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Cena 4 – sistema de progressão e as especialidades

3. O JOGO ESCOTEIRO EM CENAS

3.1 As cenas

3.1.4 Cena 4 – sistema de progressão e as especialidades

Em determinado momento da atividade, cada chefe da tropa escoteira do Grupo Escoteiro Santo Antonio se reuniu com uma patrulha específica com o objetivo de revisar as progressões de cada escoteiro ou escoteira. Os(As) chefes se dividiram para que pudessem dar mais atenção a cada um(a). Todos(as) os(as) chefes foram lendo os 36 itens que compõem o sistema de progressão do ramo escoteiro, avaliando cada escoteiro(a). O(A) chefe lia um dos itens avaliados e os próprios(as) escoteiros(as) concordavam ou discordavam que já haviam realizado tal item. Em alguns momentos, as respostas eram unânimes e, em outros havia discordância. A cada item, o(a) chefe responsável pela patrulha anotava em uma planilha quem havia realizado, colocando um “ok”, ou a data, dependendo do que se esperava

no item. Esse momento se estendeu por um período de quase uma hora91. Os(As) mais

novos(as), ou seja, os recém ingressos(as) no grupo começaram a se dispersar, talvez por não compreenderem bem o que aquele momento significava, ou por ser muito monótono em relação às expectativas de ser escoteiro(a). Já os lobinhos recém-chegados à tropa escoteira começavam a perder o foco sempre que alguém mais velho fazia uma “brincadeira”, porém quando esses escoteiros mais velhos encerravam a “hora de brincar”, eles não entendiam e continuavam “brincando”, ou se mantinham “dispersos” nas palavras de um dos monitores.

As duas patrulhas de meninas – garça e beija-flor –,se reuniram para realização dessa atividade; como eram sete meninas presentes, a chefe Mariana avaliou que seria possível juntá-las. Já as patrulhas de meninos – gavião e cuco –eram maiores e fizeram separadas, com respectivamente sete e oito escoteiros. A junção das patrulhas femininas permitiu à chefe Cassia ficar de fora desse acompanhamento direto, e se dedicar à “vida administrativa” da tropa escoteira. Ela me mostrou uma planilha conhecida no escotismo como “anexo 4” ou “ficha de atividade”92. Nesta ficha estão listados os objetivos da atividade

e quais itens da “Progressão” busca-se alcançar, destacando se a área de desenvolvimento focada será a física, espiritual, social, etc. Segundo a chefe Cassia, no começo esses “papéis” podem parecer apenas burocracia, mas o intuito é que “no futuro o trabalho seja facilitado”. Ainda de acordo com ela, organizando a programação93 das atividades desse modo e com

uma lista de frequência dos escoteiros e das escoteiras, fica “mais fácil” dos(as) chefes saberem que jovens conseguiram cumprir, ou não, um determinado item e avaliarem o desenvolvimento deles e delas “com mais tranquilidade”.

Em uma tarde no Grupo Escoteiro Bororô, a chefe Cintia organizou toda a tropa escoteira em círculo e solicitou que todas as patrulhas buscassem cabos de vassoura e cabos de corda para realizarem diferentes nós. Uma das especialidades escoteira, pioneiria, tem como um de seus itens conhecer 15 nós diferentes. Nesse caso, conhecer significava saber fazer e saber para que serve cada nó. Ela explicou aos escoteiros que tal especialidade exigia deles conhecerem 15 nós diferentes e que começariam naquele instante a fazer esses nós. Ela

91 De acordo com os chefes, neste dia a atividade seria um pouco “entediante e tranquila”, isso porque levando em consideração que as atividades aos sábados costumam levar algo entre duas horas a duas horas e meia, incluindo as cerimônias de bandeira de início e encerramento, uma atividade com tempo de uma hora, corresponderia a mais ou menos metade do tempo de um sábado de atividades, e ainda mais sentados, lendo, e discutindo, parecia ser um longo tempo, visto que as expectativas dos escoteiros e das escoteiras eram por “atividades práticas”, ou seja, que movimente o corpo.

