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Agências de produção e difusão cultural

Os impactos dos financiamentos em torno do ensino agrícola, foram identificados principalmente, através dos documentos produzidos em função da consolidação desse novo

perfil de ensino. São eles: os Acordos e Convênios MEC-USAID,os Manuais, as diretrizes,

os regimentos, os decretos e os relatórios. Como ponto de problematização, documento será categorizado como monumento, quanto ao estabelecimento das fontes.

Monumento significa memória: faz recordar, avisa, ilumina, instrui. Le Goff definiu monumento com um sinal do passado; “tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os atos escritos”. (LE GOFF, 1990, p.526). Liga-se ao poder de perpetuação, um legado à memória coletiva. Representa a produção de pessoas, num contexto e interesses específicos, complementou José de Assunção Barros (2016).

Visto desta forma, os documentos representarão, neste discurso, os principais instru-mentos para a análise das agências de produção e difusão cultural, programadas para o ensino agrícola, no modelo escola - fazenda, em articulação com o projeto de modernização tec-nológica nacional e internacional. Destacaram-se enquanto agências para este fim: o Banco Mundial, a Coordenação Nacional do Ensino Agrícola/COAGRI, as cooperativas agrícolas, as escolas Agrícolas/MEC e o sistema escola-fazenda.

O que são as agências de produção e difusão cultural? As interpretaremos como “in-dústrias culturais”; “agentes de representação comerciais e culturais”; “sistemas educativos” ou ainda “órgãos produtores de serviços ou materiais instrutivos”. Trataremos estes sentidos, de forma associada à sua compreensão como espaços de “produção de um bem cultural”, confor-me Barros (2004). Ele atribuiu a ideia de produção ao campo das práticas e representações, direcionando aos instrumentos que nos remetem à história da Cultura material, “que procura reconstruir, a partir de uma problematização sociocultural mais ampla, uma rede complexa

que envolve objetos, técnicas e consumo”. (BARROS, 2004, p.81).

Barros destacou o sistema educativo como uma importante agência cultural, pois pro-duz e difunde representações, molda padrões de caráter para ajustes à vida social, como partes dos interesses dominantes. Desta forma, trouxe à tona a noção de práticas e representações.

As noções de “práticas e representações” são bastantes úteis, porque atra-vés delas podemos examinar tanto os objetos culturais, os processos que envolvem a produção e difusão cultural, os sistemas que dão suporte a estes processos e sujeitos, e por fim as normas a que se confirmam as sociedades quando produzem cultura, inclusive através da consolidação de seus costumes (BARROS, 2004, p.81).

A análise dos objetos culturais a partir das representações e dos comportamentos so-ciais de uma sociedade, teve espaço nos estudos de Certeau (1998). Este defendeu a existência intencional de uma “ordem dominante” sobre os sistemas de produção cultural, consequen-temente o seu consumo e o produto deste. Sobre representações, Chartier (1988) tratou da sua importância para o processo de articulação das representações do social, presentes no indivíduo, da identidade que se quer reconhecida.

O estudo tem uma abordagem global e local, pois “o historiador não é mais o homem capaz de constituir um império. Não visa mais o paraíso de uma história global. Circula em torno das racionalizações adquiridas. Trabalha nas margens”. (CERTEAU, 1982, p.87). Ana-lisará as representações do modelo de ensino agrícola, escola-fazenda, no Brasil, no processo de produção e difusão cultural do americanismo, numa dimensão macro, e micro na Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão-SE.

O período de análise é o de expansão do ensino agrícola, através do modelo escola--fazenda, iniciado em 1967. Foi sistematizado e estruturado por um conjunto de decretos, coordenações, diretorias e superintendência, sejam eles: a Superintendência do Ensino Agrí-cola e Veterinário – SEAV (1968), a Diretoria do Ensino AgríAgrí-cola-DEA (1968), o Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional CENAFOR- (1969) e, finalmente, a Coordenação Nacional do Ensino Agrícola - COAGRI, criada pelo Decreto nº 72.434, de 09 de julho de 1973.

O modelo estudado ampliou suas experiências, no Brasil, principalmente após a cria-ção da COAGRI. Todos os estabelecimentos de ensino agrícola do MEC vincularam-se a esta coordenação “para efeito de produção, arrecadação e distribuição de recursos extra- or-çamentários”. (BRASIL,1982a,p.06). Além disso, o Decreto de criação da COAGRI atri-buiu-lhe autonomia administrativa e financeira. Estabeleceu normas e procedimentos para orientação, acompanhamento e controle das transações dos produtos de suas atividades, assim como também dos recursos financeiros.

