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1989 147 3.3.4 Políticas de educação bilíngue e interculturalidade para todos na

1 A PESQUISA QUALITATIVA DE CUNHO ETNOGRÁFICO NO VIÉS DA LINGUÍSTICA APLICADA

1.1 OS RECURSOS PARA A GERAÇÃO DE DADOS

Elementos da etnografia própria foram utilizados nesta pesquisa para possibilitar uma visão holística da situação pesquisada, o que demanda a presença do investigador no campo de estudo por um período significativo. Desse modo, acompanhei as experiências de alunos e de professores a partir da observação participante, vislumbrando como os participantes atribuem sentido a suas ações no cotidiano da sala de aula. Nessa perspectiva de cunho etnográfico, sou ciente de que não simplesmente fiz observações, já que desde o momento em que ingressei em sala de aula fui elemento perturbador do fluxo natural dos acontecimentos e do contexto. Esse involucramento ou não-neutralidade não minimiza a cientificidade deste estudo, contrariamente, efetiviza o entendimento do contexto porque o pesquisador tem sido parte dele (MASON, 1998).

Durante a geração de dados, minha participação foi regulada, tentando não interferir diretamente na maneira natural em que acontecem os usos da língua em sala de aula; no entanto, em outros momentos, agi como qualquer outro aluno, participando das atividades, visando atingir aqueles sentidos subjetivos/intersubjetivos que são produzidos na performatividade das práticas de ensino e aprendizagem. Sobre isso, Lucena (2014) afirma que para “investigar um assunto na perspectiva etnográfica [...] precisamos desenvolver múltiplas tarefas que nos coloquem em contato com lugares, sujeitos e objetos [...]” (p.56-57). Isso se deu com a finalidade de obter múltiplos insights de situações concretas e representativas que enriqueceram o relato de experiência.

Adicionalmente, para captar as sutilezas, especificidades e diferenças dos significados atribuídos às atividades que acontecem em sala de aula como espaço físico socialmente organizado, imerso num mundo cultural particular, foi necessário provocar um estranhamento, que é “fazer o familiar estranho e torná-lo interessante de novo” (ERICKSON, 1990, p.83)19.

Esses princípios básicos da etnografia - a observação participante e o estranhamento, possibilitaram desvelar os sentidos que

19 Tradução minha. No original: “[...] helps researchers and teachers to make the familiar strange and interesting again” (ERICKSON, 1990, p.83)

subjazem às diferentes atividades em uso da linguagem em que os sujeitos se envolvem no contexto específico de sala de aula de inglês.

Na abordagem da pesquisa qualitativa, sensível aos acontecimentos no campo de estudo, soube que existia uma variedade de formas de gerar dados, no entanto, a observação participante foi considerada aqui a mais importante. Com olhar diligente, tentei vislumbrar os significados-locais-imediatos das ações através das quais os participantes regulam seu comportamento reciprocamente nas suas inter-relações conforme o lugar que ocupam no contexto social em que habitam (ERICKSON, 1990, p.78). Nas palavras de Erickson:

O pesquisador procura compreender os modos que os docentes e estudantes, em suas ações conjuntas, constituem ambientes uns para os outros. O pesquisador de campo centra sua atenção quando observa uma sala de aula, e faz anotações que registram a organização social e cultural dos fatos observados, com a suposição de que a organização do significado-em-ação é ao mesmo tempo o ambiente de aprendizagem e o conteúdo a aprender (ERICKSON, 1985, p.128)20

Uma vez que esta pesquisa tem como objetivo específico discutir como as políticas linguísticas e as relacionadas à educação intercultural estão subjacentes nas práticas em sala de aula de inglês e nas práticas cotidianas, em Tacna, na contemporaneidade, o olhar etnográfico permite interpretar os significados das interações empreendidas entre alunos e professores em práticas de ensino e aprendizagem no contexto específico de sala de aula de língua estrangeira/adicional do sistema educativo peruano.

De modo a enriquecer as percepções obtidas, outros procedimentos que possibilitaram a geração de dados, a partir de diferentes fontes, foram utilizados. Esses outros recursos permitiram

20 Tradução minha. No original: “The researcher seeks to understand the ways in which teachers and students, in their actions together, constitute environments for one another. The fieldwork researcher pays close attention to this when observing in a classroom, and his or her fieldnotes are filled with observations that document the social and cultural organization of the events that are observed, on the assumption that the organization of meaning-in-action is at once the learning environment and the content to be learned” (ERICKSON, 1985, p.128).

fortalecer, questionar ou refutar os dados obtidos das observações. Destaco, no entanto, que essa multiplicidade de fontes não foi usada para validar os dados, senão para constituir uma descrição complexa com observações de dados a partir de diferentes ângulos. Faço isso na tentativa de entender o fenômeno em profundidade, ciente de que “não é possível captar a realidade em sua essência” (DENZIN, LINCOLN, 2006). Minha intenção se dirige ao conhecimento socialmente construído da realidade, no mundo da experiência vivida, e na consciência das limitações situacionais que influenciam a investigação (Ibid., 2006).

A análise documental, neste trabalho, esteve orientada ao primeiro objetivo específico referido, que é investigar como, a partir das construções ideológicas coloniais e de documentos oficiais, são propostas as políticas linguísticas e a educação intercultural no sistema educativo peruano. Assim, através de uma revisão histórica dos documentos oficiais como Constituciónes Políticas del Peru, Leyes Generales de Educación, Políticas Linguísticas de Estado, Resoluciones do MINEDU em diferentes épocas da história peruana, foram trazidos discursos relacionados às políticas linguísticas e de educação intercultural para entender como a ação cultural discursiva foi sendo construída e projetada na práxis social concreta e cotidiana e, particularmente, em contexto de ensino-aprendizagem de inglês na escola pública. Procurei, assim, fornecer uma visão geral sobre as ideologias hegemônicas subjacentes a essas políticas em termos de silenciamento, exclusão e marginalização dos povos originários do Peru. Essa análise se apresenta importante nesta pesquisa, na tentativa de entender de forma holística a situação dos descendentes da população aymara, migrantes na cidade de Tacna, local desta pesquisa.

Realizei entrevistas semiestrututradas21, isto é, com perguntas que se configuravam em propostas de conversas, mas com intenções flexíveis à dinâmica de cada interação, as quais foram registradas num gravador de áudio. O registro de áudio facilitou meu trabalho, possibilitando voltar a escutar novamente as falas dos alunos com diferentes reflexões suscitadas em cada escuta; também, me permitiu enxergar aspectos que não tinha percebido no momento do diálogo. As entrevistas com os professores estiveram centradas numa temática, por

21 As entrevistas foram realizadas nos recreios, após as aulas. Assim, conversei só com aqueles que tiveram interesse em participar. A transcrição dos trechos daquelas entrevistas contou com pseudônimo escolhido pelos alunos que aceitaram participar nessas condições.

exemplo, sua biografia, experiências de ensino e aprendizagem, planejamento de aula, entre outros temas que surgiam como relevantes a esta pesquisa. As entrevistas com os alunos se direcionaram em torno de temas, como as línguas faladas em suas famílias, suas experiências, usos e percepções sobre as línguas locais e/ou inglês, percepções sobre o local da escola, entre outros assuntos relevantes a suas atividades de aprendizagem em sala de aula. As conversas com os alunos se realizaram de forma individual ou, em alguns casos, em conversas de grupos de amigos nos recreios. (MASON, 1998). As entrevistas aqui realizadas foram baseadas no seguinte posicionamento:

os conhecimentos das pessoas, pontos de vista, compreensão, interpretações, experiências e interações têm características significativas da realidade social” que [...] [minhas] perguntas de pesquisa estão orientadas a conhecer” (MASON., p.39)22.

Com base nesta consideração, sustento que “interagir com as pessoas, falar com elas, escutá-las, e ganhar acesso a suas narrativas e falas” (Ibid., p.40)23 são maneiras legítimas de gerar dados.

O registro fotográfico foi feito em diferentes lugares: comunidade, escola, em sala de aula, com a finalidade de localizar a pesquisa, fornecendo ao leitor os diferentes cenários linguísticos em que acontece a atividade humana em Tacna. As evidências geradas a partir de todas essas fontes serviram como o corpus de análise a partir do qual busquei responder a pergunta dessa pesquisa.

22 Tradução minha. No original: “people‟s knowledge, views, understandings, interpretations, experiences, and interactions are meaningful properties of the social reality which your research questions are designed to explore” (MASON, 1998, p.39).

23 Tradução minha. No original: “to interact with people, to talk with people, to talk to them, to listen to them, and to gain access to their accounts and articulations” (MASON, 1998, p.40).

1.2 PERGUNTAS DE PESQUISA