• Nenhum resultado encontrado

Do jogo ao ar livre ao Jogo Escoteiro

3. O JOGO ESCOTEIRO EM CENAS

3.2. O Jogo Escoteiro

3.2.2 Do jogo ao ar livre ao Jogo Escoteiro

A ideia do escotismo como um “jogo ao ar livre” vincula-se a própria noção de jogo na Pedagogia, como o trabalho pedagógico sistematizado por regras dado em um ambiente previamente definido.

No caso do escotismo, pressupõe ainda algum tipo de contato com a natureza, uma praça, um sítio, uma mata, ou um simples jogar ao céu aberto. Mas a ideia do escotismo como um jogo também pode ser vista como uma analogia: como uma sociedade dentro da sociedade regida por suas próprias regras. Seria uma brincadeira, uma experimentação da própria sociedade. Nesse sentido, o escotismo seria para os escoteiros e as escoteiras um grande ensaio para a vida adulta103; Nesse ensaio são exigidos um cenário, atores, enredo e

102Juul (2003) “foi o que primeiro chamou atenção para essa questão e observou alguns requisitos para que determinadas atividades ludológicas sejam compreendidas como jogo. A grande ideia de Juul foi compreender o jogo pelo que de mais essencial existia nele: a jogabilidade, ou seja, a forma como nós interagimos com ele. Desta forma, ele definiu o jogo pelo conjunto de características da jogabilidade em si. Seu sistema estrutura a jogabilidade de tal forma que pode ser utilizado tanto em jogos tradicionais quando digitais, englobando toda a camada de gameplay de jogos9. Desta forma, Juul observa tais estruturas em um jogo: Regras – jogos devem ter regras que criem um sistema jogável; Variabilidade dos resultados – as diferentes ações do jogador resultam de forma diferente; Valor dos resultados – alguns destes são mais desejáveis e outros, menos; Esforço do jogador – o jogador age de forma diferente, criando a variabilidade; Valorização dos resultados para o jogador – o jogador pode ganhar ou perder e ter diferentes reações a isto; Consequências negociáveis – o jogo pode ser atrelado (ou não) com consequências na vida real”. (Apud WEILLER, 2012, p.25-26 – grifos do autor).

103 “O Movimento Escoteiro atinge seu pleno êxito quando um integrante o deixa com uma atitude positiva com relação ao seu ingresso na vida adulta e com capacidade de fazê-lo de uma maneira construtiva, assertiva e responsável, consciente da necessidade de continuar seu desenvolvimento como pessoa autônoma, colaboradora, responsável e comprometida”. (UEB, 2011b, p.15)

uma direção específicos. A direção é quem dá o tom do ensaio apresentando o enredo aos atores, que encenam esse drama baseados nos valores escoteiros. Esses valores foram selecionados pelo fundador do escotismo que, organizou a pedagogia escoteira visando retomar valores morais que, segundo ele, estavam perdidos em seu tempo104 e cujo principal

objetivo era “remediar alguns defeitos de caráter” (BADEN-POWELL, 1986, p.50) formando cidadãos socialmente úteis105.

Em sua dissertação sobre o movimento escoteiro brasileiro, Souza (2010) analisa essa ideia de correção da sociedade via pedagogia escoteira e conclui que:

O movimento escoteiro brasileiro se constitui como um grupo relativamente coeso, de adultos e jovens imersos em uma dinâmica muito parecida com aquilo que Norbert Elias identificou como sendo a de grupos de “estabelecidos”, que conservam internamente traços e características comuns em oposição ao normal da sociedade no entorno, constituídas pelos demais membros, classificados pelo autor como ‘outsiders’. Este grupo específico denominado movimento escoteiro brasileiro tem como característica, identificada através da fala de seus membros adultos, uma avaliação muito particular da sociedade brasileira, que estaria imersa em diversos problemas, como violência, corrupção e desonestidade, entre outros, frutos de uma espécie de déficit moral generalizado que precisa ser urgentemente combatido. Este combate aos problemas morais da sociedade deve se dar, segundo os adultos escoteiros, por meio de uma ação social sobre os jovens que, através da execução de uma série de atividades específicas, podem ser levados a aderir a valores morais conservadores tidos como corretos, fazendo com que muitos dos problemas de nossa sociedade sejam minimizados ou resolvidos de fato (SOUZA, 2010, p.113).