O Relatório Geral da COAGRI do ano de 1982a registrou que 33 escolas, criadas em 15 estados brasileiros, compuseram essa rede. Destas, somente em Minas Gerais foram

criadas 11 escolas. Destacou-se também o tamanho dos hectares de três unidades, utilizados no sistema Escola-Fazenda: Cuiabá (5.000 ha), São Cristóvão (800ha), Santa Teresa-ES (630 ha). Além destas trinta e três escolas coordenadas pela COAGRI, o relatório notificou a exis-tência de trezentas e noventa e uma unidades de ensino, que ofertavam habilitação do setor primário do ensino agrícola. (BRASIL,1982a).

A COAGRI pode ser entendida como a agência cultural, responsável pelas estratégias política e econômica de sistematização e expansão do ensino agrícola no país, a partir da segunda metade da década de 1960, implementando e acompanhando o modelo de ensino escola - fazenda. As atribuições que lhes foram designadas, sinalizaram para que as unida-des de ensino a ela vinculadas, construíssem uma organização interna estruturada, capaz de acompanhar com êxito, o movimento de produção, arrecadação e distribuição de recursos extra-orçamentários.

Tal movimento apontou para a necessidade de criação das cooperativas - escolares, atendendo à seguinte finalidade: “promover a educação cooperativista e a comercialização dos produtos agropecuários resultantes das práticas de ensino”. (BRASIL,1982b, p.33).

As dimensões ensino e produção estão bem apresentadas no “Estatuto”. (BRA-SIL,1979) da Cooperativa escolar da Escola Agrícola Federal de São Cristóvão, denominada COETAGRI – Cooperativa Escolar e de Trabalho dos alunos do Colégio Agrícola Benjamin Constant. Seus objetivos seguiam os princípios nacionais das escolas agrícolas: cooperativis-mo, ajuda mútua, solidariedade e cidadania. (BRASIL,1979). Seus interesses eram as práticas integradas aos projetos didáticos, servindo “de órgão catalizador de todas as práticas de ensi-no, na execução de projetos de Colégio, de acordo com a metodologia do sistema

Escola-Fa-zenda”.(BRASIL,1979, p.16.).

Os sentidos do ensino agrícola após a implementação do modelo estudado, pode ser interpretado a partir da sua estrutura. Sua característica essencial era a inter-relação entre as salas de aula, as unidades educativas de produção e a cooperativa escolar. Esta estrutura orga-nizacional deu legitimidade à estrutura sistema escola-fazenda. Desta forma, seus elementos estruturantes: ensino, trabalho e produção, podem nos revelar as estratégias e configurações pedagógicas, políticas e até mesmo econômicas, na oferta e expansão do ensino.

As “Diretrizes de funcionamento das escolas agrotécnicas”, instituíam que a sala de aula era considerada um espaço importante reservado à análise e reflexão; ao ensino articulado dos conteúdos das disciplinas do Núcleo Comum e da Parte Diversificada. (BRASIL,1990.). Destinava-se também, conforme as Normas para planejamento de habilitações no ensino de 2º grau, “ao desenvolvimento de hábitos e atitudes necessárias à vida profissional e a par-ticipação na comunidade”. (BRASIL,1975, p.19.). Indicava ainda, este documento, que as Unidades Educativas de Produção –UEPs, representariam o lugar da prática, o laboratório de ensino das disciplinas da parte diversificada, local da produção do trabalho. Seu funciona-mento procurou imitar uma fazenda-produtiva; tinha a finalidade de fazer a integração entre a teoria e a prática/sala de aula e meio natural.

A Cooperativa Escolar se configurou enquanto uma instituição de apoio ao modelo escola-fazenda, numa perspectiva de “servir de órgão catalizador de todas as práticas educa-tivas na execução dos projetos agropecuários, promover a defesa econômica dos interesses comuns e realizar a comercialização dos produtos decorrentes do processo ensino-aprendi-zagem”. (BRASIL,1982, p.13.). Desta forma, recai a análise daprodução, que éresultante do trabalho integrado entre ensino e trabalho/sala de aula e as práticas.Está diretamente asso-ciado às cooperativas-escolas, pois era seu objetivo viabilizar a comercialização dos produtos. Marques (1993) aponta nos seus estudos alguns indicadores de necessidades das coo-perativas-escolas, caracterizadas neste estudo enquanto agência cultural. Identificou que 65% dos produtores rurais estão envolvidos em cooperativas; que a compra de insumos e a co-mercialização da produção são atividades frequentes; que a criação das cooperativas-escolas daria oportunidades de se conhecer a filosofia, estrutura e funcionamento, na realidade; que a pretensão era a de desenvolver, nos alunos o sentimento de responsabilidade, trabalho em grupo e a capacidade de liderança. (MARQUES,1993).

Observou-se a construção de um discurso para uma nova proposta de sociedade de-mocrática; aquela que valorizaria a participação, o interesse comum e a cooperação entre os grupos sociais. Notou-se naquele contexto, a forte tendência ao desenvolvimento industrial e ao método experimental, numa perspectiva de contribuir para uma escola centrada no ex-perimento, atividade e produtividade, ligada à ideia de modernização do país. Acreditava-se que naquele ensino, o aluno aprenderia o uso adequado de uma tecnologia para a agricultura. (MIZOGUCHI,1980).

É certo que é preciso fazer homens, antes de fazer instrumentos de pro-dução. Mas, o trabalho que foi sempre a maior escola de formação da personalidade moral, não é apenas o método que realiza o acréscimo da produção social, é o único método susceptível de fazer homens culti-vados e úteis sob todos os aspectos. O trabalho, a solidariedade social e a cooperação, em que repousa a ampla utilidade das experiências; a consciência social que nos leva a compreender as necessidades do

indi-víduo através das da comunidade, e o espírito de justiça, de renúncia e de disciplina, não são, aliás, grandes “valores permanentes” que elevam a alma, enobrecem o coração e fortificam a vontade, dando expressão e valor à vida humana? (MANIFESTO, 1932, p.60).

Considerações finais

O estudo em andamento, tem possibilitado algumas constatações, preliminares acerca da produção e difusão cultural do americanismo no Brasil, a partir das representações do en-sino agrícola na segunda metade do século XX, tendo como instrumento norteador, o modelo escola-fazenda. Estudo que fez uso das abordagens da História Cultura, principalmente com o rigor metodológico para as diferentes possibilidades de leitura da História da Educação.

Identificou-se que as diretrizes, os relatórios, as diretrizes de funcionamento, o manual de instrução, os decretos, os estatutos, o livro de registro dos alunos matriculados e o livro de correspondências serviram de âncora para os primeiros resultados relacionados às estratégias utilizadas pelas agências culturais, promotoras do ensino agrícola no Brasil, sob a influência do americanismo.

As principais agências de produção e difusão cultural criadas para o ensino agrícola no âmbito internacional foram: a Coordenação Nacional do Ensino Agrícola/COAGRI, as cooperativas agrícolas, Banco Mundial, as Escolas Agrícolas/MEC e sistema escola-fazenda. Estas, serviram como estratégias política e econômica de sistematização e expansão do ensino agrícola no país, a partir da segunda metade da década de 1960, implementando e acompa-nhando modelo de ensino escola-fazenda. O qual, marcou a história daquele ensino, com projetos pedagógicos, estruturação curricular e materialidade escolar, capazes de consolidar princípios e novas possibilidades de desenvolvimento no ensino agrícola

O lema “Aprender a fazer e fazer para aprender” foi interpretado na pesquisa, como um integrante pedagógico educacional do modelo escola-fazenda. Sua essência foi associada ao Movimento da Escola Nova (1930) brasileiro, que absorveu, de teóricos como John Dewey, o pragmatismo norte-americano no que se refere à valorização da educação, a partir do con-creto, dos fatos e da ação.

A Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão-SE, analisada de forma específica, foi considerada um potencial para o bom desempenho do modelo escola – fazenda: possuía grande área, cursos técnicos agrícola e de Economia doméstica, matrículas crescentes, labora-tórios em funcionamento e estrutura técnica em condições de desenvolvimento de tecnologias na área.

Considera-se ainda como desafios, as seguintes questões: Quais as possibilidades e os limites encontrados pela Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão-SE, no processo de consumo e produção cultural, oferecidos pelas agências culturais na implantação e desenvol-vimento do modelo escola-fazenda? Quais representações teóricas e de materiais escolares, fundamentaram o direcionamento deste ensino, sob o lema “aprender a fazer e fazer para

aprender”?

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