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CAPÍTULO 3 – A REORGANIZAÇÃO ECONÔMICA E A REVOLUÇÃO

3.3. Implicações Socioambientais do Período Maoista

3.3.2. Afastamento dos técnicos na Revolução Cultural (1966-1976): Desastres com maior

Com o afastamento dos técnicos na Revolução Cultural110, o serviço de previsão e prevenção de desastres naturais também sofreu impacto, a exemplo dos sismos111 de 1970, 1974 e 1975 que provocou um número estimado entre 10 e 20 mil vítimas; e do terremoto de 1976, com mais de 242.769 mortos, conforme fontes oficiais chinesas. Porém, segundo a agência norte americana de estudos sobre fenômenos naturais, o Departamento do Interior e o departamento Geológico dos EUA (USGS), aponta que, durante os dois primeiros anos após o terremoto, as estimativas de mortes variaram de 650 mil para 800 mil. O número exato nunca será conhecido (WALLACE, 1983).

Esse terremoto ocorreu no dia 28 de julho de 1976, e arrasou a cidade de Tangshan, na parte nordeste da China, perto da costa (cf. Figuras 17 e 18). O epicentro foi centrado cerca de 140 quilômetros a sudeste de Pequim, na vizinhança de Tangshan. O primeiro sismo, de magnitude 7,5, atingiu a cidade de Tangshan às 3h42 horas da manhã. Muitas pessoas que sobreviveram ao terremoto ficaram presas sob os edifícios que caíram, não resistindo ao segundo abalo 15 horas depois, seguidos de tremores no intervalo de magnitude 5,0-5,5 que continuaram após o choque principal (USGS, s/d.; WALLACE, 1983).

Segundo a BBC News (1976), “O Observatório Real de Hong Kong relata que o terremoto foi intenso, embora a especulação da magnitude do terremoto varie de 6,3 a 8,5”. E que, segundo um porta-voz do jornal Red Flag, ‘Qualquer grave catástrofe natural pode ser superada com a orientação do Presidente Mao’.

110 Na Revolução Cultural todos os intelectuais (professores, artistas, médicos, membros liberais do PCC) eram

declaradas pessoas possuidoras de privilégios, contrarrevolucionários, decadentes, inimigos de classe ou neocapitalistas. Foram perseguidas para a reeducação ou extermínio (CHANG-SHENG, 2005; CHANG, 2012).

111Um sismo é basicamente a ocorrência de uma fratura a certa profundidade, que origina ondas elásticas que se

propagam por toda a Terra. As palavras sismo e terremoto são sinônimas, sendo que normalmente reserva-se o uso da palavra terremoto para a classificação de grandes sismos, e para os pequenos costuma-se usar abalo sísmico ou tremor de terra. Ver: http://geofisicabrasil.com/geofisicabasica/99-sismologia14/147-sismos-terremotos.html. Acesso em: 19 de agosto de 2016.

Muitos mineiros foram soterrados, (...) os sobreviventes do terremoto de Tangshan estão vivendo em tendas e devem ser transferidos para abrigos de inverno, informou a agência de notícias New China. Aeronaves e caminhões têm levado grandes quantidades de suprimentos de socorro para ajudar o esforço de socorro. (...) as autoridades chinesas rejeitaram qualquer oferta de ajuda do mundo exterior, dizendo que os sobreviventes têm o suficiente para comer e usar e há suprimentos e médicos suficientes na cidade (BBC NEWS, 1976).

A falta de estudos eficientes sobre estruturas sismo gênicos da região de Tangshan foi a principal causa das dificuldades na avaliação do risco sísmico antes do grande terremoto de 1976. Nessa região, as estruturas urbanas foram fortemente destruídas; todos os edifícios comuns ficaram em ruínas e mesmo algumas construções mais resistentes sofreram graves danos. Paredes, prédios, estradas e canais, onde a zona de fissura passou foram cortadas: 78% dos edifícios industriais, 93% dos edifícios residenciais, 80% das estações de bombeamento de água e 14 linhas de esgoto foram completamente destruídos e/ou ficaram bastante danificados. Alguns locais do desastre estão sendo preservados como registro das forças destrutivas do terremoto de 1976, um deles é, conforme a figura abaixo, a Biblioteca do Instituto Hebei (FANG, 1979; WALLACE, 1983; ROSENBERG, 2015).

Figura 17: Destruição da Biblioteca do Instituto de Hebei. Fonte: Wallace, 1983.

Figura 18: Foto aérea de Tangshan após o terremoto. Algumas tendas e abrigos temporários entre os escombros.

Fonte: Fotografia de Heibei Provincial Bureau Sismológico (WALLACE, 1983).

Após a Revolução Cultural, uma equipe de pesquisadores do departamento meteorológico central da China vasculhou grandes quantidades de registros locais, procurando descrições de chuvas, temperaturas e previsões de terremotos nos últimos séculos. Como era de se esperar, os pesquisadores encontraram poucas medidas científicas, mas muitos registros narrados (MANN, 2012). Segundo os técnicos chineses, não houve fenômenos precursores óbvios, e outros eram ou obscuro ou ocorreram muito tarde e foram de curta duração, o que tornava difícil suas previsões.

No entanto, sobreviventes do terremoto de 1976 relatam estranhos comportamentos dado pela natureza, como um aviso de um terremoto iminente. “Os cães ladraram selvagemente durante horas antes de o sismo atingir a região às 3h42 da madrugada”, recorda Fu Wenran, que perdeu a esposa. “Os ratos e as serpentes se agitaram, saindo de suas tocas, como se estivessem enlouquecidos. Os cavalos e as vacas davam coices contra as paredes dos estábulos” (PRESSE, 2008; AFP, 2008). Outros relatos também foram registrados:

Mil frangos em Baiguantuan recusaram-se a comer e correram atordoados a cacarejar. Em uma casa na cidade de Tangshan, um peixinho dourado começou a pular freneticamente em seu aquário; às 02:00 em 28 de julho, pouco antes do terremoto, o peixinho saltou para fora de seu aquário. Uma vez que seu dono lhe tinha retornado para seu aquário, o peixinho continuou a saltar para fora de seu aquário até o terremoto. [...] As luzes foram vistas em uma infinidade de matizes. Algumas pessoas viram flashes de luz; outros testemunharam bolas de fogo voando pelo céu. Altos ruídos rugindo seguiam as luzes e as bolas de fogo. Trabalhadores no aeroporto Tangshan descreveram os ruídos como mais alto do que os de um avião (YONG CHEN et al, 1988, p. 53).

Em uma vila fora de Tangshan, a água do poço subiu e desceu três vezes no dia anterior ao terremoto. Em outra aldeia, o gás começou a jorrar a água do poço no dia 12 de julho, depois no dia 25 de julho e no dia 26 de julho e outros poços em toda a área mostraram sinais de rachaduras. Na noite anterior ao terremoto, do dia 27 para 28 de julho, muitas pessoas relatam ter visto luzes estranhas, como bolas de fogo voando pelo céu e ruídos altos (ROSENBERG, 2015).

Na madrugada do dia 28 de julho de 1976, mais de um milhão de pessoas dormiam, e o terremoto durou cerca de 14 a 16 segundos. Os sobreviventes do primeiro tremor começaram a cavar através dos escombros para se salvar ou salvar os soterrados e colocá-los deitados nas ruas. Muitos profissionais da saúde também ficaram presos sob os escombros e mortos pelo terremoto ou pela falta de ajuda, pois as estradas foram destruídas e se tornaram inacessíveis. Os sobreviventes, quando encontrados, estavam sem água, sem comida e sem eletricidade. Todas as estradas em Tangshan foram destruídas, exceto uma, que infelizmente foi obstruída pelo exército revolucionário impedindo os trabalhadores humanitários de levarem os suprimentos (ROSENBERG, 2015).

As pessoas precisavam de ajuda urgente, sobreviventes formavam grupos para cavar, montaram áreas médicas para os procedimentos de emergência que foram realizados com o mínimo de suprimentos. Os trabalhos não cessavam112, até que um novo tremor de magnitude 7,1 ocorreu na tarde de 28 de julho encerrando com a busca dos que pediam ajuda sob os escombros (ROSENBERG, 2015).

Os cadáveres foram enterrados rapidamente, geralmente perto das residências em que pereceram. Isto mais tarde causou problemas de saúde, especialmente

112 Xinran (2003), na obra “As Boas mulheres da China”, descreve fatos verídicos narrados por algumas mulheres

sobreviventes, casos de perdas, de ajuda mútua, resgate, suicídio e até violência sexual de jovens do exército vermelho contra uma jovem vítima também do terremoto.

depois que choveu e os corpos foram novamente expostos. Os trabalhadores tiveram que encontrar essas sepulturas improvisadas, desenterrar os corpos e, em seguida, mover e enterrar os cadáveres fora da cidade (YONG CHEN et al, 1988, p. 70).

As estradas, pontes, ferrovias estavam destruídas ou condenadas. Os danos eram altos e a comida, água e remédios eram a grande prioridade. Alguns alimentos foram enviados de paraquedas, mas a distribuição foi desigual. Muitas pessoas beberam água de piscinas ou locais contaminados durante o terremoto. Devido à dificuldade de suprimentos e assistência, muitos morreram (ROSENBERG, 2015).

Se a população soubesse deste terremoto poderiam ter se protegido no porão, porque esta é uma área de terremoto e eles acontecem de vez em quando. Poderiam também ter guardado comida e água em um lugar seguro, porque uma das principais causas de morte foi a fome (CARTIER, 2015)113.

Este terremoto de 1976, em Tanghan, ficou famoso, também, como símbolo do colapso total das comunicações na China naquela época. Desde 1949, a mídia era o porta-voz do Partido e publicava apenas o que era de seu interesse. O país vivia a crise do final da Revolução Cultural, somada à inadequação da tecnologia chinesa. Segundo Xinran (2003, p. 77), devido a problemas tecnológicos, este terremoto passou completamente despercebido à Pequim:

Foi só quando um homem de Tanshan viajou até Pequim que a notícia começou a correr. E mesmo então, as pessoas acharam que o homem fosse louco. A agência de notícias de Xinhua, que cobria a área de Tanghan, foi informada sobre o terremoto não pelo escritório central do governo, mas pela imprensa estrangeira, que tinha recebido comunicados dos centros de monitoramento de terremotos mais sofisticados dos outros países.

(sic) A sra Yang assentiu. ‘Que país era este, em 1976? Uma cidade grande em ruínas, 300 mil mortos, e ninguém sabia. Como a China era atrasada! Acho que se fôssemos mais avançados na época, muita gente talvez não tivesse morrido’ (XINRAN, 2003, p. 97)

Apenas nos anos de 1980, depois de instaurado o Projeto de Reforma e Abertura, as pessoas começaram e procurar parentes e/ou amigos perdidos por meio de cartas,

telefonemas ou investigações pessoais, perdidas no caos político e social do período maoista (XINRAN, 2003; KISSINGER, 2012).

Os desastres de massa sempre existiram na China, mas este em Tanshan foi intensificado pelo afastamento dos técnicos (em especial neste caso, cientistas da área meteorológica, comunicação e da saúde); boicotes no auxílio de envio de material e pessoas; a demora em receber ajuda; pouca assistência e distribuição desigual de alimento para a população. O número de mortos se intensificou devido à falta de previsão, assistência e provisão.