• Nenhum resultado encontrado

Os africanos livres na Casa de Correção: trabalho e escravidão como eixo de pesquisa.

Gustavo Pinto de Sousa* O presente artigo propõe-se a discutir os mecanismos de poder, que insti- tuíram e normatizaram a manutenção dos africanos livres na Casa de Correção da Corte, nos anos de 1831 a 1850. A partir daí, levaremos em consideração os dispositivos – jurídico e médico- criados para “disciplinar” a condição dos africanos livres.

O escravismo brasileiro no século XIX é um tema de pesquisa complexo e paradoxal. Em virtude de seu contexto internacional, temos a Revolução Ameri- cana e a Revolução Francesa questionando os sistemas, valores e linguagens po- líticas, enquanto, a Revolução Industrial construiu novas relações de trabalho. E nesse contexto segundo Fernando Novais a escravidão tornava-se a persistência do Antigo Sistema Colonial1

Assim, ao longo da era da Expansão Marítima, da colonização e da acu- mulação de capital emergiram no cenário mercantil os aparatos e dispositivos da escravidão moderna para consolidar os lucros da balança comercial. Ser escravo fazia parte do complexo sistema mercantil. Após três séculos (XVI-XVIII) de escra- vidão, o exclusivismo mercantil em relação ao papel do escravo tomava uma nova forma. Como nos lembra Gilberto Freyre2 o século XIX quebrou as raízes do sistema patriarcal, fundamentado nos moldes da casa grande, que vinculava o escravo às relações produtoras do senhor, rompendo as barreiras do campo.

Com a chegada da família real e com o intenso processo de urbanização, as relações escravistas se (re) configuraram para atender às demandas e aos jo- gos de interesse da corte. Como lembra Freyre, no período do oitocentos existiu a afirmação dos “sobrados” sobre as “casas grandes”. Desse modo, a escravidão alargou-se de forma multifacetada, isto é, surgiam nas tramas da cidade diferentes especializações do trabalho escravo. A escravidão urbana aglutinava os serviços

*Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História da UERJ. Bolsista Capes. E pesquisador associado do Laboratório de Estudo das Diferenças e Desigualdades Sociais.

1 C.f: NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808).

8º. ed. São Paulo: HUCITEC, 2006. .

2 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mocambos: a decadência do patriarcado e desenvolvimento urbano. São Paulo: Global, 2004.

da urbe, desde o negro de ganho,3 o carregador de cadeirinha4, o negro tigre,5 até o barbeiro,6 entre outros. Esse momento consistiu, portanto, em um período de transição do trabalho escravo7. Essa transição justificou-se pelo avanço da força do capitalismo, com o qual se pretendia romper com as táticas do escravismo agoni- zante. Mas o éthos senhorial da elite brasileira não cedeu as estratégias do capita- lismo para a implantação de uma sociedade exclusivamente burguesa, afirmando a permanência da ritualística cortesã, num meio social altamente aristocrático, em que cada membro da sociedade sabia seu lugar. Em relação ao escravismo, Ricardo Salles discorre que o século XIX propiciou um novo cenário político e econômico no que tange à concepção de escravidão e capital. Para ele o escravismo, antes “co- lonial”, insere-se agora, num “escravismo nacional”8. Ao dizer escravismo nacional Salles define que a partir da construção dos Estados nacionais e a expansão inter- nacional do mercado capitalista, mecanismos foram configurados para alicerçar os interesses da escravidão como força política. Avaliando o panorama brasileiro ele observa:

“No Brasil, esse momento foi de formação da classe senhorial como processo simultâneo de formação do Estado imperial, sob a direção da facção fluminense do partido conservador, os saquaremas, e da Coroa como “partido” dessa classe. A região fluminense, além de seu lugar de preeminência, foi a base social desse processo”.9

3 Segundo Marilene Rosa Nogueira da Silva, o negro de ganho consistia no escravo na rua:

aquele que ganhava o soldo vendendo mercadorias ou alugando seus serviços a mando do seu senhor. Bons exemplos de “negros de ganho” são as anguzeiras, quituteiras e cozinheiras. Tais escravos prestavam serviços gerais, tendo que, no final do dia, pagar uma taxa ao senhor, pelos seus serviços.

