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GêNERO E DIVERSIDADE NO âmbITO DA COmPLExIDADE

O objetivo deste capítulo é trazer uma contribuição para o entendimento das inter-relações de gênero, diversidade e comunicação nas tessituras de ser e amar, com base em uma perspectiva transdisciplinar e de sua complexidade.

Embora haja certos padrões entre os seres humanos que possibilitam assim caracterizá-los, há inúmeras diferenças que tornam cada ser humano irredutivelmente singular e si- multaneamente pertencente à unidade da humanidade.

Do mesmo modo, a cultura e a identidade são singula- res a cada ser humano, embora dinamicamente compostas na inter-relação social e ecossistêmica.

A cultura pode ser compreendida como um conjunto de respostas materiais e espirituais que o ser humano apresenta diante das necessidades e desafios que enfrenta individual e socialmente, compondo dinamicamente seu modo de viver, seus valores e sua mentalidade, alcançando novos significados e sentidos para a sua vida, o que contribui para o ampliar con- tinuamente seu acervo de conhecimento, seus conceitos, suas

percepções e sua consciência sobre seu ser em si, os outros se- res, a humanidade, o ecossistema e os polissistemas culturais.

No que se refere a gênero, este é significado cultural- mente e continuamente (re)produzido e difundido por meio de sistemas de representação e significação.

Observa-se que, ainda com frequência, tem-se associado gênero à interpretação cultural de sexo dos corpos, baseada em uma categorização binária – de sexo feminino e masculi- no – segundo a qual outras categorias, não menos reducionis- tas e excludentes, são estabelecidas, tais como: homossexual, intersexual, transexual, dentre outras.

Como afirma Butler (2003, p. 24): “Se o gênero são os sig- nificados culturais assumidos pelo corpo sexuado, não se pode dizer que ele decorra de um sexo desta ou daquela maneira”.

[...] não faz sentido definir o gênero como a interpretação cultural do sexo. O gênero não deve ser meramente con- cebido como a inscrição cultural de significado num sexo previamente dado (uma concepção jurídica); tem de de- signar também o aparato mesmo de produção median- te o qual os próprios sexos são estabelecidos (BUTLER, 2003, p. 25).

No âmbito da complexidade e hipercomplexidade da vida, entende-se que qualquer classificação e categorização de gênero acaba por reduzi-lo, quando caberia compreendê- -lo no âmbito de sua diversidade.

Gênero pode ser compreendido como uma condição, uma orientação do espírito, tão diversa e singular quanto é cada ser, e não uma opção sexual, como erroneamente mui- tos ainda consideram. Manifesta de modos diversos na mate-

rialidade, o que muitas vezes acaba confundindo seu agente (o espírito) com seu suporte (o corpo físico, a aparência...).

A perspectiva da complexidade contribui em tal entendimento, possibilitando contextualizar e inter-relacionar certezas e incertezas, a singularidade e a universalidade, a separabilidade e a inseparabilidade, sendo princípios orientadores para tal, segundo Morin (2000 apud MORIN; LE MOIGNE, 2000, grifos do autor):

a) O princípio sistêmico ou organizacional que liga o conhecimento das partes ao conhecimento do todo. b) O princípio “hologramático” coloca em evidência

esse aparente paradoxo dos sistemas complexos em que não somente a parte está no todo, mas em que o todo está inscrito na parte.

c) O princípio do círculo retroativo [...] rompe o prin- cípio da causalidade linear: a causa age sobre o efeito e o efeito sobre a causa.

d) O princípio do círculo recursivo ultrapassa a noção de regulagem para a de autoprodução e auto-organi- zação. É um círculo gerador no qual os produtos e os efeitos são eles próprios produtores e causadores da- quilo que os produz.

e) O princípio da auto-eco-organização: autonomia e dependência. Os seres vivos são seres auto-orga- nizadores que se autoproduzem ininterruptamente e gastam energia para salvaguardar sua autonomia [...]. O princípio da auto-eco-organização vale, evidente- mente, de maneira específica, para os humanos que desenvolvem sua autonomia, dependendo da sua

cultura, e para as sociedades que dependem do seu meio ambiente geoecológico.

f) O princípio dialógico [...] une dois princípios ou no-

ções que devem excluir-se um ao outro, mas são in- dissociáveis numa mesma realidade [...]. Sob as mais diversas formas, a dialógica entre a ordem, a desor- dem e a organização, através de inumeráveis inter-re- troações, está constantemente em ação nos mundos físico, biológico e humano.

g) O princípio da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento. Esse princípio opera a restaura- ção do sujeito e torna presente a problemática cognitiva central: da percepção à teoria científica, todo conheci- mento é uma reconstrução/tradução por um espírito/ cérebro numa cultura e num tempo determinados. Os sistemas hipercomplexos, por sua vez, são sistemas abertos, sujeitos a fatores de probabilidade, indeterminação, incerteza. Neles, os erros não são deletérios, mas sim possi- bilidades de auto-organização e transformação qualitativa (MORIN, 1973).

A lógica do terceiro incluído (LUPASCO, 1951 apud NI- COLESCU, 2002, p. 28) amplia a percepção contraditória e re- ducionista do par binário (A, não A) para, à luz da física quântica, compreender o axioma da tríade (A, não A e T) não contraditó- ria e coexistente no tempo. Além disso, possibilita compreender a diversidade e a singularidade de cada ser humano e, simulta- neamente, seu pertencimento essencial à humanidade.

Esses conceitos são fundamentais para se compreender a diversidade e o livre-arbítrio de cada pessoa no âmbito de

um sistema cultural que compreende valores, mentalidades, conhecimentos, saberes, condutas, contingências, inter-re- lações e interdependências, demandando responsabilidade pelas decisões e possíveis desdobramentos destas, bem como cuidado consigo mesmo, com o próximo, com o conjunto da humanidade e, em um sentido mais amplo, com todo o ecos- sistema e os polissistemas culturais.

Nas experiências, vivências e convivências, cabe o exer- cício do livre-arbítrio de cada ser humano, limitado pelo livre- -arbítrio dos outros, do seu acervo de conhecimento e cons- ciência, bem como pelos contextos ambientais, culturais, sociais, econômicos, políticos e pelas contingências, dentre outros fatores.

A autodeterminação possibilita ao ser humano traçar seu próprio caminho, conduzir sua vida sem atrelar-se a um destino predeterminado, fazendo jus a sua inteligência, ao seu conhecimento, a sua consciência e aos seus esforços para autoconhecer-se e aperfeiçoar-se continuamente e interagir com consciência no mundo.

Tal perspectiva é essencial na tessitura de relações so- ciais com respeito à diversidade e singularidade de cada ser humano e isentas de quaisquer formas de desrespeito à vida, tais como: a discriminação, a exclusão, o preconceito, o racis- mo, a xenofobia e a violência.