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O adulto e a pedagogia escoteira

2. OS GRUPOS ESCOTEIROS SANTO ANTONIO E BORORÔ:

2.4 O adulto e a pedagogia escoteira

Segundo a literatura escoteira, os monitores e as monitoras devem ser exemplos para os membros de suas patrulhas. No “Guia Prático para Monitores”70 há uma citação de Baden-Powell aos monitores(as) que ilustra isso:

Quero que vocês, Monitores, entrem em ação e treinem suas Patrulhas inteiramente sozinhos e à sua moda porque, para vocês, é perfeitamente possível pegar cada jovem da Patrulha e fazer dele um bom camarada, um verdadeiro ser humano. De nada vale ter um ou dois jovens admiráveis e o resto não prestando para nada. Vocês devem procurar fazê-los todos positivamente bons. Para conseguir isso, a coisa mais importante é o próprio exemplo, porque, o que vocês fizerem, os seus Escoteiros o farão. Mostrem a todos eles que vocês sabem obedecer às ordens dadas, sejam elas ordens verbais, ou sejam regras que estejam escritas ou impressas; e que vocês cumprem ordens, esteja ou não o Chefe Escoteiro presente. Mostrem que conseguem conquistar distintivos de Especialidades e, com um pouco de persuasão, os seus companheiros seguirão o seu exemplo. Mas, lembrem-se que vocês devem guiá-los, e não empurrá-los. (UEB, Guia Prático para Monitores, 2014, p.114)

O que observei nos grupos escoteiros, no entanto, é que o exemplo maior para os

escoteiros e as escoteiras são os(as) chefes, e esses exemplos ocorrem em pequenas ou

grandes ações. Numa das tardes, a chefe Cintia estava sem o seu uniforme completo e notei que alguns escoteiros e algumas escoteiras, incluindo um dos monitores, também estavam com os seus respectivos uniformes incompletos sem que houvesse um acordo entre eles. Nessa mesma tarde quando a chefe Cintia se apresentou com o seu uniforme completo, com exceção do monitor citado, os demais escoteiros e escoteiras também se apresentaram com seus respectivos uniformes completos, inclusive os escoteiros da patrulha desse monitor. Em outro momento, enquanto alguns chefes do Grupo Escoteiro Santo Antonio estavam conversando durante uma cerimônia de bandeira, notei que alguns escoteiros e escoteiras também conversavam. Os escoteiros e as escoteiras se respaldaram muito mais nos exemplos dos chefes do que de seus monitores ou monitoras. As atitudes dos(as)chefes além de repetida pelos(as)escoteiros(as), parece um certo álibi aos escoteiros(as) para justificar seus comportamentos.

Além da postura dos(as)chefes, os(as)escoteiros(as) também observam as atividades propostas pelos seus chefes, avaliando-os de acordo com o que compreendem ser o escotismo.

70 A União dos Escoteiros do Brasil publicou em 2014 um livro de bolso com orientações aos monitores(as) dos ramos escoteiro e sênior, o “Guia Prático para Monitores”. Nele constam orientações de como escoteiros, escoteiras, seniores e guias devem agir quando forem monitores(as). O conteúdo, de forma geral, consta no livro Escotismo para Rapazes, mas foi reunido e sintetizado para os(as) monitores(as) com uma linguagem mais usual.

Nota-se, portanto, que os escoteiros e as escoteiras imitam os comportamentos dos adultos. Esse caráter de imitação não necessariamente transmite valores, como acreditam os escoteiros, mas confere a esse(a) chefe um papel central no desenvolvimento das atividades escoteiras, algo como um “guardião” do escotismo, que revela em doses (atividades) os “segredos” do escotismo aos escoteiros. Nesses “segredos” há técnicas, gestos, habilidades, modos de ser tipicamente escoteiros, revelados no decorrer de seguidas atividades e que exigem do(a) chefe um domínio não apenas desses “segredos” mas de como realizá-los. Para isso, esses(as) chefes tem três formas de aprender o “ofício” de ser escoteiro: cursos, bibliografias escoteiras e a prática.

Os cursos estão voltados apenas aos adultos, enquanto que as bibliografias escoteiras são divididas entre materiais de adultos, de crianças e jovens e de ambos. Já a prática é dada na relação direta entre adultos, crianças e jovens.

