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A proibição das línguas gerais quéchua e aymara: consolidação das políticas de castelhanização

IDEOLÓGICAS: CULTURAS E IDENTIDADE LOCAIS NAS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS

3.2 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS NO PROCESSO DE CONQUISTA E COLONIZAÇÃO

3.2.3 A proibição das línguas gerais quéchua e aymara: consolidação das políticas de castelhanização

Segundo Moita Lopes (2008), as conquistas coloniais na constituição dos impérios de Espanha e Portugal no final do século XV e no século XVI são entendidas como inicios do processo de globalização envolvendo a participação de várias nações europeias. Nesse sentido, o espanhol como a nova língua imperial nas colônias americanas trouxe consigo os valores do iluminismo europeu no século XVIII. O iluminismo como movimento intelectual assume o exercício da razão como a única forma verdadeira de conhecer as coisas em detrimento dos sentidos. Estes últimos eram vistos como perturbadores do pensamento lógico. Assim, se acredita que através da razão é possível atingir verdades universais.

A hegemonia do pensamento racional, de acordo com Canagarajah (2013) teve implicações sobre as concepções das línguas; nas palavras do autor essas implicâncias foram:

perdemos a noção de que as línguas são moveis, heterogêneas, e de recursos híbridos que combinam com outros recursos semióticos para fazer significado em contexto. [...] Somos deixados com a noção que as manifestações sociais e matériais [da língua] são secundárias.(CANAGARAJAH, 2013, p.23)92 Procurou-se, então, a sistematicidade e lógica das línguas a partir da mente humana como sistema cognitivo abstrato e autônomo para a construção de significados; isto deixando de lado outros recursos extralinguísticos que acompanham a atividade de significação; e, também, a performatividade da língua não é considerada por estarem sujeitas a sistemas lógicos fechados. Segundo Bakhtin (1929/2009), o único critério linguístico desta concepção sistemática da língua é estar certo ou errado.

Canagarajah (2013) destaca que ideias do iluminismo reforçam um paradigma monolíngue, já que, a “a natureza racional de certas línguas” significava, por analogia a superioridade mental de certos grupos sociais sobre outros percebidos com línguas menos desenvolvidas.

No império católico espanhol, o ideário do iluminismo tomou forma no conceito político de “despotismo ilustrado” e, assim, os monarcas93 deste período, numa postura paternalista, se encaminharam a dar luzes aos povos em seus domínios na projeção de um futuro melhor sem câmbios estruturais. No pensamento do iluminismo emergiu a Real Académia de la Lengua Española94, instituição dedicada à regularização linguística com o lema “Limpia, fija y da esplendor” e assim se controlava a língua liberando-a das impurezas a que estaria exposta em sua expansão territorial e da influência das línguas estrangeiras.

Como já tinha referido anteriormente, a castelhanização nas colônias foi um processo irregular, interrompido pela necessidade de

92 Tradução minha. No original: “We lost the notion that language are mobile, heterogeneous, and hybrid resources that combine with other semiotic resources to make meaning in context [...] We are left with the notion that it is […] its social and material manifestation secondary” (CANAGARAJAH, 2013, p.23). 93 Coincidente com os reinados de Fernando VI (1746-1759) e Carlos III (1759- 1788).

94 Instituição criada em 1713 por iniciativa do intelectual ilustrado Juan Manuel Fernández Pacheco.

evangelizar em língua originarias impulsionadas pela igreja católica, porém a manutenção nas línguas dos povos americanos significaram um estorvo continuo para a governança hispânica. No entanto no contexto do pensamento iluminista da época, as políticas linguísticas emitidas foram eminentemente assimilacionitas e anti-indigenas. Essas políticas foram favorecidas com a expulsão dos “missionáros linguistas” (FERNANDEZ-MALLAT, 2010) em 1767. Como exemplo dessas políticas trago uma disposição do Rei de Espanha em 1770 destinada a erradicar o uso das línguas nativas para a evangelização e que sejam doutrinados em espanhol