Observei em campo que todas as atividades escoteiras, em especial os jogos, trabalham com algum tipo de valor moral atribuído a sua dinâmica, por trás do próprio jogo. Lealdade, cordialidade, respeito ao meio ambiente e colaboração foram observados em diferentes momentos de todas as atividades. No jogo dos nós, por exemplo, em que cada escoteiro(a) precisava realizar um certo número de nós, foi possível notar uma colaboração entre aqueles(as) que sabiam e já tinham feito os seus nós com aqueles que apresentaram maiores dificuldades; os materiais utilizados nesse jogo não eram novos, já tinha sido

104 “Os resultados que constatei mostravam-me jovens simpáticos, que sabiam ler e escrever, bem comportados na sua maioria e sabendo aceitar uma disciplina. Tornavam-se com facilidade soldados apresentáveis em paradas. Porém não tinham individualidade ou força de caráter; eram completamente sem iniciativa, imaginação ou disposição para aventura. As condições artificiais da vida moderna estavam fazendo deles um mero rebanho, onde recebiam tudo mastigado e onde se guiavam em primeiro lugar pela ideia da segurança. Estou falando, não esqueçam, das condições reinantes no princípio do século. Podemos esperar que desde então os métodos de educação tenham melhorado e que hoje se pense menos em preparar jovens para passar em exames e mais em torná-los capazes de utilizar o melhor possível suas vidas como cidadãos conscientes”. (BADEN-POWELL, 1986, p.49).

105 “Finalidade – era procurar melhorar o padrão dos futuros cidadãos, especialmente seu caráter e sua saúde. Era preciso descobrir os pontos fracos do caráter nacional e esforçar-se por erradicá-los, substituindo-os por virtudes equivalentes que os programas escolares não mencionavam. As habilidades manuais, as atividades ao ar livre e o serviço ao próximo estavam na vanguarda desse programa”. (BADEN-POWELL, 1986, p.53).

utilizados em outras atividades e foram guardados para outras atividades, como a construção de bigas para a corrida, numa clara ideia de reutilizar materiais; Ainda na corrida de bigas, o chefe Josué solicitou aos escoteiros e as escoteiras que fossem leais as regras do jogo e aos demais escoteiros(as): “não tenho como acompanhar todo o percurso, é muito grande, então sejam leais e respeitem o percurso combinado, sem cortar caminho. Quem trapacear não estará sendo leal com os demais, nem consigo mesmo”. Em todos os jogos, aos perdedores(as) é exigido que reconheçam os(as) vencedores(as), respeitando os resultados de forma cordial. Além disso, esses jogos trazem consigo a própria ideia do escotismo ser um grande jogo, mediado por regras, e arbitrados por adultos.

Dentre essas características, aprender a perder, e a respeitar os(as) vencedores(as) foi observada junto aos dois grupos escoteiros pesquisados com grande frequência, aparecendo de forma sistemática, algo como uma regra implícita ao próprio jogo. Apesar de ser possível encontrar na literatura escoteira jogos colaborativos106, o que constatei em campo,

e na própria literatura escoteira é a predominância de jogos competitivos.

Viver em grupo foi outra característica observada, a organização em patrulhas e a participação nas atividades escoteiras como parte do escotismo, dá aos escoteiros e as escoteiras participantes uma ideia da necessidade de se constituir uma harmonia junto às demais patrulhas para que o próprio jogo prossiga. Com isso, vencer e perder faz parte dessa harmonia, é uma consequência.

O respeito às regras e a possibilidade de vencer em outras atividades nas duas tropas escoteiras, renovam a importância do jogo enquanto prática pedagógica. Cada criança/jovem, por sua vez, embora tenha desempenho diferenciado de “vencedor(a)” em relação a sua própria “performance” por meio de suas progressões e especialidades também podem ir galgando posições em sua patrulha se percebendo como parte de um grupo. Através dos jogos é que os(as) escoteiros(as) atribuem sentido de pertença e de identificação com o escotismo.

106 É possível encontrar na literatura escoteira, exemplo de atividades cujo objetivo seja cooperar, dentre eles podemos citar, a partir das cenas, a atividade de realização dos nós, em que não havia uma competição, nem um ganhador ao final, e sim um desafio proposto em que era possível que os escoteiros colaborassem entre si. Essa atividade pode ser classificada naquilo que Terry Orlick (1989 Apud MAIA et al, 2007, p.128) categorizou como “Jogo cooperativo sem perdedores: São os jogos plenamente cooperativos, pois todos jogam juntos para superar um desafio comum e não há perdedores”. Orlick foi um dos precursores no estudo e incentivo dos jogos cooperativos, para ele, “A diferença principal entre jogos competitivos e cooperativos é que nos jogos cooperativos todo mundo coopera e todos ganham e estes jogos eliminam o medo e o sentimento de fracasso. O principal objetivo seria criar oportunidades para o aprendizado cooperativo e prazeroso” (ORLICK, 1989, p. 123 Apud MAIA et al, 2007, p.126).

Pensando nos jogos como atividades centrais da pedagogia escoteira, ou estratégia principal dos ritos escoteiros para formar cidadãos e cidadãs, o jogo com característica disjuntiva e o ritual com característica conjuntiva, como propõe Lévi-Strauss (1989) se complementam no “Jogo Escoteiro”. Para o autor, o que diferencia jogo e rito é que no jogo os participantes começam iguais, ou, com chances iguais de vencê-lo, partem de um mesmo patamar e terminam desiguais, um vencedor e outro perdedor, já no rito se dá o inverso, os participantes começam desiguais e ao seu final se tornam iguais.

O jogo aparece, portanto, como disjuntivo: ele resulta na criação de uma divisão diferencial entre os jogadores individuais ou das equipes, que nada indicaria, previamente como desiguais. Entretanto, no fim da partida, eles se distinguirão em ganhadores e perdedores. De maneira simétrica e inversa, o ritual é conjuntivo, pois institui uma união (pode dizer aqui, uma comunhão) ou, de qualquer modo, uma relação orgânica entre dois grupos (que, no limite, confundem-se um com o personagem do oficiante, o outro com a coletividade dos fiéis) dissociados no início. No caso do jogo, a simetria é pré-ordenada; e ela é estrutural, pois decorre do princípio de que as regras são as mesmas para os dois campos. Já a assimetria é engendrada: decorre inevitavelmente da contingencia dos fatos, dependam estes da intenção, do acaso ou do talento. No caso do ritual, ocorre o inverso: coloca-se uma assimetria preconcebida e postulada entre profano e sagrado, fiéis e oficiante, mortos e vivos, iniciados e não-iniciados etc., e o “jogo” consiste em fazer passarem todos os participantes para o lado da parte vencedora, através de fatos cuja natureza e ordenação têm um caráter verdadeiramente estrutural. (LÉVI-STRAUSS, 1989, p.48).

Essas atividades e jogos compõem aquilo que podemos compreender como a pedagogia escoteira, e para compreendê-la em suas singularidades apresento a sequência das atividades escoteiras. Essa sequência se repete ao longo do tempo, o que permite sistematizá- la. Os termos utilizados nesta sequência são nativos e os números indicam a sequência cronológica das atividades durante um encontro. Essa sequência é parte do aprendizado de escoteiros e escoteiras e cada uma delas pode ser considerada um ritual ou uma performance. Utilizo aqui a noção de performance de Richard Schechner (2012) que abrange também as ideias de ritual e jogo. Para o autor, performance é “(...) uma categoria abrangente que inclui brincadeiras, jogos, esportes, o desempenho na vida cotidiana” e ritual é “como parte de um fluído da atividade teatral”. Ainda de acordo com Schechner (2012) “(...) Jogos e rituais dão realidade a essa performance. O jogo é o “como se” é o brincar de algo” e “(...) Performances consistem na ritualização de sons e gestos (...) a performance pode ser caracterizada por comportamento altamente estilizado (...) ou pode ser congruente ao comportamento da vida diária”. (SCHECHNER, 2012, p. 19 e 49).

Sequência das atividades escoteiras 1 – Cerimônia de bandeira 2 – Jogo–“Quebra-gelo” 3 – Atividade técnica 4 – Jogo 5 – Atividade técnica

6 – Jogo(que pode ser um quebra-gelo) 7 – Cerimônia de bandeira

Essa é sequência básica de um encontro escoteiro, e ela se repete a cada encontro, buscando cumprir com os propósitos do escotismo. Esse propósito, para os escoteiros, se realiza na repetição de cada atividade específica e do seu conjunto de atividades em um encontro, como já visto anteriormente nas cenas.

Na cerimônia de bandeira, além da reverência aos símbolos pátrios, destaco a disciplina e a hierarquia como valores trabalhados. A disciplina é exercitada no atendimento aos três apitos, ou a um comando central. Os escoteiros se perfilam, “formando” uma “ferradura”, com sua abertura voltada a bandeira e ao chefe que conduz a cerimônia; A hierarquia pode ser verificada na repetição de comandos pelos escoteiros, ora dado pelo chefe que conduz a cerimônia, ora pelos monitores e monitoras das patrulhas. Além disso, é possível verificar uma distinção geracional, em que os adultos se distinguem das crianças e jovens nessa “ferradura”, com os membros juvenis sendo parte dela, e os adultos não.