4 Para Mary Karasch o escravo carregador de cadeirinha era o negro que exercia a função

de transportar seu senhor ou sua senhora nas liteiras pela cidade.

5 Já o negro tigre era o escravo responsável pelo carregamento dos excrementos das casas.

A denominação “tigre” refere-se às chagas, muito comuns, que esses escravos adquiriam nessa atividade.

6 O negro barbeiro era o escravo especializado nas artes de curar, em geral moléstias, tendo

habilidade para manipular “águas” curadoras.

7 Em relação aos domínios da justiça, o século XIX foi responsável pela organização dos

castigos, pois o papel disseminado dos feitores foi perdendo espaço dentro da sociedade imperial, uma vez que o Estado passou a gerenciar as modalidades punitivas. Para aprofundar tal análise ver o trabalho de Leilan Mezan em “O feitor ausente”.

8 Ricardo Salles tece as divisões entre “escravismo colonial” e “escravismo nacional” a par-

tir das considerações de Robin Blackburn no livro “A construção do escravismo colonial.”

9 SALLES, Ricardo. E o vale era escravo, século XIX. Senhores e escravos no coração do Impé- rio. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.p.29.

Esse período de transição pode ser analisado também em decorrência da aprovação de leis e resoluções que buscavam atrofiar as redes da escravidão. Com essa colocações, passamos a delimitar e identificar a figura dos africanos livres como epicentro paradoxal das bases da (re)-escravidão e do discurso de trabalho livre. Para entender o cerne do problema dos africanos livres é preciso atentar que os negros eram trazidos da África para o Brasil, com as marcas da escravidão. O negro era retirado do seu território como “mercadoria escrava”, e, depois de apre- endido no “ilícito comércio”10, nascia no Brasil como “livre”.

Os primeiros anos da década de 1830 são fundamentais para compreender a figura dos africanos livres no Império do Brasil, pois a partir da aprovação da lei contra o tráfico negreiro, em 7 de novembro de 1831, o então ministro Diogo Feijó declarava extinto nos domínios do Império o comércio de escravos. Dessa forma, uma nova condição político-jurídica foi criada no cerne da sociedade imperial, isto é, o status de africanos livres. Assim, uma questão que introduzimos no trabalho é pensar: o que o governo imperial pretendia fazer com os africanos livres? Qual a sua inserção no mercado de trabalho, numa sociedade que mantinha os hábitos aristocráticos e convivia numa atmosfera capitalista?

Desembarcados no porto do Rio de Janeiro, os africanos livres tinham três possíveis destinos: eram reenviados para a África, o que normalmente era raro de- vido ao ônus econômico debitado ao governo imperial; empregavam-se nas obras públicas do Império, como na Casa de Correção, onde os africanos livres foram fundamentais para dar cabo às pretendidas edificações da prisão correcional; e por último podiam ser arrematados aos serviços particulares, realizando trabalhos nas possessões das elites, representando uma benesse que o governo imperial ce- dia aos seus ilustres membros da elite política. Sendo assim, a historiadora Beatriz Gallotti Mamigonian observa:

Muitos arrematantes recebiam africanos livres como recom- pensa por serviços prestados ao Império: o maior herói militar brasileiro do período imperial, conhecido como “o pacificador”, por seu engajamento na repressão de todas revoltas provinciais nos anos 1830 e 1840, Luís Alves de Lima, conseguiu não apenas o título de marquês de Caxias nos anos 1830, mas também a concessão dos serviços de 22 africanos livres. Ele foi o conces- sionário com o maior número de africanos livres.11

10 Designação utilizada por Jaime Rodrigues para se referir ao comércio ilícito de escravos,

após a lei de 07 de novembro de 1831.

11 FLORENTINO, Manolo (org). Tráfico, cativeiro e liberdade, Rio de Janeiro, séculos XVIII- -XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p 146.

Dessa forma, Mamigonian discute uma das possibilidades de aquisição dos africanos livres, que simbolizavam prestígio econômico e social. A grande quanti- dade de africanos livres sob os cuidados do então marquês de Caxias, como lembra a autora, representava a premiação que o governo imperial concedia aos respeitá- veis indivíduos que atuavam em prol dos interesses do Estado imperial.

Com o início das obras da Casa de Correção da Corte, em 27 de fevereiro de 1834, era autorizado pelo governo imperial, sob o comando do então ministro da Justiça Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho o envio de africanos livres para a construção das obras da prisão correcional. A partir do ano de 1834 podemos afir- mar que houve a presença efetiva de africanos livres na obra da Casa de Correção, formando, desse modo, um emaranhado de “Áfricas”.12 Segundo Enidelce Bertin o contato entre as diferentes nações africanas como Cabinda, Benguela, Congo, An- gola e Muiange favoreceu a produção das identidades das várias Àfricas no cenário social brasileiro. Nas obras da Casa de Correção, por exemplo, os africanos livres como trabalhadores possuíam distintas “nações” como: Benguela, Congo, Garan- ga, Cobia, Mozabe, Angola, Muiange, Ganguela.13

O lócus da pesquisa sobre os africanos livres na Casa de Correção tem como espaço a cidade do Rio de Janeiro, corte do Império, que no século XIX passava por uma série de mudanças para modernização de suas estruturas arcaicas. A Casa de Correção era destacada pelos contemporâneos do oitocentos, como uma obra modernizadora, símbolo do progresso do Império, no qual salientava-se que a pre- sença de uma prisão correcional era a marca do desenvolvimento da sociedade imperial.14

Era nessa atmosfera progressista que a figura dos africanos livres se integra- va no tempo e no espaço da pesquisa. Os navios negreiros – “tumbeiros”15 - apre- endidos sob a pena da lei de 7 de novembro de 1831, tinham seus africanos re- metidos à presença do curador de africanos de cada região do Império. O curador tinha como finalidade registrar, advogar, redistribuir e autorizar a disseminação dos 12 O termo “Áfricas” refere-se à tese de Enidelce Bertin ao pensar as diferentes culturas e

identidades provenientes dos quadros culturais das “nações” africanas em contato no universo da Casa de Correção.

13 No conjunto das cartas de emancipação é possível identificar as “nações africanas” na

qual os africanos livres eram descritos. (Arquivo Nacional, IJ6-471)

14 A Casa de Correção valorizava o exercício do trabalho como uma maneira civilizadora

para os apenados, pois o ofício era a maneira de resgatar os “desviados” da marginalidade e do ócio. O discurso do trabalho representava para o espaço da Casa de Correção a maneira pela qual os delinquentes iam sendo reabilitados para a sociedade.

15 Tumbeiros era a denominação dada às embarcações apreendidas com as almas negras

africanos livres pelas terras do Brasil.

A “liberdade tutelada”16 à qual estavam sujeitos os africanos livres favoreceu a manutenção da lógica escravista, pois, como já mencionado, os braços dos afri- canos livres serviram de maneira fundamental para o término das obras em 6 de julho de 1850. Como é descrito nos ofícios produzidos pelos administradores da Casa de Correção, manter os africanos livres como trabalhadores das obras era “a melhor intelligencia”17 para o adiantamento das obras.

Sendo assim, com a introdução dos africanos livres nas obras da Casa de Cor- reção, uma nova modalidade jurídica apresentava-se no universo social e político, pois segundo autores como Ilmar Rohloff de Mattos e José Murilo de Carvalho,18 na sociedade do século XIX havia no Império do Brasil três segmentos sociais, a saber: a boa sociedade - elite, os pobres livres e os escravos. No entanto, onde devemos inserir os africanos livres nas terras do Brasil? Na posição de estrangeiro e cidadão seria impossível, então é oportuno indagarmos “quais os mecanismos de poder que legitimam o status dos africanos livres?” Como aponta a historiadora Marilene Rosa Nogueira da Silva, “a presença da referida e ilegal mão-de-obra é normatizada”19. A legitimidade dos africanos livres foi possível devido ao discurso de “civilidade” que o emprego nos trabalhos da Casa de Correção, como um ofí- cio reeducador, traria à gama dos africanos. Os “desclassificados do Estado” como define Silva estavam inseridos na manutenção do escravismo, uma vez que o Esta- do necessitava de mão-de-obra condicionada aos trabalhos forçados. Destarte, os mecanismos de poder que disciplinavam a condição dos africanos livres esbarra- vam no cerceamento da liberdade. Pois como sabemos, a liberdade no Império re- queria o direito ao gozo da cidadania. Então, ainda relacionado aos africanos livres na Casa de Correção, como foram criados os mecanismos para vigiar, controlar e adaptar o caput da lei de 07 de novembro de 1831 aos ritos da escravidão?

Os africanos então direcionados para a Casa de Correção formavam um uni- verso de “várias Áfricas”, em que normalmente as identidades eram registradas em seus corpos, com sinais característicos da África, berço de suas “nações”. O registro de seus sinais era importante para os administradores das obras, pois servia como 16 Designação utilizada por Alinnie Silvestre Moreira para tratar a questão da liberdade

relacionada aos africanos livres.

17 Termo encontrado na documentação relativa à Casa de Correção da Corte sob a guarda

do Arquivo Nacional, IIIJ7-138.

18 Para melhor sistematização ver Tempo Saquarema (MATTOS) e A construção da ordem

(CARVALHO).

19SILVA, M.R.N. Um lugar para os deserdados e deserdadas. In: CARVALHO FILHO, Sílvio de

Almeida. et alii. Deserdados: dimensões das desigualdades sociais. Rio de Janeiro: H.P Comunica- ção, 2007.p.30.

mecanismo de controle e coerção sobre as “africanidades” distribuídas de forma múltipla na construção da prisão correcional. Além de instrumento de poder, o registro corporal constituía uma permanência das práticas da escravidão, isto é, as marcas corporais como firma de propriedade.

Nota-se, assim, que a lei de 07 de novembro de 1831 obscureceu mais do que esclareceu em relação ao tratamento com os africanos livres. Pois a condição “legal” da lei não pressupunha a execução e efetivação “real” da legislação. Dessa forma, o mecanismo encontrado na legislação foi alocar os africanos livres no tra- balho, num período de 14 anos para aquisição da emancipação que seria vigiada e fiscalizada pelo Estado.20 A liberdade ampla e irrestrita, como pressupunha a lei de 1831, foi se tornando restrita, vigiada e controlada. O discurso jurídico foi apre- sentado como construtor do trabalho como via de manutenção dos serviços dos africanos livres. A saída encontrada pelas elites políticas em relação ao trabalho minimizou dois problemas: em primeiro lugar, contribuiu para amenizar os efeitos da crise da escravidão, estabelecida pelos acordos internacionais desde 1815;21, e, em segundo lugar, suavizou as pressões britânicas em relação ao tráfico de escra- vos. Pois, ao apresentar os africanos livres como “trabalhadores livres”, o governo brasileiro tentava se enquadrar nas visões do capitalismo crescente. A prática do discurso jurídico adotou, ao fim e ao cabo, a “pedagogia do trabalho livre” como “novo cativeiro” para os africanos livres.

O trabalho livre aqui abordado não difere das práticas da escravidão, pois no cerne dessa sociedade estavam reunidas as disparidades entre a composição de uma “sociedade de trabalho escravo” e de uma “sociedade de trabalho livre”. A antiga ordem do arcaísmo mantinha-se com uma economia mercantil, em prol do status quo escravista, enquanto, a introdução do capitalismo tentava, nesse pri- meiro momento, a distorção das práticas da escravidão. Pois, como enfatiza Robert Castel, o trabalho livre sem proteção e sem garantias remonta a escravidão.22

20 Em relação ao tempo de trabalho, os africanos livres deveriam prestar serviço por um

período de 14 anos para reivindicar a emancipação como previsto na resolução do alvará de 26 de janeiro de 1818. No entanto, o requisito de tempo de serviço para emancipação modificou-se após 1850 com duas medidas: pelo decreto n°1.303 de 28 de dezembro de 1853, que emancipava os africanos livres sob a tutela de arrematantes particulares; e pelo decreto de n° 3310 de 24 de se- tembro de 1864, que beneficiava os africanos livres das instituições públicas com a emancipação.

21 Para exemplificar os acordos internacionais sobre a escravidão, temos o Tratado de 1815,

que proibiu o comércio de escravos, ao norte do Equador, em 1817, a aprovação do Ato Adicional, que estipulava o policiamento marítimo das embarcações “suspeitas” e o estabelecimento de Co- missões Mistas, e, em 1827, uma determinação que equiparava o comércio de escravos ao ato de pirataria.

22 C.f CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petró-

A Casa de Correção cumpria, assim, dois objetivos: servia de depósito de africanos livres e como local de trabalho no período da construção da prisão corre- cional. Nesse “novo Valongo”,23 os africanos livres arrematados aos serviços parti- culares gozavam de boa saúde, restando para as obras públicas os de menor porte físico e os debilitados. Prejudicados pela travessia do oceano e pelos maus-tratos dentro dos brigues, escunas e patachos em que eram apreendidos, os africanos livres morriam em alto número nas instituições públicas, em comparação com os domínios particulares. Como observou Beatriz Gallotti Mamigonian:

Dados compilados sobre os africanos livres distribuídos para serviço nos anos 1830 mostram que 28,4% dos africanos livres que trabalhavam em instituições públicas morreram nos primei- ros cinco anos depois da chegada, enquanto que um número consideravelmente menor daqueles a serviço de concessioná- rios privados (15%) morreram no mesmo período.24

Dessa maneira, nas proximidades do calabouço da Casa de Correção foi ins- talada uma enfermaria em 07 de março de 1838, para dar tratamento aos enfer- mos que se encontravam nas obras. Vale destacar que a Casa de Correção estava situada na região do Catumbi, descrita por Adolfo Morales de Los Rios25 como um lugar de mangues, e por isso sujeita às mazelas provenientes da umidade, ou seja, dos miasmas da região, tal como a cólera e as “febres.”26 Por isso, quatro anos após o início das obras foi institucionalizada uma enfermaria com o objetivo de geren- ciar os cuidados médicos e de redigir a dieta básica - ou a “ração”, como afirmava o administrador das obras da prisão correcional Joaquim Thomé Torres - a ser fornecida aos africanos livres que trabalhavam nas obras. A enfermaria constituía a prerrogativa de curar os africanos livres para mantê-los nos trabalhos, pois essa mão-de-obra era preciosa para a execução do projeto. Em relação à construção do setor atentou-se para a necessidade de manter os africanos livres no bojo das 23 Designação utilizada por Jorge Luiz Prata de Sousa em referência à Casa de Correção da

Corte. O mercado do Valongo era a antiga praça comercial do Rio de Janeiro, onde os escravos eram vendidos diretamente aos senhores. O Valongo foi desativado em 1831 justamente como efeito da lei contra o tráfico de escravos.

24 Cf. MAMIGONIAN, Beatriz Galloti. Revisitando o problema da “transição para o trabalho livre” no Brasil: a experiência de trabalho dos africanos. Disponível em http://www.labhstc.ufsc.br/ jornadaI.htm, Acessado em 26 de setembro de 2010.

25 LOS RIOS FILHO, Adolfo Morales de. O Rio de Janeiro imperial. Rio de Janeiro: Top-

books,2000

26 Durante o período colonial e até mesmo o século XIX era comum o emprego do termo

atividades das obras, ou seja, a enfermaria tinha, a priori, o objetivo de oferecer tratamento para as moléstias dos africanos livres, além de curá-los para permitir a continuidade do trabalho. O favorecimento da medicina para os trabalhadores – africanos livres e apenados – estava associado também às condições de salubrida- de e higiene exigidas pela comissão de médicos das obras da Casa de Correção. A prioridade era “sarar” os africanos livres para mantê-los em atividade. O discurso médico expressava aqui a disciplina e a conservação dos africanos livres no traba- lho. Esta pesquisa, portanto, preocupa-se em verificar e averiguar o desenvolvi- mento da medicina enquanto, mecanismo de manutenção da força de trabalho.

A enfermaria cujo fundamento é evidentemente a medicina, era um instru- mento para curar, aliás, tentar sanar as moléstias adquiridas no ofício exercido pe- los africanos livres. Curar para manter uma mão-de-obra preciosa e necessária aos discursos da elite política. A introdução do discurso médico representou uma nova organização na vida dos africanos livres, pois podemos observar que no cotidiano27 das obras os africanos livres do serviço público morriam de forma acelerada, en-