e se lhes ensine a ler e escrever nesse idioma que se deve extender e fazer único e universal nos domínios [...] para facilitar a administração e alimento espiritual aos naturais e que estes possam ser entendidos pelos superiores, tomem amor da nação conquistadora [...] e que na muita diversidade de línguas não se confundam os homens como na torre de Babel [...] para que de uma vez se atinja a conseguir que se extingam os diferentes idiomas que se usam nos domínios, e se fale só o castelhano, como está mandado por repetidas leis, Reais cédulas e ordenanças expedidas sob o assunto (CARLOS III apud. SOLANO, 1991, p. 257-261)95

Segundo o excerto acima, a língua espanhola entendida como mais bem desenvolvida foi imposta nas colônias uma vez entendido o infrutuoso trabalho de se desenvolver gramáticas das línguas ameríndias para exercer de maneira eficiente a evangelização dos muitos povos existentes no vice-reino do Peru, o que por sua vez causava dificuldades

95 Tradução minha. No original: “se instruya a los indios en los dogmas de nuestra religión en castellano y se les enseñe a leer y escribir en este idioma que se debe extender y hacer único y universal en los mismos dominios, por ser el propio de los monarcas y conquistadores, para facilitar la administración y pasto espiritual a los naturales y que éstos puedan ser entendidos de los superiores, tomen amor a la nación conquistadora […] y con mucha diversidad de lenguas no se confundan los hombres como en la torre de Babel […] para que de una vez se llegue a conseguir el que se extingan los diferentes idiomas e que se usan en los dominios, y sólo se hable el castellano, como está mandado por repetidas leyes, Reales cédulas y órdenes expedidas al asunto” (SOLANO, op. cit., p.257- 261).

na comunicação do império espanhol e suas colônias a causa da manutenção das línguas originarias.

O ideário do iluminismo europeu repercutiu na forma de governo da monarquia absoluta espanhola em suas colônias. Adotou-se uma série de políticas administrativas, econômicas e comerciais para lograr uma maior eficiência da exploração e reforçar o poder central da coroa espanhola96. Assim, no intuito de conter e frear a ascensão das elites crioulas, os cargos administrativos no vice-reino foram dados exclusivamente a funcionários nascidos na Europa e leais à coroa. Paralelamente, houve maior rigidez e pressão econômica sobre os indígenas em relação a tributos e impostos (CONTRERAS, 2002). Por conta das reformas anteriormente mencionadas, em 1780 acontece a rebelião de Tupac Amaru II e em consequência desse falido acontecimento, se impulsionou a castelhanização no Peru.

Uma vez que o uso das línguas vernáculas foi proibido, iniciado o processo de castelhanizacão se procurou uma unidade linguística, cultural e política com centralidade de poder imperial na autoridade do Rei da Espanha (ABELARDO, 1968). Cumprindo com o princípio assinalado por Antonio Nebrija, ao apresentar a primeira gramatica da língua espanhola à rainha Isabel de Castela em 1492 “a língua sempre foi companheira do império”.97

Como se constata, silenciar a língua tem sido recorrente como parte das políticas de dominação na historia das colônias, dentre elas, o Peru. No caso específico desse país, o quéchua e aymara foram alvo dessa política de silenciamento, o que contribuiu para que muito da cultura relacionada a essas línguas fosse perdido.

