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As lidas das pessoas, no vai e vem do cotidiano, são orientadas por desejos, projetos e intenções, conscientes ou não. Querendo ou não, as ações das pessoas são influenciadas por imagens mentais assimiladas e desenvolvidas nas tramas do tempo e da convivência. O conjunto de imagens sociais que participam das motivações para o agir e o não-agir das pessoas, interfere sobre o sentido que se dá aos humanos. Tendo em vista a importância do imaginário na configuração

das nossas visões de mundo, cabe à reflexão o trabalho de gastar tempo sobre ele, pensando-o criticamente. Nem tudo o que acontece no mundo e com as pessoas é natural. A crítica deve subsidiar os sujeitos para que alcancem o discernimento, tendo em vista reconhecer os princípios, valores e virtudes que potencializam a construção da sociedade necessária para a vida feliz de seus componentes.

Uma sociedade orientada para proporcionar condições de vida feliz aos seus componentes deve ter em vista três setores da vida: o biológico, o social e o transcendental (este último, correspondente ao lado espiritual das pessoas, que se expressa por meio dos tipos de conhecimento). A sociedade justa garantirá condições para que seus membros alcancem o atendimento das necessidades biológicas (reprodução, moradia, vestuário, alimentação...), bem como as necessidades sociais (oportunizando meios para que os sujeitos possam conviver fraternalmente) e o acesso ao conhecimento formal e informal, de modo que os sujeitos obtenham meios de superar suas limitações (SANTOS, 1999).

Ora, a sociedade brasileira contemporânea vive na fantasia da colonialidade, caracterizada como cultura do eu. Nela, os atores sociais são estimulados a obter vantagem em tudo – a famosa lei de Gérson. As relações entre os sujeitos atingiram o perigoso estágio da banalização da injustiça social e a racionalidade instrumental; a simples relação entre meios e fins é tida, na maioria das vezes, como a grande referência de inteligência, sucesso individual e progresso coletivo. O pressuposto da eficiência e da eficácia, para o qual o importante é ser prático, e que lidar com a teoria é mera perda de tempo.

Na contramão da colonialidade, a ancestralidade africana representa a cultura da promoção do bem-estar coletivo, é

cultura que leva à filosofia do nós. As pessoas ocupam o lugar mais elevado na ordem do ser. Entretanto, isto não indica que sejam superiores, mas que são chamadas a cuidar da vida, pois as mulheres e os homens, em suas diversidades sexuais, são seres qualificados para exercer a prática do cuidado.

Considerando que a colonialidade consiste no legado colonial que renova os ditames do capital em escala global, a ancestralidade africana pode ser tomada como um princípio de esperança e fé na bondade da vida, capaz de contribuir para uma efetiva virada descolonial. A atividade educacional pode crescer na sensibilização para a sociedade emancipada de mulheres e homens em suas diversidades sexuais, destinados à felicidade biológica, social e espiritual.

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“mADAmE SATÃ!”: AS (Im)POSSIbILIDADES DE

OLhARES SObRE GêNERO, SExUALIDADE E ETNIA

Alex Ribeiro Nunes Andrêsa Helena de Lima

INTRODUÇÃO

O presente capítulo problematiza algumas temáticas que emergem do filme Madame Satã, do diretor Karim Aïnouz. Baseado em fatos reais, o longa-metragem conta a história do pernambucano João Francisco dos Santos (1900-1976), rebatizado com o apelido de Madame Satã. Negro, boêmio, homossexual, pai adotivo que se tornou lenda em um famoso bairro carioca – a Lapa, considerado reduto de malandros. A película, com seu cenário e personagens, nos apresenta pos- sibilidades de pensarmos e repensarmos a construção das manifestações culturais, e, ainda, nas relações de gênero, se- xualidades, raça e etnia, trazendo como principal fato as re- lações estabelecidas naquele bairro pelas figuras que ali cir- culavam e se entrelaçavam: os malandros, as prostitutas, os trabalhadores, os negros e brancos, os pobres, os homossexu- ais, rendendo-se e se permitindo prazeres, desejos e excessos nas noites daquele reduto boêmio carioca. O filme nos apre- senta, ainda, a possibilidade de discutirmos aspectos como as

relações de poder e as resistências a partir das cenas que atra- vessam as histórias dos personagens que constituem a trama. Problematizar algumas destas cenas emerge como oportuni- dade de desconstrução e construção de conhecimentos, com vistas a percebermos este texto cultural como um artefato para nos aprofundarmos nas temáticas de gênero, sexualida- des, raça e etnia. A análise realizada baseou-se nos estudos pós-estruturalistas que nos instigam a pensar as temáticas aqui explicitadas e construirmos novos olhares.

mADAmE SATÃ E A POSSIbILIDADE DE