92 Como já dito, muito semelhante a um plano de aula escolar. Ver exemplo em Anexo p.152-153.

93 Programação das atividades significa neste contexto a organização das atividades de maneira lógica a cumprir com determinado objetivo, e normalmente feita com certa antecedência.

combinou com o chefe Cleber e a chefe Paula que eles anotariam o nome dos escoteiros e das escoteiras que conseguissem fazer um determinado nó e também combinou com os meninos e as meninas que diria o nome do nó e que eles(as) teriam 30 segundos para fazê-lo. Caso ninguém o soubesse, ensinaria o nó, e logo após ensinar, contaria os 30 segundos para que o fizessem. A chefe Cintia começou por um nó que parecia ser de conhecimento de todos os(as) escoteiros(as), o nó direito, pois todos conseguiram realizá-lo muito antes dos 30 segundos. Na sequência a chefe solicitou que fizessem a volta do fiel. Muitos(as) demonstraram já conhecer esse nó. Quando ela começou a contar os 30 segundos, nem todos(as) demonstraram a mesma facilidade, e alguns não conseguiram terminar no tempo combinado. Todavia, ao final, todos(as) conseguiram fazer o nó. Assim a atividade foi seguindo de nó em nó. A cada nova dificuldade de se fazer um nó, buscava-se ajuda com os outros escoteiros(as), e depois com os demais chefes presentes. Quando a chefe pediu um nó que nenhum deles(as) conhecia, ela ensinou-os uma vez, repetiu e só depois pediu que o fizessem em 30 segundos. Nem todos(as) conseguiram realizar esse nó, mesmo extrapolando o tempo. Quando a chefe Cintia começaria a apresentar o nono nó, um sênior veio até a tropa escoteira e convidou-os para assistir a última partida do campeonato de futsal que estavam organizando94. Nesse momento,

quase todos os meninos debandaram, correndo em direção à quadra antes mesmo de terminarem o que estavam fazendo, largando tudo no chão. Algumas meninas pediram à chefe Cintia para que pudessem ir também acompanhar a partida, e com o consentimento da chefe também seguiram correndo até a quadra. Permaneceram com a chefe apenas dois escoteiros e duas escoteiras até o final da atividade dos nós. A chefe Cintia explicou o nó que já havia começado e logo incentivou que os remanescentes escoteiros(as) também acompanhassem a partida de futsal.

Em outro sábado, a chefe Cintia conversava com um dos meninos recém chegado ao grupo, explicando-lhe como deveria proceder para fazer sua promessa escoteira95. Ao

verem o que ocorria, alguns escoteiros e algumas escoteiras correram em sua direção e começaram a falar todos juntos e sobre variados assuntos. A chefe disse que eles não haviam terminado os itens da especialidade na semana anterior e todos começaram a falar sobre isso. Interrompendo a conversa com o menino, a chefe solicitou que buscassem os materiais

94 As atividades dos ramos acontecem de forma paralela e em diferentes espaços. Os escoteiros estavam no jardim enquanto os seniores utilizavam a quadra para o campeonato de futsal.

95 Assim como cerimônias realizadas de acordo com a necessidade, como as cerimônias de passagem e de bandeira, está é realizada quando um membro do grupo aceita e promete na frente dos demais membros do Grupo seguir os valores e princípios escoteiros.

necessários para dar prosseguimento à especialidade. Logo que começaram a realizar os nós fui recrutado pelas escoteiras para auxiliá-las com os nós, uma vez que a chefe Cintia dividia sua atenção entre toda a tropa escoteira que tentava fazer os nós e o menino que se preparava para fazer sua promessa. Neste dia, o chefe Cleber e a chefe Paula, não estavam, pois faziam um curso de formação para adultos escoteiros, ou seja, um curso para aprender a ser chefe. As escoteiras, mas, principalmente os escoteiros, reclamaram que já haviam feito alguns desses nós na semana anterior, e que o chefe Cleber não havia anotado, mas que conseguiriam fazer novamente e mostrar para a chefe Cintia.

Aos poucos, os escoteiros e as escoteiras foram lembrando dos nós mais comuns e apresentaram dificuldades variadas em relação aos diferentes tipos de nós. Na medida em que um deles ou uma delas conseguia, ajudavam os demais a também conseguirem, mas na maioria das vezes ajudavam uma vez, depois já pediam a chefe para ensinar o próximo nó e, assim, conseguirem terminar a lista de nós. O interessante é que todos(as) conseguiram fazer os nós e amarras propostos, nem todos os nomes dos nós conseguiam se lembrar e muito menos para que eles eram usados. A chefe Cintia argumentou que não adiantava nada saber fazer um nó se não sabiam onde usá-lo. Salvo algumas exceções, a maioria não quis saber sobre os usos dos nós, bastando aprender a fazê-los depressa e mostrar para a chefe. Porém, diante de alguma dificuldade, preferiam refazê-los até terem certeza de que conseguiriam fazer sem ajuda.