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1989 147 3.3.4 Políticas de educação bilíngue e interculturalidade para todos na

1 A PESQUISA QUALITATIVA DE CUNHO ETNOGRÁFICO NO VIÉS DA LINGUÍSTICA APLICADA

2.4 AGÊNCIA NA SALA DE AULA DE LINGUAS: SOBRE SUBSVERÇÕES NO DISCURSO E NA PRÁTICA

Nesta seção apresentarei possíveis formas de ação dos alunos em face das práticas de ensino e aprendizagem propostas/impostas em sala de aula como espaço discursivisado e pós-colonial, no sentido de problematizar o ensino de línguas no contexto educativo peruano.

No espaço de sala de aula, professores e alunos se associam estrategicamente através de prática de ensino e aprendizagem. Esses atores sociais participam dialogicamente (ou não) na construção de seus mundos a partir de suas associações discursivas subjetivas diante das práticas de ensino e aprendizagem. Assim, é na fronteira entre os discursos em que eles se engajam que acontece o conflito, a problematização e a consequente aprendizagem (FREIRE, 1970/2013). Sendo que como humanos somos chamados a intervir no mundo em que vivemos, assim como à necessidade de definir o que somos, a agência aqui é entendida como “uma forma de intervir no processo discursivo de construção de sentidos e representações do mundo” (JORDÃO, 2010, p.432).

No entanto, em contextos de sala de aula de inglês, onde discursos legitimados exercem pressão nos estudantes a adotar identidades, línguas e formas de representação do mundo essencializados (CANAGARAJAH, 2004), os alunos tendem a atingir suas identidades projetadas e seus interesses particulares algumas vezes resistindo a convenções e normas associadas com a língua e as representações do mundo trazidas com as práticas de ensino. Desse

modo, por exemplo, uma simples exibição de alguma mostra de outra língua, às vezes, é suficiente para projetar certas identidades e atingir certos interesses. Sustento, neste trabalho, que uma visão universalista e essencializante da língua, identidade e cultura, motiva ações de agência humana de acomodação, oposição e resistência a partir do local de sala de aula. Por fim, a agência se apresenta como uma (contra) identificação dos atores sociais a partir das fronteiras discursivas que acontecem no diálogo em contextos de ensino e aprendizagem (CANAGARAJAH, 2004; CLEMENTE; HIGGINS, 2008; LUCENA, 2015).

A agência como forma humana de intervir no mundo acontece em diferentes graus que vai desde a ação crítica à simples reprodução. Gadioli (2012), alinhado com Raby (RABY, 2005 apud Gadioli, 2012) aponta para quatro pilares básicos de agência, quais sejam,

resistência, informada criticamente; oposição, não articulada criticamente, ainda que contrária a práticas dominantes; acomodação crítica (portanto, consentida esclarecidamente), e finalmente, uma acomodação passiva, que não problematiza as práticas impingidas. (GADIOLI, 2013, p.45)

De acordo com Gadioli com base em Canagarajah (1997; 1999), Heap (1985 apud RAMPTON, 2006), Giroux (1983), Garcez e Schlatter (2012), Norton (2001), Raby (2005) existem quatro episódios em que a agência poderia acontecer. Nos seguintes parágrafos desenvolvo esses quatro acontecimentos que dão conta da agência em sala de aula. Assim, um contexto de educação bancária em que se dá primazia à memorização do conteúdo narrado pelo educador se apresenta como modelo de aula propício para reproduzir modelos identitários homogêneos e hegemônicos (FREIRE, 1970/2013). Nesse cenário, Gadioli (2012) sustenta que existem dois tipos de acomodação, quais sejam: a passiva e a criticamente informada.

A acomodação passiva acontece como um mecanismo de reprodução de práticas dominantes que, por sua vez, impede a agência dos alunos que aceitam passivamente o ideário dominante imposto. No entanto, na acomodação criticamente informada, o aluno reflete sobre a prática de ensino e aprendizagem, dando conta do processo de acomodação no qual se insere, o que pode indicar uma resistência parcial diante daquelas práticas.

No entanto, outros fatores, além da educação bancária, parecem motivar ações de resistência. De acordo com os estudos de Gadioli (2012), as práticas de resistência tendem a ser mais frequentes na adolescência; isto porque os adolescentes não têm o comprometimento de manter um comportamento social estável atribuído na fase adulta. Contrariamente, os adolescentes apresentam maior tendência a produções linguísticas criativas e resistentes no seu processo. O autor assinala três cenários de resistência em sala de aula, quais sejam: o silêncio, a não-participação e a resistência heróica. Explico brevemente essas ações em seguida.

O silêncio se valida como contrarresposta quando “ao unir-se a gestos e posturas forma um quadro de agência multimodal complexo” (GADIOLI, 2012, p.57). Esse quadro complexo se apresenta como ambíguo num primeiro momento quanto a suas potencialidades problematizadoras das práticas de ensino. O silêncio pode ser uma manifestação de resistência cuidadosamente articulada, reservando sua articulação verbal de resistência nas margens de sala de aula, evitando, desse modo, o julgamento da autoridade pedagógica.

Quanto à não-participação70, esta é definida por Gadioli enquanto ato de resistência a partir da identificação de duas modalidades sensíveis diferentes, quais sejam: a periferalidade e a marginalidade. A primeira delas acontece quando o aluno opta por não participar diante da participação de outros. Por exemplo, manter-se calado enquanto outros alunos participam pode ser uma preferência de aprendizagem com base nas observações de erros e acertos dos outros; a segunda modalidade de não-participação é a de marginalidade. Esta ação não contribui para atingir nenhum tipo de aprendizagem, deixando de lado o aluno nos processos de construção de significados em sala de aula. Exemplos dessa marginalidade são a realização de tarefas de outros cursos em sala de aula e o uso de telefones celulares.

Já a resistência heróica, de acordo com Gadioli (2012), se caracteriza por um posicionamento e/ou atitude do aluno que “desafia explicitamente práticas dominantes de teor ideológico muitas vezes partilhado com o grupo, mas sem um apoio (explícito) de seus colegas” (p.58). Assim, é através desses atos que se contrapõem usos, significados e discursos linguísticos dos atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem de inglês.

Tendo apresentado essas diferentes manifestações de acomodação e resistência, pontuo aqui que esses fenômenos podem acontecer discursivamente ao tratar-se do inglês enquanto objeto de estudo e de prática social. Adicionalmente, essas manifestações de resistência acontecem na própria estrutura da língua, quando esta é carimbada com as identidades com propósitos identitários dos usuários ao criarem formas alternativas, de acordo com suas expectativas e necessidades no local de aprendizagem. Pontuo aqui que essa resistência é exercida de formas mais sutis, sendo que “atos intencionais de mimeses se dá a fim de invocar diferença a partir da mesmice” (PENNYCOOK, 2010, p.45)71 na relocalização. A repetição deliberada da mesmice pode constituir-se como atos de subversão, podendo tais atos ser “falsa complacência, paródia, fingimento, e mímica” (CANAGARAJAH, 2000 apud PENNYCOOK, 2010 p.45)72. Essas ações constituem estratégias úteis para desligar-se do ideário do poder, exercendo um pouco de criticidade e ganhando um pouco de controle sobre suas vidas em situações de opressão através de atos criativos em busca de obter voz para suas identidades emergentes e divergentes (CANAGARAJAH, 2004).

Tendo apresentado as manifestações de agência em forma de resistência e acomodação através de atos performativos da língua, a seguir apresento considerações sobre a sala de aula de inglês como