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Vive-se um momento particularmente intrigante na sociedade global, pois há, num primeiro momento, como que um inexplicável avanço em diversas áreas do conhecimento humano, porém se despontam, em descompasso com o progresso obtido, dilemas e problemas antigos, só que incrustados de novos ingredientes, decorrentes da ambiência do nosso século, fazendo com que a vida em sociedade se revele extremamente complexa.

Assim sendo, ainda que se discuta a noção de pós-modernidade150, não há como negar que, alcançada a modernidade, pelo menos nos termos em que ela foi originalmente concebida, tem-se, hodiernamente, uma vida em sociedade mais complexa e, consequentemente, os institutos do direito que se destinam a regulá-la, sem sombra de dúvida, são igualmente mais complexos ou, no mínimo, mais aperfeiçoados, o que revela a ocorrência de notórios aprofundamentos em evidente decorrência das demandas existentes; logo, não se pode negar que a hipermodernidade não se liga necessariamente a superar o moderno, mas, e isso resulta importante, a transparecer situações ou posições relacionadas ao direito que não se alinham aos modelos de antanho ou simplesmente modernos.

149 A expressão, evidentemente, quer prestigiar uma precisa democratização na ambiência administrativa, seja na

sua contextura orgânica, seja no relevo da sua aplicação funcional, fazendo com que o exercício da atuação estatal contemple vias concretas de participação política do cidadão na Administração Pública.

150A expressão, sem nenhum exagero, não é das mais felizes. Ora, se não se imagina, efetivamente, uma

modernidade, no que concernem aos seus vastos esteios, para toda sociedade, o que falar da existência de um Direito Pós-Moderno, em especial o Direito Administrativo. E o que é e o que há de vir depois da pós- modernidade? Daí, mais adequado chamar de hipermodernidade. Em que pesem as reservas arvoradas, não há como negar a particular quadra de modificações de no Direito Administrativo nas últimas décadas, de modo que elas extrapolam as linhas ordinárias e superadas das posições pretéritas e, talvez assim, se justifique a terminologia empregada.

Tendo em vista essa premissa, e seguindo a senda evolutiva do Direito Administrativo, pode-se, desde já, afirmar que a complexidade da sociedade hipermoderna acarretou sérias transformações na relação existente entre o Estado e os particulares e, de um modo geral, as arcaicas estruturas que imperavam na consecução da atividade administrativa mostraram-se obsoletas ou incapazes de promover os mais diversos fins da Administração Pública, em especial para atender aos novos parâmetros constitucionais relacionados ao tratamento dos cidadãos em face da atuação administrativa.

O fato é que o Direito Administrativo se complica com o seu próprio progresso, fazendo com que perdurem enormes paradoxos no avançar de suas conquistas, revelando-se um verdadeiro mosaico de contradições151. Então, a famigerada crise do Direito Administrativo se revela justamente na dificuldade do seu alinhamento aos rumos da sociedade hodierna por razões de ordem fática ou jurídica que demandam uma nova releitura dos seus institutos, donde deva despontar o seu necessário aperfeiçoamento ou superação.

Uma das mais evidentes mazelas do Direito Administrativo foi a sua independência extremada dos domínios do Direito Constitucional, fazendo que imperasse toda uma torrente de comandos administrativos em descompasso com os paradigmas constitucionais vigentes, o que é de todo paradoxal, uma vez que “o direito constitucional e direito administrativo se imbricam e se complementam na prestação efetiva do estado de direito” 152.

Daí decorre a importância do chamado processo de constitucionalização do direito, que se caracterizou pela expansão “das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico” 153-154. Dessa forma, a Administração Pública passou a adotar um novo norte normativo, a saber, as normas

151 CASSESE, Sabino. “Le droit puissant et unique de la société”. Paradossi del diritto amministrativo. Rivista Trimestrale di Diritto Pubbico (RTDP), Milano,Vol. 59, p. 879-902, ott./dic. 2009, p. 880. Aliás, o autor

destaca, dentre outros pormenores, a clara contraposição entre suas rápidas mudanças e a manutenção de sua pretendida estabilidade, sua perspectiva tradicionalmente unitária com a perspectiva pluralista de nosso tempo, do império do formalismo que se vale da informalidade, da nacionalização com a privatização, da regulação e da desregulação, do interesse nacional, porém acena como instrumento da cooperação supranacional ou global.

152 TÁCITO, Caio. Bases Constitucionais do Direito Administrativo. Revista de Direito Administrativo (RDA), Rio de Janeiro, nº 166, p. 37-44, out./dez. 1986, p. 43.

153 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do

Direito Constitucional no Brasil). Interesse Público (IP), Porto Alegre, ano 7, nº 33, p. 13-54, set./out. 2005, p. 24.

154 Numa perspectiva de análise afim, muito embora centrada em foco diverso de aplicação, Marcelo Neves faz

referência “à constitucionalização da realidade jurídica e à juridificação das relações políticas” (NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 187), como forma de evitar a insuficiência de concretização normativo-jurídica generalizada das disposições constitucionais. Assim sendo, tem-se que a própria noção de constitucionalização do direito é antecedida do necessário reconhecimento do mero vislumbre simbólico do seu texto constitucional e, a partir daí, tentar modificar a realidade jurídica observada ou, mesmo, inobservada.

constitucionais relativas à operatividade do Direito Administrativo, sabidamente tão enormadas no nosso texto constitucional.

Naturalmente, a observância substantiva dos dispositivos da Constituição acarretou algumas importantes alterações paradigmáticas155, tais como: (a) uma redefinição156 na compreensão da supremacia do interesse público sobre o particular; (b) uma vinculação do gestor público à Constituição e não apenas à lei em sentido estrito, especialmente à ordinária; e (c) maior controle judicial do mérito administrativo157.

Considerando as particularidades que encerram o surgimento do Direito Administrativo, e seguindo uma análise mais precisa sobre a atuação da Administração Pública desde o século XVIII, entende-se o porquê da existência, ainda hoje, de tantos abusos na condução da atividade administrativa brasileira, decorrente, em grande medida, dos resquícios dos instrumentos jurídicos de perfil autoritário desse ramo jurídico ao longo dos tempos.

Destarte, e não se olvidando do entendimento acima, tem-se que somente com a constitucionalização do Direito Administrativo, em virtude das profícuas conquistas do Direito Constitucional moderno, foi possível arvorar novos ares sobre a temática, de matizes decididamente democratizantes, muito embora não seja uma tarefa fácil consolidá-los, hajam vista os ranços autocráticos que ainda persistem na Administração Pública brasileira em contraposição à perspectiva dialógico-participativa que deve animar a ambiência relacional entre o Estado e os seus cidadãos.

Com efeito, a constitucionalização do Direito Administrativo fez imperar uma releitura nos institutos administrativos, de maneira a torná-los mais consentâneos aos fins do Estado; assim como, e não menos importante, traçou uma nova forma de conceber a função

155 Luís Roberto Barroso, op. cit., 2005, p. 42-43.

156 Nesse ponto, vale destacar dois importantes e precursores artigos sobre a temática: o primeiro, de Humberto

B. Ávila, no qual destaca a inviabilidade de conceber essa supremacia como um princípio jurídico do nosso sistema (ÁVILA, Humberto. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.

Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, v. 24, p. 159-180, out./dez. 1998,p.164-167); o segundo, em

contraposição ao primeiro, de Fábio Medina Osório, salienta a existência e a importância do interesse público como um princípio implícito no nosso sistema jurídico (MEDINA OSÓRIO, Fábio. Existe uma supremacia do interesse publico sobre o privado no direito administrativo brasileiro? Revista dos Tribunais (RT), São Paulo, v. 770, p. 53-92, dez. 1999, p. 62 e segs.).

157 No sentido de que “a inexistência de motivos, a retirada de consequências incompatíveis com a norma

aplicável, a persecução de finalidades incompatíveis com a regra de competência, o desajuste entre os pressupostos do ato e o seu conteúdo, a desproporcionalidade entre meios e fins ensejam a fiscalização e revisão judicial” (SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 318). Interessante advertir que o controle ou o regramento da discricionariedade administrativa, ainda que desejável, não pode fazer com que a discricionariedade judicial passe a pautar ou mesmo substitua a agenda administrativa, pois tão prejudicial quanto à discricionariedade administrativa

desregrada pode ser a discricionariedade judicial descabida, como bem adverte EDLEY JUNIOR. Christopher F. Derecho Administrativo. Reconcebir el control judicial de la Administración Pública. Trad. Ángel Manuel Moreno. Madrid: Instituto Nacional de Administración Pública - INAP, 1994, p. 254-255.

administrativa, passando das peias meramente legais para os plúrimos valores das imposições constitucionais, decididamente voltados à consolidação de uma Administração Pública dialógica e centrada no alcance das prestações em benefício do cidadão, fazendo com que se abandone uma postura autocrática no cometimento das atividades administrativas.

Com relação ao princípio da legalidade e a sua redefinição, urge salientar que impera um entendimento diverso do apregoado no século XVIII. Por evidente, a lei em sentido estrito perdeu espaço, melhor dizer que não teve como acompanhar, em face das exigências do mundo hipermoderno, as alterações encampadas na consecução da atividade administrativa. Contudo, isso não quer dizer que a legalidade tenha se reduzido. Na verdade, ocorrera um efetivo alargamento, pois a observância do princípio da legalidade, hoje, exige a submissão ao Direito158.

Observa-se, igualmente, uma verdadeira onda vivificadora dos planos democráticos na Administração Pública. Em outras palavras, ocorrera uma progressiva inclinação normativa à consagração da participação popular159, em particular à participação administrativa e isso pode ser facilmente aferido em diversos dispositivos do texto constitucional160.

Outras mudanças podem, ainda, ser salientadas161: (a) restrição à discricionariedade administrativa, que pode ser revelada no teor das disposições normativas ou no possível controle pelo Poder Judiciário; (b) o surgimento, por clara influência norte-americana, das agências com a intensificação da atividade regulatória do Estado, assim como a atividade regulamentar sobre os serviços prestados mediante concessão ou permissão162; (c) forte compromisso com o princípio da subsidiariedade, prestigiando, assim, a atividade fomentadora, coordenadora e fiscalizadora do Estado sobre a atividade desenvolvida pelos particulares; e (d) uma fuga para o Direito Privado163-164 ou, simplesmente, a busca de novos

158 Maria Sylvia Zanella Di Prieto, op. cit., 2005, p. 47. 159 Maria Sylvia Zanella Di Prieto, op. cit., 2005, p. 48.

160 Por exemplo, art. 5º, inciso XXX; art. 194, inciso VII; e art. 206, inciso VI. Maiores considerações sobre o

princípio da participação popular na ambiência administrativa são levantadas no capítulo V (item 06).

161 Maria Sylvia Zanella Di Prieto, op. cit., 2005, p. 48-54.

162 TÁCITO, Caio. Transformações do Direito Administrativo. Boletim de Direito Administrativo (BDA), São

Paulo, ano XV, nº 02, p. 82-86, fev. 1999, p. 84.

163 Sobre a temática, dentre outros trabalhos, consultar: (a) ESTORNINHO, Maria João. A Fuga para o Direito Privado. Contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública. Coimbra: Livraria

Almedina, 1996, p. 85 e segs., nas quais são apresentados os desdobramentos ou reações relativas às novas formas de atuação administrativa; (b) IBÁÑEZ, Santiago González-Varas. El Derecho Administrativo

Privado. Madrid: Editorial Montecorvo, 1996, p. 87 e segs., que se refere à segunda parte da obra, na qual há

uma precisa exposição sobre a relação entre a atuação administrativa e o direito privado na perspectiva do Direito espanhol, inclusive com detidas considerações sobre o Direito Comunitário europeu; e (c) VANDENBERGH, Michael P. The Private Life of Public Law. Columbia Law Review (CLRev.). New York, vol. 105, nº 07, p.2.029-2.096, November 2005, p. 2.033 e segs., em que se discute a importância dos institutos de Direito Privado para o Direito Administrativo norte-americano, especialmente para resolução de conflitos pela via consensual em matéria regulatória.

instrumentos do direito privado165 para contornar algumas adversidades do regime jurídico- administrativo.

Nesse último ponto, na verdade, há como que o uso da via do Direito Privado sem, contudo, perder a sintonia com o Direito Administrativo, porque166: (a) o Direito Privado é empregado como expressão da forma, já o Direito Administrativo conserva o seu conteúdo; (b) as relações travadas em entre órgãos públicos e sujeitos privados, em manifesta disposição de cooperação, consenso ou colaboração, não faz exsurgir necessariamente uma relação materialmente paritária, mas apenas formalmente paritária; e (c) a conjunção entre o Direito Privado e Direito Administrativo faz com que ocorra uma verdadeira alteração nos institutos jurídicos, gerando, de certo modo, uma verdadeira indefinição nos ordinários fundamentos deles em virtude da concreção de regimes híbridos.

Seguindo, ainda, uma esteira de tendências no Direito Administrativo, Gustavo Binenbojm elenca algumas mudanças paradigmáticas, tais como167: (a) da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade da Administração Pública, na qual condena a relação de prevalência apriorística do Poder Público; (b) da legalidade como vinculação positiva à lei ao princípio da juridicidade administrativa168; (c) da dicotomia ato vinculado versus ato discricionário à teoria dos graus de vinculação à juridicidade, em que se expressa à necessidade de prescrever regramentos mais precisos sobre a discricionariedade administrativa; (d) do Executivo unitário à Administração Pública Policêntrica169, na qual

164 A rigor, a expressão é inadequada, pois não há precisamente uma fuga, mas, sim, um retorno, uma vez que o

Direito Administrativo, na sua origem, se desvinculou do Direito Privado, mormente das amarras do Direito Civil, e, agora, inclina-se à privatística como forma de obter maior flexibilidade no trato das demandas públicas (OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública. O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade. Coimbra: Almedina, 2003, p. 793).

165 É o que apregoa Odete Medauar, segundo os escólios de Mario Nigro, como sendo a privatização de primeiro

grau, já quando se observa a criação de entes privados regidos pelas normas privatísticas, v. g., empresa pública, tem-se a privatização de segundo grau. Por fim, pode-se mencionar a privatização de terceiro grau quando há a transferência da prestação de um serviço público aos particulares, v. g., concessão (Op. cit., 1992b, p. 168).

166 Sabino Cassese, op. cit., 2006, p. 187. 167 Gustavo Binenbojm, op. cit., 2008, p. 29-45.

168 Tal temática é retratada como profundidade por Paulo Otero, op. cit., 2009, p. 349 e segs. Alguns esteios

dessa relevante obra são devidamente aportados nos capítulos vindouros, já que possui uma importância inegável para a compreensão da relação entre o fortalecimento do processo administrativo e a ideia de juridicidade no seio da Administração Pública.

169 Então, a rigor, não há mais Administração Pública no singular, mas Administrações Públicas, haja vista todo

um complexo de entidades e organizações que promovem os fins do Estado, como bem adverte Vasco Manoel Pascoal Dias Pereira da Silva: “Desaparecida a identidade entre a Administração e o Estado, e perante o multiplicar de entidades públicas, parece já não fazer sentido falar em Administração no singular, só se devendo utilizar tal expressão no plural” (op. cit., 1998, 91). Todavia, neste trabalho, o uso no singular se deve, basicamente, à comodidade que decorre do seu habitual emprego e sem que isso implique desconhecer o entendimento acima assinalado.

revela o surgimento de novos pontos operativos de poder, a saber, os das agências reguladoras pretensamente170 independentes.

De um modo geral, as tendências apontam para um reposicionamento do cidadão na contextura da promoção da função administrativa, a saber, de mero destinatário da medida administrativa para um verdadeiro ator das posições tomadas pelo Poder Público, tudo com vista a salvaguardar os seus interesses e a promover uma eficiência da gestão pública; daí a razão para várias releituras de institutos do Direito Administrativo, porém com o cuidado de tomar uma linha virtuosa de mudança conceitual, de maneira a evitar possíveis males decorrentes do excesso castrativo de sua funcionalidade.

Agora, cumpre mencionar sobre o desenvolvimento de um Direito Administrativo Global171 ou, no que se revela mais preciso em se tratando da Europa, de um Direito Administrativo Supranacional172-173.

Mas teria realmente como existir um Direito Administrativo Global, se a história sempre deixou claro o entendimento de que as administrações públicas são fenômenos exclusivamente nacionais?174As mudanças operadas no plano global, nas últimas décadas, faz assinalar em sentido positivo à indagativa levantada, já que há o desenvolvimento de regras administrativas internacionais, assim como uma clara expansão de tais regramentos sobre os Estados nacionais e os seus cidadãos175.

O Direito Administrativo Global exsurge da necessidade de perfilhar um regramento às áreas de interdependência globalizada, tais como, dentre outros: (a) segurança; (b) condições

170 Não se vislumbra uma independência nos moldes defendidos pelo autor, qual seja, fulcrada numa autonomia

reforçada (op. cit., 2008, p. 255-256). Ora, autonomia não admite graus, o que se admite é apenas maior extensão do objeto a que se ocupa o exercício do poder autônomo.

171 Não há como admitir, ainda, e a rigor, a existência de um Direito Administrativo global, hajam vista os

empeços de ordem jurídica e organizacional, devidamente revelados pela diversidade de Estados com seus dilemas e complexidades no trato das relações jurídicas administrativas. A própria noção de Direito Administrativo Supranacional envolve dificuldades, quanto a sua operacionalidade, mesmo na comunidade europeia. Em que pesem tais considerações, e tendo em vista o contexto que envolve a sociedade no plano mundial, no que revela toda uma infindável teia de relações entre os homens numa conjuntura global, devidamente marcada pela diversidade de interesses ou valores ostentados ou compartilhados, pode-se dizer, mesmo assim, que “a sociedade mundial constitui-se com uma conexão unitária de uma pluralidade de âmbitos de comunicação em relações de concorrência e, simultaneamente, de complementariedade” (NEVES, Marcelo.

Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 26, itálico no original), daí a imperiosa

necessidade de os marcos jurídicos atingirem, ou pelo menos não se tornarem anacrônicos, os níveis desejáveis de operacionalidade das sempre crescentes, e mais complexas, demandas do nosso tempo.

172 A supranacionalidade do Direito Administrativo é facilmente compreensível na União Europeia,

especialmente quando o regramento comunitário é influenciado pelo Direito Administrativo doméstico e este, por sua vez, é também influenciado pela norma comunitária, inclusive em maior medida.

173 A crise da territorialidade é destacada por Sabino Cassese como um evidente ponto das transformações

sofridas pelo Direito Administrativo (op. cit., 2006, p. 183).

174 CASSESE, Sabino. Global Standards for National Administrative Procedure. Law and Contemporary Problems (LCP), Durham, vol. 68, number 3-4, p. 109-126, summer/autumn 2005, p. 112.

para desenvolvimento e assistência financeira aos países em desenvolvimento; (c) proteção ambiental; (d) regulação bancária e financeira; (e) telecomunicações; e (f) propriedade intelectual.

Em face de tais demandas, pode-se cogitar sobre a existência de 05 (cinco) principais tipos de regulação administrativa globalizada, quais sejam176: (a) administração promovida pelas organizações internacionais formais; (b) administração baseada numa atuação coletiva de redes transnacionais de acordos de cooperação entre funcionários reguladores nacionais; (c) administração distribuída conduzida por reguladores nacionais sob o jugo de tratados, redes ou outros regimes cooperativos; (d) administração decorrente de acordos híbridos intergovernamentais-privados; e (e) administração resultante de instituições privadas com funções regulatórias.

Urge assinalar que essas administrações de regulação globalizada não se encontram devidamente definidas e, por conseguinte, nem se observam plenamente operativas e nem caminham normativamente de forma estanque no plano global.

Na verdade, o surgimento do Direito Administrativo Global apenas revela a existência de um universo jurídico a ser devidamente ocupado por regras e princípios próprios e, apesar dos enormes entraves para obter tal desiderato, alcançar uma sistematicidade no trato da matéria.

Muito embora, como evidente obstáculo a ser superado, o funcionamento de um regime administrativo global depende, invariavelmente, da ação coordenada de diversos componentes e agentes, internacionais e nacionais, assim como da existência de meios para afirmar que os acordos estejam em consonância com as regras do regime e, claro, que sejam efetivamente cumpridos177.

Em que pese o desenlace recente do Direito Administrativo Global, já se desenvolve uma linha de atuação pautada em 03 (três) relevantes conceitos normativos178: (a) a responsabilidade179 administrativa interna; (b) a proteção de direitos dos cidadãos; (c) a promoção da democracia.

176 KINGSBURY Benedict; KRISCH, Nico; e STEWART, Richard B. The Emergence of Global Administrative

Law. Law and Contemporary Problems (LCP), Durham, vol. 68, number 3-4, p. 15-61, summer/autumn 2005, p. 20.

177 Benedict Kingsbury, Nico Krisch e Richard B. Stewart, op. cit., 2005, p. 44. 178 Benedict Kingsbury, Nico Krisch e Richard B. Stewart, op. cit., 2005, p. 43.

179Accountability não possui uma tradução precisa para a língua portuguesa, muito embora seja corrente traduzi-

la por responsabilidade; em todo caso, em face do contexto apresentando no artigo, preferiu-se uma compreensão que representasse a responsabilidade do agente público de forma genérica, no que se insere à administrativa e à política, e não apenas no sentido de que se deva prestar conta sobre algo numa perspectiva meramente obrigacional.

Sabe-se que as dificuldades não são poucas quanto à operacionalidade de tais conceitos normativos, haja vista a ausência de uma precisa regularidade institucional no pano global, sem falar na natureza fragmentária das instituições internacionais acrescida da existência de uma diversidade de agentes que perseguem, muitas vezes, interesses diversos180.

Por mais que se trate de um fenômeno incipiente em termos dogmáticos, não há como negar, hoje, o relevo das regras do Direito Administrativo Global nas relações entre os