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Rodica Weitzman1

1. Introdução

Este texto apresenta a experiência da Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas (Rede), organização não-governamental atuante em realidades rurais, desde 1986, e urbanas, a partir de 1995. O projeto em tela, conduzido entre 2002 e 2004, teve como principal objetivo a constru- ção e a implementação de um modelo de formação em segurança alimentar e nutricional (SAN), direcionado para as áreas leste e nordeste da região metropolitana de Belo Horizonte (Minas Gerais), com base no desenvolvi- mento de metodologias participativas de educação popular, para subsidiar os processos organizativos das comunidades e a relação destas com o de- bate e formulação de políticas públicas.

A construção metodológica observada durante o período de execução do projeto para desencadear um processo de formação desses(as)

educadores(as) comunitários(as) implicou na inclusão de temas comuns e/

ou transversais ao tema central (SAN). Em destaque, cita-se: • a opção pelos princípios agroecológicos de produção;

• a análise das relações de gênero nos processos educativos e organizativos;

• o fortalecimento das parcerias com poderes locais, pela constituição de redes locais de desenvolvimento;

• o protagonismo de membros das comunidades, com capacidade de in- centivar dinâmicas locais de aprendizagem, experimentação e criação coletiva de novas idéias, práticas e produtos;

• a maior autonomia dos educadores(as) comunitários(as) no processo de sistematização, avaliação e monitoramento dos impactos do traba- lho e na divulgação dessas informações por vários meios de comunica- ção social; e

• a integração entre diferentes temáticas, na busca de um tratamento multidisciplinar.

O conjunto desses elementos e os resultados obtidos até então carac- terizam o diferencial do projeto enquanto uma metodologia inovadora de formação que contribui para a construção de relações de parceria entre a sociedade civil e os poderes públicos, com o intuito maior de contribuir no debate, elaboração e implementação de políticas públicas urbanas.

2. Construção de projetos e políticas de segurança alimentar e

nutricional (SAN)

Diante do quadro de desnutrição e fome existente nas comunidades do campo e da cidade, a pergunta que hoje é colocada para os movimentos sociais e governo é: quais são os caminhos que devemos trilhar para en- frentar a insegurança alimentar e nutricional? Para chegar à resposta, é importante entender como tem sido a construção e a apropriação do con- ceito de segurança alimentar e nutricional (SAN) por parte da sociedade civil e quais são as abordagens metodológicas utilizadas para tratar desse conceito nos trabalhos educativos e organizativos.

Durante muitos anos, no mun- do inteiro, o debate sobre o con- ceito ficou restrito ao argumento de que o aumento na produção de ali- mentos poderia combater a fome da população mundial, que não para- va de crescer. Como conseqüência, o foco principal estava na preocu- pação com a capacidade de cada país para abastecer sua população. Ao longo dos anos, com o aumento de doenças carenciais e crônicas não-transmissíveis na população brasileira, os movimentos e organi- zações da sociedade civil começaram a discutir as causas dessas doenças, incorporando outros aspectos, tais como: acesso aos alimentos; condi- ções de seu preparo; aspectos nutricionais, culturais e socioambi- entais. Assim, a interiorização e am-

Plantio na laje da casa da Rose, integrante do Proje- to de Formação de Educadores(as) Comunitários(as) em Agricultura Urbana e Segurança Alimentar e Nutricional no Bairro de Capitão Eduardo (BH/MG)

pliação do conceito de SAN por parte da sociedade civil e do governo têm provocado discussões sobre a necessidade de desenvolver projetos espe- cíficos que abordem as causas geradoras e estruturais da insegurança ali- mentar e nutricional, por meio de estratégias de conscientização e formação. Se nosso objetivo é provocar mudanças nas comunidades em que atu- amos, é importante incentivar momentos de análise coletiva das questões mais relevantes em dada realidade por meio dos processos educativos e organizativos. Como assessores(as) e educadores(as) populares, nossa fun- ção deve ser a de fomentar o cultivo de uma consciência crítica nos partici- pantes, a partir de uma postura questionadora. Para esse fim, é fundamen- tal que re-eduquemos nosso olhar sobre o tema de SAN, buscando compre- ender as várias dimensões desse conceito abrangente e suas conexões com outros temas geradores que têm importância na vida das comunidades.

As várias causas e facetas do fenômeno de insegurança alimentar pre- cisam ser discutidas e analisadas para coletivamente construirmos alterna- tivas que não simplesmente satisfaçam demandas imediatas, mas que es- trategicamente busquem transformações na realidade vivida, a partir das percepções e vivências de cada ator social. Entre as alternativas apresenta- das para o meio urbano, a agricultura urbana merece ser reconhecida en- quanto um eixo central do desenvolvimento sustentável e da segurança

Uso de tecnologias alternativas para plantio na casa do Sr.Geremias no Bairro de Taquaril (BH/MG)

alimentar e nutricional e incorporada em projetos, programas e políticas existentes nas cidades.

Até recentemente, acreditava-se que a agricultura em geral e a produ- ção de alimentos que abastecia as populações urbanas só eram realizadas no campo. Mas a agricultura urbana é uma prática antiga, embora só agora tenha despertado o interesse de pesquisadores, governos locais, ONGs e movimentos sociais. Hoje, tem-se detectado o fenômeno de um número crescente de moradores urbanos que se dedicam às atividades agrícolas, especialmente nos países menos desenvolvidos. Dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da Organização das Na- ções Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estimam que cerca de 800 milhões de pessoas se dedicam à agricultura urbana e desempenham um importante papel na alimentação das cidades em todo o mundo.

A hipótese de que a agricultura urbana possa ser uma estratégia efi- caz para solucionar um leque de questões socioambientais tem sido a base para o desenvolvimento de experiências locais em SAN. Nesse senti- do, as metodologias empregadas sempre procuraram estabelecer uma conexão mais estreita entre as práticas alimentares saudáveis e a vivência

da agricultura urbana, como forma de dar resposta para as causas gerado-

ras do estado de insegurança alimentar em que se encontram as áreas urbanas, onde existe um alto índice de fome, desnutrição e doenças crô- nicas-degenerativas. Para tanto, tem sido importante investir em proces- sos de experimentação e monitoramento de tecnologias adaptadas para plantio em espaços urbanos que possam maximizar a produção de ali- mentos saudáveis e demonstrar os vários benefícios dessa prática no con- texto das comunidades locais.

Dessa forma, a experiência de implementação de um projeto de forma- ção em SAN e agricultura urbana no período entre 2002 e 2004 apostou no seguinte desafio: demonstrar a viabilidade dessa prática, tanto em termos tecnológicos (o uso de tecnologias adaptadas para espaços pequenos) quan- to em termos metodológicos (o uso de metodologias de trabalho que pos- sibilitem o protagonismo dos atores locais e seu engajamento em práticas inovadoras de agricultura urbana e SAN). Acredita-se que, a partir do mo- mento que a agricultura urbana ganha credibilidade por ter experiências- piloto bem-sucedidas, o tema passa a ser uma força aglutinadora para os diversos movimentos sociais e setores de poder público, tanto em nível local quanto regional, estadual e nacional, possibilitando assim uma maior união entre diversos setores em torno de uma agenda em comum.

3. Relato de uma experiência-piloto: Projeto de Formação em

Segurança Alimentar e Nutricional nas regiões leste e nordeste de

Belo Horizonte.