Deu-se, assim, a partir do silenciamento, o extermínio físico da intelectualidade indígena nos centros de poder no fim do século XVIII que se perpetuou até a segunda metade do sec. XX. Esse incansável processo de marginalização social e política, cujo objetivo era o consequente abandono das línguas indígenas maiores, quéchua e aymara, na educação colonial acentuou a ideologia do desprezo e a visão negativa do índio pelos temores de novas revoltas das populações

96 As primeiras tentativas de castelhanização e evangelização em língua castelhana em todos os povos de índios foram projetadas no documento “Consulta del Consejo de Indias com Felipe II sobre las causas que inducen a ordenar que los indios hablen español, con el texto de uma cédula para su envio a Indias. 1596” (SOLANO, op. cit. p. 112-115). Porém esse projeto legislativo não foi aprovado pelo Rey Felipe II (1556-1598) que não o considerou viável. 97 Nebrija, 1946 apud Moita Lopes 2008, p. 313.

submetidas ao sistema colonial (BONILLA; SPALDING, 1979; MÉNDEZ, 2000).

No entanto, para fins da independência da Espanha, foram utilizadas simbologias incaicas fortemente estilizadas a um grau de exaltação do passado imperial (CERRÓN-PALOMINO, 2002) paralelo a uma visão depreciativa das populações nativas e suas línguas, que continuavam sendo proibidas de expressar suas culturas. Neutralizou-se, assim, o conteúdo político de reinvindicação dos povos originários (BONILLA; SPALDING, 1979; MENDEZ, 2000).

Na figura que segue, mostro a configuração da América do sul como colônias espanhola e portuguesa no século XVIII.

Figura 8 - Localização do vice-reino do Peru

Fonte:http://www.partidonacionalfederalistaperuano.com/RFAperubolivia2.htm l, Acesso em março, 2015

Considero importante esta questão trazida por Mendez (2000) sobre a apropriação de conteúdo simbólico da cultura inca por parte dos crioulos para criar força unificadora da identidade coletiva, mas rejeitando as línguas nativas, já que esse ideário, “Incas sí, índios no”

(MENDEZ, 2000) persistiu ate o século XIX. O referido ideário legitima uma identidade nacional peruana que objetivava uma cultura imperial inca invisibilizando muitas outras culturas e línguas locais que continuam vivas, mas excluídas na estrutura social republicana.

Por sua vez, Vega (sf) chama a atenção sobre a categoria “índios” na histografia comum que tende a apagar as rivalidades das nações existentes no império inca. Para o autor, esse termo é uma expressão estrangeira, inventada para as populações americanas, sendo um equivoco “igualar falsamente o diferente” (Ibid, p.7); essa nomeação, segundo o autor, também contribui a invisibilizar as culturas locais dos povos originários que ainda brigam por reinvindicações sociais, uma vez que é particularmente distinto dizer “sou aymara”, “sou ashaninka”, do que dizer “sou índio” para citar somente alguns dos cinquenta e quatro povos indígenas registrados no Ministério da Cultura.98.

Os mecanismos de apropriação do simbólico e invisibilização das culturas locais trazidas por Mendez (2000) e Vega (sf) parecem ter continuação nas politicas atuais de interculturalidade no sistema educativo peruano atual. Essas políticas estabelecem atitudes e valores de reconhecimento positivo das culturas e línguas dos diversos grupos étnicos que constituem o Estado plurilíngue e multicultural, mas aparentemente sem pretensões de educação bilíngue intercultural fora dos territórios rurais/indígenas.

Tendo apontado como mecanismos de colonização foram exercidos instaurando ideologias de subjugação colonial, num primeiro momento- em apropriação do quéchua como língua do império e o aymara como língua maioritária territorializada na meseta altiplánica do Collao, apresento, a seguir, a continuação dessa ideologia colonial por meio do espanhol nas políticas educativas dos grupos de poder, uma vez conseguida a independência do Peru.

98 O Peru se reconhece como país multicultural constituído por povos indígenas ou originários registrados (até o 19/07/2015) numa base de dados com informação histórica, cultural, geográfica e demográfica. Essa informação está a cargo do Ministério de cultura em face às disposições da Convenção n°169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os povos indígenas e tribais.

3.3 POLÍTICAS LINGUÍSTICAS NO PERÍODO REPUBLICANO99: