regime de colaboração foi mencionado, incialmente, como um dever legal, inclusive com expressa disposição na LGPAF, até mesmo por propiciar implicações processuais decorrentes das intervenções de terceiros no processo administrativo; todavia, tal entendimento não se coaduna perfeitamente com a diretriz política que deve prevalecer no Estado Democrático de Direito, ainda que tenha a sua importância para os claros propósitos ventilados no processo administrativo.

Explica-se: não há como conceber a ingerência ou envolvimento do cidadão na atividade decisional da Administração Pública apenas como dever, pois a própria noção de participação política pressupõe a voluntariedade do cidadão. Não se participa politicamente por dever, mas por convicção decorrente de interesse geral ou concreto ou, ainda, por conta de posições ideológicas definidas ou assumidas pelo cidadão. Então, se afigura mais aconselhável enquadrá-lo como um direito de participação política, logo, de cogência constitucional, ainda que, por justificáveis razões processuais, a ordem jurídica pode impor o regime de colaboração dos particulares na qualidade de um dever legal fundamental. Porém, quais seriam as implicações inferidas desse entendimento:

(a) por considerar um direito fundamental, o direito de colaboração não depende de autorização expressa em norma infraconstitucional, pois resulta de cláusula geral decorrente da devida interpretação do art. 1º, inciso II, § único, da CF/88. Ora, como conceber o exercício da cidadania sem a possibilidade de integração colaborativa do cidadão na Administração Pública. Portanto, não se trata de um direito legal fundamental de colaboração, mas um verdadeiro direito fundamental de colaboração decorrente das normas constitucionais assinaladas, em virtude de uma inarredável decorrência do direito de participação política;

(b) a dinâmica que encerra um direito em face da Administração Pública, mormente quando decorre de norma de status constitucional, implica a perfectibilização e consagração de mecanismos que possibilite o seu exercício; logo, o Poder Público não deve levantar embaraços procedimentais ou processuais para a efetiva atuação política do cidadão, contanto que a colaboração não se apresente lesiva ao próprio direito ou interesse que se deseja tutelar ou preservar; e

(c) a atividade administrativa empreendida não pode, a título de empregar maior racionalidade a seus procedimentos, desconsiderar a teia informativa decorrente do direito de

diversos de peso, ainda que algumas vezes apenas aferível no caso concreto, pode-se mencionar que um ou outro direito ou dever legal é fundamental. Assim, não se pode dizer que o dever de atravessar os pórticos públicos com a vestimenta adequada tenha a mesma importância/fundamentalidade do dever de preservar o segredo de Estado.

colaboração com a Administração Pública. Em outras palavras, o regime de colaboração dos particulares, reconhecido como direito fundamental e, por vezes, assumindo a ambivalência de um dever legal fundamental, por uma exigência processual, não pode ser suprimido por meras inferências subjetivas da autoridade pública e, muito menos, por levantes processuais ou procedimentais objetivos destituídos de fundamentos axiológicos ou normativos decantados na contextura das relações jurídicas administrativas.

Destarte, não há objeção que o regime de colaboração possa eventualmente desaguar num dever legal fundamental para o fim a que se destina; contudo, a sua existência encontra- se arrimada no direito de participação política e, dessa forma, ele expressa um mecanismo de democracia administrativa, haja vista a abertura processual promovida pelo Poder Público para atender, a contento, a tal direito na ambiência dos órgãos ou repartições públicas, fazendo com que impere uma via própria e contínua de envolvimento político do cidadão nas atividades do Estado.

Trabalhar o regime de colaboração do particular como direito empreende o devido status representativo do envolvimento cívico dos cidadãos na Administração Pública como uma imperiosa pretensão em face do Estado e, nessa qualidade, capaz de alterar alguns rumos da atividade administrativa.

Portanto, sendo um direito de participação política, o regime de colaboração do particular com o Poder Público manifesta uma clara expressão de participação administrativa na seara processual, o que representa um status activus processualis, que circunscreve todos os processos ou procedimentos relativos aos direitos fundamentais451.