Esse ritual da cerimônia de hasteamento, que marca o começo das atividades escoteiras, parece se constituir como um marco simbólico da pedagogia escoteira. Mesmo em diferentes grupos ele se repete com particularidades. Essa cerimônia marca o tempo escoteiro das atividades e se constitui como um ritual próprio, introjetando valores e condutas nesses(as) escoteiros(as). Por mais mecânico que esse ritual pareça ser para aqueles(as) escoteiros(as) já iniciados, sua simbologia é reforçada consistentemente através da repetição. Além da disciplina dos corpos e das atitudes nesses momentos, há um processo de diferenciação entre os(as) próprios(as) escoteiros(as), marcados pela divisão etária de seus ramos, e pela divisão das patrulhas em cada ramo. Esse momento contribui no sentido de pertença dessas crianças.

As patrulhas são a menor organização entre pares do escotismo. Em seguida, há também as tropas, ou os ramos, o conjunto dessas patrulhas, algo maior, também organizado

entre pares etários. O grupo escoteiro reúne todos os seus grupos etários, os ramos, em uma mini sociedade: a sociedade escoteira. Essa analogia, não ignora a existência de outros grupos escoteiros, mas ajuda a construir nessas crianças e jovens a ideia de sociedade, partindo do micro ao macro, permitindo a eles(as) que exercitem uma espécie de cidadania própria dos escoteiros, com as regras de funcionamento dessa sociedade, com noções de proteção dos semelhantes e respeito a hierarquia. Soma-se a essa analogia do escotismo em relação à sociedade a ideia de culto a bandeira nacional e a figura de um deus, ou uma força superior. Esses valores são atribuídos a uma concepção de cidadania da organização escoteira, inspiradas nos ideias liberais em voga na sociedade inglesa da qual o fundador do escotismo pertencia.

Os jogos tidos como “quebra-gelo” tem como objetivo principal a movimentação do corpo. Eles são momentos rápidos, demarcam o fim da cerimônia de hasteamento e o início das atividades, ou dos jogos. E, independentemente de serem organizados por patrulha, ou individualmente, reforçam sempre ao final a ideia de há um(a) “vencedor(a)” e os que os(as) demais devem reconhecê-lo.

Ao final do quebra-gelo, os(as)escoteiros(as) tiram os uniformes utilizando roupas mais leves e apropriadas as atividades seguintes, os jogos e atividades técnicas, que podem sujar ou até mesmo rasgar dependendo da atividade e da força empregada nelas.

Nos jogos ou atividades técnicas observei os seguintes valores: aprender fazendo, lealdade, cooperação, reconhecimento do vencedor e sustentabilidade. Esses valores quase sempre apareceram juntos nessas atividades. Além disso, a disciplina no respeito às regras do próprio jogo, e a hierarquia exercida pelos(as) chefes, tidos(as) como a autoridade do jogo, também apareceram em todas as atividades desses tipos observadas.

A cena da cozinha escoteira ilustra uma diferença na organização das patrulhas femininas e masculinas; essa diferença foi frequentemente percebida ao longo do trabalho de campo em ambos os grupos escoteiros: as meninas demonstram mais dedicação em relação às atividades propostas pelos(as) chefes, mesmo em momentos de discordância quanto a uma ou outra atividade; uma vez combinadas as atividades, as meninas pareciam se empenhar mais que os meninos; estes, por sua vez, demonstram mais vontade em participar de atividades com algum tipo de esforço físico, no entanto não se organizam para isso, confiam na força e na agilidade para superar as demais patrulhas.

As atividades técnicas (nós, amarras, reflexões espirituais, sociais, culturais, afetivas, etc.) são aquelas que utilizam os conhecimentos escoteiros como forma de

treinamento para alguma situação posterior. Elas normalmente preparam os(as) escoteiros(as) para um jogo. Nela os(as) escoteiros(as) se apropriam de técnicas ou habilidade escoteiras – como fazer nós – e do conteúdo moral trazido junto, como lealdade, respeito às regras e colaboração. Em tese, essas atividades técnicas não são um fim em si mesmo. Muitas vezes se vinculam às especialidades ou as progressões que os(as) escoteiros(as) precisam cumprir. Estas especialidades e progressões por sua vez buscam atender os princípios e valores escoteiros naquilo que é denominado “Desenvolvimento Pessoal pela Orientação Individual” no trabalho em equipe. A colaboração para o trabalho em equipe é o alicerce da prática escoteira para os(as) escoteiros(as), porém, eles são avaliados a partir de suas conquistas individuais.

As canções podem ser utilizadas como momentos de quebra da sequência de outras atividades, separando e organizando o tempo do encontro, também são usadas como distração e relaxamento ou, como mais observado, como reforço de alguma moralidade trabalhada num jogo ou numa atividade técnica.

Os jogos pareceram exercitar algum tipo específico de moralidade, que é o respeito às regras do próprio jogo. Nela estão contidas todas as demais moralidades observadas. Colaborar faz parte da regra jogo, assim como ser leal, respeitar as orientações do(a)chefe e reconhecer o(a) vencedor(a).

Numa atividade escoteira observei ao menos três objetivos específicos:

a) Disciplina: repetição de determinadas condutas

b) Presença do Caráter: exercício de determinadas moralidades c) Referentes aos conteúdos, que podem ser:

- atitudinais, reforçando a disciplina através dos exemplos dos mais velhos ou; - específicos, alguns tipicamente escoteiros chamados de “mateiros”107.

Os jogos são o elemento central da pedagogia escoteira, nele percebi que os(as) chefes trabalham com todos os valores morais citados, e os(as) escoteiros(as) aprendem, no ato de jogar e com o seu resultado.

Para que o jogo se realize a figura do árbitro é essencial e, é exercida pelo(a) adulto(a), o(a) chefe escoteiro, pessoa reconhecida como autoridade escoteira capaz de conduzir essa pedagogia diante dos(as) escoteiros(as). Para Baden-Powell,

A ideia do Escotismo parecia estar definida quanto ao rapaz, porém por mais entusiasmado que ele fosse e desejoso de praticar o escotismo, havia ainda a questão importantíssima do líder adulto indispensáveis a sua organiza prática.Os próprios jovens resolveram quase que completamente a questão. Tiveram o bom senso de perceber a necessidade de chefes adultos e passaram a percorrer as redondezas de suas casas até encontrarem adultos que quisessem ser chefes.Eu havia visto pessoalmente o esplendido trabalho voluntário dos chefes da Brigada de Meninos e assim compreendi que havia entre nossa população um número considerável de homens patriotas que estariam prontos a sacrificar seu tempo e divertimentos para assumir essa tarefa. (BADEN-POWELL, 1986, p.61).

Segundo a literatura escoteira, os jogos estimulam os(as) escoteiros(as) a resolverem os problemas segundo as próprias regras que envolvem os problemas. Por meio dos jogos é exercida a criatividade, o trabalho em grupo, habilidades motoras, cognições e a retórica.

A seleção de jogos é feita pelo(a) chefe, que exerce a função de árbitro durante os jogos. De acordo com a literatura escoteira, para que as atividades se realizem é necessário que esse chefe tenha domínio da pedagogia escoteira e que saiba utilizar os jogos para o cumprimento dos objetivos. Como já vimos, os jogos constituem-se como metodologia central da pedagogia escoteira, e apresentam como características principais: interação, regras, arbitragem, meritocracia, competição e hierarquia.

Os escoteiros e as escoteiras podem brincar ou jogar a qualquer momento sendo eles próprios mediadores das regras, porém, na estrutura do escotismo, essa mediação entre regras e escoteiros(as) é feita pela figura do(a) chefe. Como vimos nas cenas, mesmo o chefe tendo seus conhecimentos questionados pelos escoteiros e pelas escoteiras sobre o “jogo da dengue”, a sua presença física fez toda a diferença. Quando da saída do chefe por alguns minutos para pegar o material do próximo jogo, a atividade pareceu ter perdido o sentido e passou a ser uma brincadeira qualquer. Alguns escoteiros(as) se sentaram, outros foram beber água, e apenas quatro continuaram brincando. O fato de não estarem sendo observados(as) por um(a) adulto(a) que propôs a atividade alterou o significado do jogo, que perdeu o seu status de atividade escoteira e passou a ser uma brincadeira, desregulada.

Separadas, as práticas pedagógicas dos(as) escoteiros(as) podem ser observadas em outros espaços educacionais, no entanto, a sua singularidade está na interface entre cenário, atores e o enredo. Isso faz com que um determinado espaço seja, naquele momento

de prática do escotismo, um cenário escoteiro, com que os indivíduos que, naquele momento