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Alterações no desenvolver desta pesquisa de cunho etnográfico Ao procurar “entrar no fluxo da vida da comunidade”

1989 147 3.3.4 Políticas de educação bilíngue e interculturalidade para todos na

1 A PESQUISA QUALITATIVA DE CUNHO ETNOGRÁFICO NO VIÉS DA LINGUÍSTICA APLICADA

1.4 A ENTRADA EM CAMPO NA ESCOLA ARCO-ÍRIS: HISTORIA NATURAL

1.4.4 Alterações no desenvolver desta pesquisa de cunho etnográfico Ao procurar “entrar no fluxo da vida da comunidade”

(CANAGARAJAH, 2006, p.156) para refletir sobre a ocorrência de práticas de linguagem situadas, o pesquisador não fica livre dos desafios que se apresentam no acontecer da vida social em seu âmbito natural. Essas ocorrências inesperadas fazem com que o etnógrafo redefina aspectos do desenho e estratégias no trascurso da investigação, sendo que estas “estão fundadas na prática, processo e contexto da pesquisa em si” (MASON, 2002, p.24).40 Nesta pesquisa, dentre tais eventualidades, saliento dois aspectos que repercutiram no processo de geração de dados e que só foram revelados ao longo do desenvolvimento da investigação. O primeiro desses aspectos está relacionado ao fato de que, constituindo-me como participante do processo de geração de dados, questões sobre minha subjetividade foram sensíveis ao ambiente pesquisado, uma vez que estando lá, me fiz parte desse ambiente. Desse modo, ainda que tentasse modalizar minhas particularidades pessoais, meu compromisso com a área educativa limitaram certas possibilidades de interação mais espontânea e horizontal entre mim e os alunos. Também, como referido anteriormente, a timidez na minha apresentação formal em sala de aula fez com que minhas atividades como pesquisadora não fossem claramente entendidas num primeiro momento pelos alunos.

Outro aspecto foi a distância com o campo de estudo, sendo que o processo de planejamento foi feito em Florianópolis-Brasil, para uma escola pública em Tacna-Peru, assim, não tive oportunidade de entrada em campo, já que no primeiro ano de mestrado estive comprometida com as disciplinas de estudo do programa. Ressalto que o professor

39 Tradução minha. No original: “be unable to control the ways in which your identity, status or role are perceived” (MASON, 2002, p.93).

40 Tradução minha. No original: “are grounded in the practice, process and context of the research itself” (MASON, 2002, p.24).

participante desta pesquisa foi em grande medida facilitador para o acontecimento desta investigação. Por exemplo, embora eu tenha tentado acompanhar o desenvolvimento de toda uma unidade didática, a primeira aula dessa unidade não foi por mim acompanhada, devido a inconveniências na viagem.

Tendo apresentado aspectos da “história natural da investigação” (ERICKSON, 1990) desta primeira etapa do estudo, continuo, a seguir, com as bases teóricas para a interpretação do espaço local macro da escola Arco-íris, ou seja, a cidade de Tacna.

1.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE O LOCAL MACRO DA PESQUISA: A CIDADE DE TACNA

Na abordagem de pesquisa de cunho etnográfico em contextos escolares, Erickson (1985) considera que a análise do contexto sociocultural mais amplo é importante para a interpretação de comportamentos e significados atribuídos na ação social imediata, já que O significado completo de muitos eventos dentro da escola somente pode ser visto no contexto de eventos da escola como um todo, de influências externas sobre a escola e de influências da escola sobre a sociedade num sentido amplo (ERICKSON, 1985, p.10)41.

De modo semelhante, Holliday (2005) argumenta que as influências sociais e institucionais mais amplas –o contexto macro- são chave para entender o que acontece entre professores e alunos em sala de aula –o contexto micro. Desta maneira,

41 Tradução minha. No original: “The full significance of many events inside school can be seen only in the context of events throughout the whole school, influences on the school from outside it, and influences of the school on the large society." (ERICKSON, 1985, p.10).

São as atitudes derivadas de relações de status, papel e autoridade interpostas por alunos e professores fora da sala de aula que influenciam os aspectos da interação em sala de aula sobre a qual sabemos menos. (HOLLIDAY, 2005, p.14)42 O autor sustenta que é necessário entender como esses fatores são diferentes nos diversos cenários, como forma de conhecer o que seria apropriado às intervenções pedagógicas em sala de aula. Tanto Erickson (1985) como Holliday (2005) entendem a sala de aula como uma “microcultura”, influenciada pelo que acontece em esferas mais amplas de organizações sociais (escola, família, cidade etc.) e padrões culturais. Estas esferas também são consideradas quando se investiga as vivências em sala de aula, já que o contexto cultural macro é fonte de significados socialmente compartilhados que constituem a subjetividade social. Nas palavras de Delgado, a subjetividade social é

aquela trama de percepções, aspirações, memórias, saberes e sentimentos que nos outorgam uma orientação para atuar no mundo. [O que é compartilhado por uma comunidade] lhe permite [à comunidade] construir suas relações, perceber-se como um “nós e atuar coletivamente. (DELGADO, 2004, p.54)43.

Também para Erickson (1984), indução e dedução estão em constante diálogo no trabalho de campo. Portanto, o que ocorre em sala de aula corresponde também às formas de organização da vida social fora dela. Neste olhar, a sala de aula é o cenário como um todo, influenciada pelo que acontece em esferas mais amplas de organização sociais (escola, família, cidade, etc.) e patrões culturais, nas palavras do autor:

O significado completo de muitos eventos dentro da escola somente pode ser visto no contexto de

42 Tradução minha. No original: “It is the attitudes derived from teachers from outside the classroom that influence those aspects of classroom interaction about which we know least” (HOLLIDAY, 2005, p.14)

43 Tradução minha. No original: “aquella trama de percepciones, aspiraciones, memorias, saberes y sentimientos que nos impulsa y nos dan una orientación para actuar en el mundo [..] le permite construir sus relaciones, percibirse como „nosotros‟ y actuar colectivamente”( DELGADO, 2004, p.54)

eventos da escola como um todo, de influências externas sobre a escola e de influências da escola sobre a sociedade num sentido amplo (ERICKSON, 1984, p.10). 44

A comunidade de Tacna, assim, é considerada aqui como o contexto cultural mais amplo. Importa destacar que o local da comunidade Tacneña não é considerado apenas na sua dimensão histórica, necessária para a interpretação dos dados, já que, segundo Pennycook, (2010) “todo pensamento, teoria, ideias e escritura devem estar localizados geograficamente” (p.55)45. Assim sendo, o espaço não é entendido como um pano de fundo, mas como parte da atividade social que se produz na prática. Ou seja, o espaço é entendido a partir de “como nós construímos o local através do que fazemos e dizemos” (Ibid., p.56)46, sendo que “a língua, a localidade e a prática estão em uma relação constitutiva: a língua, ou seus usuários intencionais, não preexiste ante o fazer, na maneira na qual frequentemente é assumida pelos estudos da linguagem” (PENNYCOOK, 2010, p.13)47. Esse fato nos apresenta novas questões que devem ser assumidas a partir de uma perspectiva crítica.

Na mesma consideração sobre o local (lugar, espaço e contexto) como parte constitutiva das práticas linguísticas, Canagarajah (2005) tinha observado que o local não só constitui um contexto particular para os estudos da linguagem. O autor chama a atenção para a necessidade de reexaminar radicalmente nossas disciplinas para orientar a linguagem, identidade, conhecimento e relações sociais a partir de uma perspectiva totalmente diferente. Um aterramento local deve se tornar a força primária e fundamental na

44 Originalmente: “The full significance of many events inside school can be seen only in the context of events throughout the whole school, influences on the school from outside it, and influences of the school on the large society" (ERICKSON, 1984, p.10).

45 Tradução minha. No original: “all thought, theory, ideas and writing need to be located geographically” (PENNYCOOK, 2010, p. 55)

46 Tradução minha. No original: “ how we construct the local through what we do and say” (PENNYCOOK, 2010, p.56)

47 Tradução minha. No original: “language, locality and practice are in a constitutive relation to each other: language, or its intentional user, do not pre- exist the doing in the way often assumed by language studies” (PENNYCOOK, 2010, p.13)

construção do conhecimento contextualmente relevante, se quisermos desenvolver discurso mais plural. (CANAGARAJAH, 2005, p.14)

McCarty (2011), por sua vez, assinala que a análise não deve restringir- se às declarações explícitas sobre as políticas linguísticas oficiais, mas aplicadas ao sistema sociocultural mais amplo, dado que ocorrem também declarações não explícitas nem estabelecidas pela autoridade.

Continuo, a seguir, com a descrição do local macro da pesquisa. Apresento a comunidade de Tacna com informações históricas sobre a distribuição do espaço político na constituição da cidade, revisando, dessa forma, os ritos, atividades econômicas, estrutura social e outras informações estabelecidadas como parte da identidade local. Pontuo que a língua aqui é pensada como uma prática com implicações políticas, culturais e sociais, em que tanto as identidades, o espaço, como a própria língua são um produto reconfigurado (PENNYCOOK, 2010; DELGADO, 2004; GIMÉNEZ, sf.). Assim, vou à busca daquelas outras políticas ditas “não declaradas” (McCARTY, 2011, p.2), que podem ser entendidas nas entrelinhas a partir das práticas das pessoas e das ideologias e crenças que subjazem suas atuações nas interações com os outros e com o mundo imediato que os rodeia.