A União dos Escoteiros do Brasil organiza cursos de formação para chefes, e os divide em três níveis: preliminar, básico e avançado. De acordo com a literatura escoteira, o “curso preliminar” é indicado a todos os(as) adultos(as) que ingressam no escotismo, e aos

pioneiros(as) antes de tornarem-se chefes. Ele é oferecido de forma descentralizada em todo o

país e acontecem inúmeras vezes ao ano. O “curso básico” é oferecido apenas aos chefes que já possuem o curso preliminar, e é dividido em duas “linhas”: dirigentes e escotistas; a primeira voltada para a formação de gestores, e a segunda para chefes que atuarão diretamente com as crianças e jovens; essa “linha” do curso para escotistas se divide em quatro, um específico para cada ramo: lobinho, escoteiro, sênior e pioneiro. Ele também acontece de forma descentralizada, sobretudo nas regiões escoteiras, porém menos vezes ao ano, em geral, uma por semestre. Além da realização do curso, os chefes precisam realizar uma espécie de estágio, relatando a um chefe tutor o desenvolvimento das atividades escoteiras, elaborando um relatório que evidencie teoria e prática. Os cursos avançados seguem a mesma lógica do curso básico, e exigem que o adulto tenha o curso básico específico para fazer o curso avançado, ou seja, um adulto que queira fazer um curso avançado do ramo sênior, terá que ter um curso básico do ramo sênior, não bastando ter um curso básico de outro ramo ou de dirigente. Além desses cursos, há os “cursos técnicos” voltados a conhecimentos e habilidades tipicamente escoteiros, como montar um acampamento e cozinhar, por exemplo, e são abertos a todos os chefes, acontecem de forma descentralizada não havendo uma fixação de periodicidade.

Além dos cursos, os chefes têm como material de apoio para organização das

atividades de suas tropas alguns manuais e guias específicos por ramo, além das fichas de atividade (Anexo 4)71 muito parecida com um plano de aula comumente usado por professores em seu planejamento escolar. Esse material constitui-se no currículo escoteiro72. Deste material constam atividades que escoteiros e escoteiras precisam realizar para conquistarem uma determinada “progressão”. Os manuais destinam-se aos chefes e os guias aos escoteiros. Os manuais orientam na organização de atividades que atendam determinados objetivos, já os guias orientam os jovens a como conquistarem tais objetivos.

Os manuais e guias são organizados em seis “áreas de desenvolvimento”: físico, afetivo, intelectual, social, de caráter e espiritual. De acordo com esse material, cada uma dessas “áreas de desenvolvimento” atende a objetivos específicos, sendo que uma atividade pode ter mais de um objetivo e envolver mais de uma “área”. Os manuais e guias correspondem no escotismo ao livro didático nas escolas; em alguns momentos, os chefes os utilizam como um material de apoio e, em outros, são usados como uma cartilha a ser seguida.

Sobre as atividades, o manual do chefe do ramo escoteiro diz:

Os jovens vêm para a Tropa para realizar atividades. Ao mesmo tempo, para que conquistem as condutas previstas nos Objetivos Educativos, nós realizamos atividades. São objetivos convergentes com motivações diferentes. E, assim se expressa o “Aprender Fazendo”, pois, seja na Patrulha ou na Tropa, os jovens são os protagonistas. Eles propõem, escolhem entre si, preparam, desenvolvem e avaliam suas atividades com o apoio dos Escotistas.

As atividades permitem que os jovens tenham experiências pessoais que contribuam para incorporar em seu comportamento as condutas desejáveis propostas pelos Objetivos Educacionais o Movimento Escoteiro.

Levantar uma grande pioneria em um acampamento é boa forma de entender certas leis físicas; plantar uma árvore e ajudar a crescer é a melhor maneira de valorizar a natureza; compartilhar o que se faz ensina a vivenciar a solidariedade; cozinhar os próprios alimentos e limpar as panelas incorpora na personalidade habilidades elementares de uso cotidiano. Os jovens aprendem através das experiências que obtêm nas atividades. (UEB, 2015a, p.87)

O guia para os escoteiros e as escoteiras também aborda o tema das atividades em uma linguagem diferente:

O Movimento Escoteiro convida você a fazer coisas interessantes, divertidas, úteis, desafiantes, em conjunto com seus amigos, com jovens de outros lugares, de outros

71 Ver exemplo em Anexo 4, p.152-153.

72 Para saber mais ver: Dias, Carlos Eduardo Sampaio Burgos (2014). Currículo escoteiro e sua natureza interdisciplinar. In: Pereira, Elisabete M. Aguiar. IV Seminário Inovações em Atividades Curriculares. Campinas (SP): FE/Unicamp, 2014. p.697-718.

países... E, acima de tudo, você tem que opinar e ajudar a escolher quais dessas atividades sua patrulha e a sua tropa realizarão.

Você tem muito a colaborar com as atividades da sua patrulha! Participe do Conselho de Patrulha, dê ideias, colabore na organização das atividades, ajude a melhorar as sugestões dos outros membros da patrulha e ajude na avaliação das atividades que foram realizadas...

Você também tem muito a contribuir com as atividades da tropa! Participe ativamente da Assembleia de Tropa, proponha ideias no Conselho de Patrulha, apoie ideias dos membros das outras patrulhas que pareçam interessantes, ajude a melhorar as ideias dos outros... (UEB, 2015d, p.42).

Na sequência, o guia para os escoteiros e escoteiras dá exemplos de atividades, organizadas por tópicos: “Atividades Escoteiras; Jogos e esportes; Meio ambiente; Atividades artísticas; Comunidade; Fraternidade; Ciências; Tecnologia”. (UEB,2015d).

Para os chefes, os exemplos dessas atividades são classificadas em “fixas e variáveis”, cujas características das atividades “fixas” são: “Usam uma mesma forma e geralmente estão relacionadas a um mesmo objetivo; Devem ser realizadas continuadamente para criar um ambiente desejado pelo Método Escoteiro; Contribuem de maneira geral para a conquista dos objetivos educativos” (UEB, 2015a, p.88). As características das atividades “variáveis” são: “Usam formas variadas e se referem a conteúdos muito diferentes, segundo as inquietudes expressadas pelos jovens; Não se repetem continuadamente, salvo que os jovens desejem fazê-lo e depois de transcorrido certo tempo; Contribuem para a obtenção de determinados objetivos educativos claramente individualizados” (UEB, 2015a, p.88).

Os materiais de apoio – manuais e guias – são específicos para cada ramo do escotismo, embora os seus objetivos sejam os mesmos. O que varia é o nível de dificuldade e complexidade de acordo com as idades. O Quadro 2 ilustra algumas atividades e suas respectivas competências propostas para cada ramo.

Quadro 2 – Atividades e competências por “ramo” do escotismo da “área de desenvolvimento físico”.

Fonte: Produzida pelo autor a partir dos Manuais de Escotistas dos Ramos: Lobinho, Escoteiro, Sênior e Pioneiro.

Em ambos os grupos pesquisados, os chefes usavam o “manual do escotista do ramo escoteiro” para o planejamento das atividades, adequando sua proposta à realidade de cada uma das tropas escoteiras, consultando o manual, vez ou outra, durante as atividades. Apesar desse aparato didático disponibilizado aos chefes, a formação deles acontece na sua prática cotidiana com as crianças e jovens escoteiros. Segundo o chefe Cleber do Grupo Escoteiro Bororô, “o manual é bom, bem ilustrativo, os cursos também são legais, mas estou aprendendo a ser chefe aqui, sendo chefe na tropa”. Nesse processo de planejar e executar as

atividades junto aos escoteiros(as), os(as)chefes também aprendem. Para o chefe Josué do

Grupo Escoteiro Santo Antonio “ser chefe é diferente, eu sei todo o conteúdo do manual, mas da perspectiva do escoteiro, eu não estou aprendendo a ser escoteiro, e sim a ser chefe escoteiro, e isso é na prática, sendo chefe”.

No capítulo seguinte abordarei como se realiza a pedagogia escoteira. Nota-se que os chefes participam do escotismo tanto quanto as crianças e jovens escoteiros, embora atuem de forma diferente. No escotismo, conforme veremos, as atividades lúdicas adquirem sentidos diferentes para cada geração.