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PARTE I – REFORMA AGRÁRIA E MEIO AMBIENTE:

3. SUSTENTABILIDADE NO MEIO RURAL

3.4 AGRICULTURA SUSTENTÁVEL

Até meados dos anos 1980, a proposição de uma agricultura alternativa ao modelo vigente padecia de descrédito por grande parte dos técnicos e pesquisadores. Ao final dessa década, em virtude da intensificação das discussões por um desenvolvimento sustentável, inicia-se o debate para inserir a dimensão da sustentabilidade na esfera da agricultura (CARMO et al., 1995). A insatisfação com o status quo da agricultura moderna passou então a atrair a atenção de um número crescente de produtores e pesquisadores que contribuíram para a disseminação do termo agricultura sustentável (EHLERS, 1999).

O qualificativo sustentável para a agricultura tem diversas conotações a depender do grupo social que o utiliza (CARMO et al., 1995). Apesar de se diferenciarem quanto à ênfase em determinados aspectos, as diversas definições dadas à agricultura sustentável têm em comum o fato de se traduzirem “na visão de um sistema produtivo de alimentos e fibras que garanta:

ƒ A manutenção, a longo prazo, dos recursos naturais e da produtividade agrícola; ƒ O mínimo de impactos adversos ao ambiente;

ƒ Retorno adequado aos produtores;

ƒ Otimização da produção com um mínimo de insumos externos; ƒ Satisfação das necessidades humanas de alimentos e renda;

ƒ Atendimento às demandas sociais das famílias e das comunidades rurais” (VEIGA et al., 2000:57).

Na década de 1970, na tentativa de estabelecer uma base teórica para os movimentos alternativos ao sistema convencional de produção, surge a Agroecologia. Essa nova ciência estuda o funcionamento dos agroecossistemas e suas interações, visando minimizar a artificialização do ambiente natural e permitir que haja uma auto-regulação dos sistemas agrícolas (ASSIS, 2006). Nesse sentido, a Agroecologia pode ser vista como uma importante ferramenta para o alcance da sustentabilidade na agricultura.

Em sua obra Agroecologia – bases científicas para uma agricultura sustentável, Altieri (2002) assinala que a principal estratégia deve consistir em restaurar a diversidade agrícola. Isso decorre do fato de que a biodiversidade desempenha diversos serviços ecológicos essenciais. Para o autor, os componentes básicos de um agroecossistema sustentável são:

ƒ Suprimento regular de matéria orgânica e promoção da atividade biológica do solo;

ƒ Práticas de reciclagem de nutrientes como rotação de culturas, sistemas agroflorestais, consórcio com leguminosas, integração de plantio e produção animal;

ƒ Controle de pragas, por meio de controle biológico e manejo da biodiversidade; ƒ Uso múltiplo da paisagem;

ƒ Manutenção da produção agrícola sem a utilização de insumos químicos que causem degradação.

A busca por modelos de agricultura sustentável precisa congregar elementos da agricultura tradicional com o moderno conhecimento científico (ALTIERI, 2002). Além disso, o desenvolvimento de tecnologias de menor impacto ambiental deve estar baseado nas condições edafoclimáticas em que serão empregadas, pois o que funciona em determinado ambiente agropecuário não necessariamente funciona em outro (MARQUES, 2001).

O paradigma da sustentabilidade na agricultura consiste em não segregar a base tecnológica da base social e trabalhar ao máximo com o ecossistema natural, ao invés de substituí-lo artificialmente por outro. A busca por soluções para o gerenciamento do ecossistema deve estar associada ao conhecimento e à participação da população local (SACHS, 1996). De acordo com Marques (2001), não há como viabilizar uma agricultura sustentável sem que haja uma grande soma de atores envolvidos em um contínuo processo de aprendizado.

Segundo Altieri (2002), uma notável dificuldade na implantação de uma agricultura sustentável está no fato de que parte das instituições públicas e o mercado têm preconceitos contra esse modelo. A incorporação dos preceitos ecológicos nos sistemas agrícolas é dificultada pela atual estrutura da agricultura empresarial e a organização da pesquisa agrícola, cujo enfoque é o curto prazo e a modificação freqüente das tecnologias em uso. É difícil as empresas agrícolas investirem em tecnologias sustentáveis que não proporcionem lucros imediatos.

O que está em jogo são os mecanismos de apropriação dos lucros de qualquer novidade tecnológica que possa abalar o atual modelo concentrador. A questão ambiental embora tenha adquirido papel importante nas decisões de alterar o padrão tecnológico, não pode colocar em risco as relações sociais de privilégios já estabelecidas (CARMO et al., 1995:25).

Algumas tecnologias que causam menos impactos ambientais começam a ser usadas também pelos segmentos empresariais da agricultura como o manejo integrado de pragas, o plantio direto e a adubação com resíduos orgânicos agroindustriais, como a vinhaça. A adoção dessas práticas deve-se em parte ao fato de não colocarem em risco o padrão monocultural e concentrador da moderna agricultura (CARMO et al., 1995). Entretanto, é preciso ter em mente que esse padrão de produção está longe de alcançar a sustentabilidade.

Os pré-requisitos para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável não são apenas biológicos ou técnicos, mas também sociais, econômicos e políticos, ilustrando as exigências necessárias à sociedade sustentável. É inconcebível promover mudanças ecológicas no setor agrícola sem advogar mudanças compatíveis noutras áreas correlacionadas da sociedade. O mais importante pré-requisito da agricultura ecológica é um ser humano evoluído e consciente, cuja atitude com respeito à natureza seja de coexistência e não de exploração (ALTIERI, 2002:560).

Dessa forma, para a promoção da sustentabilidade na agricultura, além do desenvolvimento e da difusão das tecnologias agroecológicas, são necessárias mudanças nas prioridades da pesquisa, na política agrícola e agrária e no sistema econômico, com relações mais justas de mercado (ALTIERI, 2002). Nesse sentido, a principal contribuição do movimento por uma agricultura sustentável não está especificamente na adoção de novas tecnologias, mas na criação de uma nova relação homem-natureza e na produção de novos valores (SILVA, 1995).

A democratização das políticas públicas representa um caminho promissor para a construção de um desenvolvimento que seja sustentável não só do ponto de vista ambiental, social e econômico, mas sustentável inclusive politicamente (SILVA, 1995). O desafio maior do governo é criar canais por onde possam fluir as reivindicações da comunidade local, e não apenas da elite local, transformando-as em reivindicações de políticas públicas que buscam a sustentabilidade (CARVALHO, 1996).

Tendo em vista que a busca da sustentabilidade da agricultura passa necessariamente pela arena política, Carmo et al. (1995) apontam que é preciso retomar as discussões sobre agricultura familiar, segurança alimentar e reforma agrária. Para os autores, a agricultura sustentável só tem sentido se privilegiar as diversidades biológica e social.

A agricultura familiar pode representar o locus ideal ao desenvolvimento da sustentabilidade no meio rural. A mesma apresenta condições potenciais para operar em menores escalas, com diversificação e integração das atividades agrícolas e pecuárias, além da

associação entre trabalho e gerenciamento da propriedade. Entretanto, para isso é necessário que a agricultura familiar seja alvo de uma política estruturada direcionada ao alcance da sustentabilidade (CARMO et al., 1995).

A segurança alimentar, entendida como a produção de alimentos equivalente às necessidades da população, é incompatível com um modelo de desenvolvimento concentrador como o sistema de produção da moderna agricultura. As formas sociais de se produzir no campo tornam excludentes grandes contingentes de pequenos agricultores que, por vezes, nem conseguem garantir a subsistência de sua família (CARMO et al., 1995).

Nesse sentido, Carmo et al. (1995) afirmam que a mudança na estrutura da posse e uso da terra no Brasil ocupa papel de destaque. Segundo os autores, a constituição de um modelo sustentável no campo requer, além das alterações nas tecnologias agronômicas, uma política de reforma agrária e segurança alimentar que permitam o acesso democrático aos meios de produção e promovam a desconcentração da renda.

Se a reforma agrária é colocada como um dos caminhos necessários para a sustentabilidade, é preciso aprofundar nessa análise e verificar como está sendo realmente implementada essa política. Caso a reforma agrária esteja buscando meramente a mudança na estrutura de posse da terra e a viabilidade econômica dos agricultores assentados, sem incorporar a variável ambiental em suas ações, ela estará contribuindo, embora em escala distinta, para a reprodução do mesmo modelo insustentável de desenvolvimento.

Portanto, faz-se necessário refletir, dentre outros aspectos, qual é a relação da Política de Reforma Agrária com a questão ambiental, que é um dos pilares fundamentais da sustentabilidade. No próximo capítulo, será apresentado o processo histórico e atual de implantação dessa política com foco na dimensão ambiental.