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O AGENCIAmENTO POLÍTICO DAS IDENTIDADES: AS (DES)IDENTIDADES SExUAIS E DE GêNERO COmO

POSSIbILIDADES DE ESCAPE à NORmALIZAÇÃO

Pensar o corpo lesbiano feminista masculinizado ou de homem trans e sua (des)identidade de gênero ou sexual me aproxima das teorizações queer. Para Louro (2004), o signifi- cado do termo queer pode estar também diretamente ligado aos sujeitos da sexualidade fora da norma heterossexual. Para Louro (2004, p. 7, grifos da autora):

[q]ueer é tudo isso: é estranho, raro, esquisito. Queer é, tam-

bém, o sujeito da sexualidade desviante – homossexuais, bissexuais, transsexuais, [sic] travestis, drags. É o excêntri- co que não deseja ser integrado e muito menos tolerado. Segundo Silva (2007, p. 105, grifos da autora), o termo

queer pode ser entendido como “estranho, esquisito, inco- mum, fora do normal, excêntrico”.

Com isso, não quero dizer, entretanto, que queer pode ser entendido como uma identidade. Ao contrário. A proposta é de se deslocar o pensamento. Pensar queer sobre as questões das identidades de gênero e sexuais e agenciá-las políticamente sem permitir que se transformem em essência, aprisionando e domesticando nosso modo de vida e nossas subjetividades.

Queerizar o corpo, a identidade – transformando-a em

(des)identidade, ou em identidade política, a qual pode ser acionada em determinados espaços e situações, como nas negociações de políticas públicas específicas. Queerizar o pensamento e a experiência, provocando a desestabilização das normas regulatórias de gênero e sexualidade. Fazer do corpo política para a luta específica e não prisão.

As análises de Butler (2008) sobre a assunção de um sujeito essencializado para o feminismo – as mulheres – de- monstraram que as identidades têm-se construído por meio de processos calcados pela exclusão. A autora ainda contribui com essa discussão ao fundamentar a percepção de que o su- jeito mulheres não dá conta das especificidades das mulheres lésbicas, lésbicas, negras, transexuais, travestis, dentre outras. Talvez por isso, é possível observar, ao longo da história dos movimentos sociais feministas, coletivos de lésbicas e bisse- xuais feministas que se recusaram a acolher mulheres transe- xuais em suas discussões e pautas feministas por razões como a de que seriam espiãs do patriarcado e estariam se infiltrando para melhor minar a causa original do feminismo. Ora, se es- ses processos não são excludentes e violentos, não sei como nominá-los. Talvez de teoria da conspiração?

O impressionante dessa discussão é que esse coletivo de lésbicas e bissexuais feministas, ao elaborar esses atos violentos de exclusão, não se deu conta de que a identidade de lésbicas e bissexuais feministas poderia se constituir como um agencia- mento político e não como uma forma de analisar, classificar e excluir aquelas que não são consideradas tão mulheres, nem tão lésbicas, nem tão bissexuais ou feministas. Esta análise pauta-se no binarismo, no machismo e foca-se nas supostas

genitálias e práticas sexuais que as mulheres transexuais pode- riam ter. Ora, mas não era exatamente contra esses processos excludentes que esses coletivos estavam lutando?

Situações como estas, no âmbito dos movimentos sociais organizados feministas e LGBT, são inúmeras. Em relação aos homens transexuais, por exemplo, existiu uma aproximação de um coletivo de lésbicas e bissexuais feministas, mas o diá- logo foi interrompido, em meio a protestos das mulheres lés- bicas e bissexuais feministas componentes do coletivo, ma- terializados em discursos como, por exemplo: _ Eles não são mais mulheres. São homens. Então, têm pautas específicas e devem formar um coletivo próprio. Tudo bem dialogar, mas compor não dá! O curioso é que as mulheres transexuais fo- ram excluídas pela suposta genitália que apresentam e os ho- mens pela fabricação do gênero empreendida no corpo.

Talvez pudéssemos deslocar o pensamento dessas acep- ções das diferenças. Talvez seja importante repensar as (des) identidades e a própria ação política. Para Butler (2008, p. 213): [...] [se] as identidades deixassem de ser fixas [...] e se a política não fosse mais compreendida como um conjun- to de práticas derivadas dos supostos interesses de um conjunto de sujeitos prontos, uma nova configuração po- lítica surgiria certamente das ruínas da antiga.

O que denomino de agenciamento político das identida- des ou (des)identidades, neste texto, guarda alguma relação com as reflexões elaboradas por Butler (2008) ao criticar o sujeito do feminismo, que se constituiu histórica e filosofica- mente como essência com a denominação de mulheres, ao teorizar sobre a possibilidade de criação de políticas de coa-

lizão, com todas as implicações políticas e sociais que desses processos possam decorrer (BUTLER, 2008, p. 35-37).

Nesse sentido, talvez possamos ser mais criativas/os em nossas lutas para que não empreendamos os mesmos proces- sos de exclusão que desejamos enfrentar e desconstruir. Talvez faça sentido pensar em perguntar mais sobre a nossa necessi- dade histórica de classificação e exclusão. Questionar mais so- bre as normas regulatórias e menos sobre as diferenças. Nessa perspectiva, para Veiga-Neto (2009, p. 119, grifos do autor):

[...] desse modo, a diferença está aí. Assim, talvez seja o caso de tão somente usar intransitivamente o verbo ser, dizendo simplesmente: a diferença é. Com isso, desloca- -se o problema da diferença para o problema da identi- dade: o que, então, me parece mais interessante, impor- tante e produtivo é mudar o registro e perguntar por que sempre estamos procurando critérios que funcionem como denominadores comuns, chãos comuns, que nos permitam dizer que isso é idêntico àquilo ou, pelo me- nos, semelhante àquilo. No que concerne às práticas so- ciais — e mais especificamente no campo dos saberes e práticas pedagógicas — penso que perguntas tais como

que vontade é essa de agrupar?, que poderes e correla- tos saberes são ativados por essa vontade de agrupar?

e que efeitos advêm dessa vontade de agrupar? pode- rão ser mais úteis do que simplesmente estatuir a priori que se deve ou não se deve terminar com a diferença. Talvez essa queerização do pensamento propicie uma aproximação com uma crítica radical da nomeação, pelos ou- tros – instituições, coletivos ou sujeitos – do que ou de quem somos. E possa potencializar o status criativo da experiência lesbiana feminista masculinizada e de homem trans, produ- zindo, assim, deslocamentos e desconstruções que se dirijam ao que se quer, de fato, enfrentar.

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GêNERO, DIVERSIDADE E COmUNICAÇÃO: