• Nenhum resultado encontrado

O aumento de escala geográfica e social do programa (desde 2002)

3. Alguns ensinamentos

A trajetória evolutiva do Programa de Desenvolvimento Local da AS- PTA no agreste da Paraíba é rica em ensinamentos relacionados ao método para a promoção da Agroecologia. No curso dos 14 anos de atuação, logra- mos exercitar na prática o que inicialmente estava presente unicamente em nossa retórica discursiva, ou seja, a necessidade de valorizar conhecimen- tos populares, de promover o diálogo de saberes, de apreender a realidade pelo enfoque sistêmico, etc. Fizemos isso ao escapar do positivismo lógico das abordagens difusionistas engendradas, em princípio, para modernizar a agricultura.

Se houvéssemos que singularizar essa evolução em uma idéia sintetizadora, diríamos: recolocamos as técnicas no universo histórico-cultu-

ral das comunidades. Essa idéia-chave realça o caráter eminentemente ins-

trumental das técnicas, ou seja, o fato de que elas são apenas meios para o alcance de fins predeterminados. Como produto da cultura, elas devem ser concebidas como o resultado de um processo de invenção local destinado a resolver problemas específicos e criar melhores condições de bem-estar em um determinado contexto histórico.

As abordagens difusionistas não fazem outra coisa que não esterilizar a criatividade local, levando as comunidades a uma situação de passivida- de frente à inovação que lhes chega pelas mãos de profissionais (ou agri-

cultores profissionalizados) para isso designados. Dessa forma, a tecnologia passa a ser encarada como um fim em si, deixando à sombra os obs- táculos que se antepõem à satisfação das necessidades efetivas das comunidades e à realização dos seus projetos de futuro.

As evidências que foram se acumulando no decorrer dos anos de convivência com os grupos de agricultores-experimentadores nos permitiram adquirir essa compreensão crítica sobre o equívoco fundamental que orientava originalmente nossas metodologias de intervenção. Desde então, ficou claro que deveríamos agir em benefício da canalização dos impulsos criativos presentes nas comuni- dades para que as mesmas pudessem se mobilizar para enfrentar seus obs- táculos e realizar suas potencialidades.

Além de conduzir a mudanças significativas em nossas relações com os grupos de experimentadores, a incorporação dessa compreensão foi fun- damental para que pudéssemos melhor operacionalizar o próprio conceito de Agroecologia em nossas estratégias. Por meio do enfoque sistêmico apli- cado à descrição e análise dos agroecossistemas regionais, passamos a com- partilhar com os grupos de agricultores-experimentadores a elaboração de estratégias para a transição agroecológica fundamentadas na valorização dos recursos localmente disponíveis, entre eles a inteligência criativa para gerar novas técnicas e formas de organização.

A construção dos fundamentos de um novo método de atuação pela equipe da AS-PTA significou um verdadeiro desbloqueio em nossa forma de perceber a realidade em que atuávamos. Essa nova percepção foi funda- mental para que pudéssemos desenvolver na prática metodologias e ins- trumentos para a operacionalização desses fundamentos. Entretanto, essa trajetória não teria sido possível se algumas condições que dispusemos não estivessem presentes. Entre elas, cabe destacar:

a) Relativa estabilidade da equipe: a maior parte da equipe da AS-PTA está integrada à entidade desde os primeiros anos de operação do progra- ma. Uma equipe com alta rotatividade de seus membros dificilmente

Agricultor apresenta o sistema de manejo da água em sua propriedade

haveria construído a coesão interna e o acúmulo de referências necessário para colocar suas estratégias de intervenção em constante questionamento. b) Realização sistemática de diagnósticos e de análises críticas sobre as

estratégicas de intervenção: ter dedicado tempo para descrever e anali-

sar a realidade e a nossa intervenção sobre ela manteve a equipe em constante estado de inquietação intelectual.

c) Busca de referências externas: mais do que responder às nossas dúvi- das metodológicas, técnicas e organizacionais, as reflexões realizadas pela equipe nos ajudavam a sistematizá-las. Para respondê-las (ou pelo menos buscar pistas para as respostas) mantivemos, desde a inaugu- ração do programa, uma intensa agenda de intercâmbios com outras organizações que desenvolviam ações em temas de nosso interesse específico. Essa foi a razão pela qual, ao longo de nossa trajetória, estabelecemos interações com muitas ONGs e instituições de pesquisa nacionais e internacionais.

d) Valorização dos acúmulos das fases anteriores nas estratégias das fases

subseqüentes: nossa trajetória evoluiu sem rupturas, ou seja, sem mu-

danças bruscas nas rotinas operacionais que pudessem comprometer o caráter cumulativo do processo em construção. Para tanto, foi essen- cial valorizar nas práticas que abandonávamos os elementos úteis que seriam necessários para a renovação de enfoque. Por exemplo: dos gru-

pos de interesse para as redes de agricultores-experimentadores muda-

mos a concepção da interação, mas não necessariamente a composição dos grupos. Dos primeiros, nasceram os últimos.

e) O financiamento do programa: embora venham assumindo crescente im- portância em nossos orçamentos, cabe frisar que os financiamentos viabilizados por projetos rigidamente amarrados a matrizes lógicas e/ ou a objetivos predeterminados pelos financiadores retiram parte im- portante da flexibilidade necessária para programas dessa natureza. No entanto, durante os 14 anos da trajetória descrita, a AS-PTA contou com parcerias importantes que viabilizaram financeiramente o progra- ma. Os recursos institucionais relativamente flexíveis aportados por essas parcerias foi uma condição indispensável para que pudéssemos atualizar criativamente nossas estratégias de intervenção, de forma a nos mantermos sintonizados com as dinâmicas sociais que, afinal, jus- tificam a existência do programa.

1Engenheiro agrônomo, diretor executivo da AS-PTA.

2Engenheiro agrônomo, coordenador de Programa de Desenvolvimento Local do

Agreste da Paraíba.

3As notas desse evento foram elaboradas por Paulo Petersen. Dele participaram os

seguintes membros da equipe local da AS-PTA: Luciano Silveira, Roberval Silva, José Camêlo da Rocha, Marilene Melo, Paula Almeida, João Macedo e Francisco Nogueira.

4As notas desse evento foram elaboradas por Francisco Nogueira.

5As razões para a implantação do programa na região e a sua trajetória evolutiva

inicial estão apresentadas em SIDERSKY, P. ; SILVEIRA L. Experimentar com agri- cultores: a experiência da AS-PTA na Paraíba. In: GUIMARÃES FILHO, C; ANDREOTTI, C.M. (Ed.). Metodologias de experimentação com agricultores. Brasília: Embrapa Comunicação para transferência de tecnologia, 2001. p. 33-58.

6Alguns grupos de interesse e as respectivas inovações experimentadas por eles são:

a) grupo terra forte: cultivo em aléias com gliricídia e introdução de guandu no roçado como adubo verde; b) grupo de bananicultores: adubação verde nos bana- nais com crotalária, calopogônio, etc, e controle do moleque da bananeira; e c) grupo sobre alimentação animal: introdução de novas espécies forrageiras e novas formas de armazenamento de forragem (fenil, silo em tambor, etc.).

7O relatório dessa viagem está disponível no Centro de Documentação da AS-PTA e

apresenta um conjunto de reflexões realizadas à época, em particular no que se refere ao significado das experiências visitadas para os programas locais da entidade.

8Para essa ocasião foi elaborado um texto de subsídio denominado Gestão do

conhecimento agroecológico: notas para reflexão interna (também disponível no

Centro de Documentação da AS-PTA).

9O exercício partiu da descrição dos agroecossistemas e de suas evoluções recen-

tes para, em seguida, identificar as relações funcionais que respondem pelas suas racionalidades técnicas e econômicas.

10O método da modelagem é próprio para organizar conhecimentos de sistemas

informacionais complexos, como são os agroecossistemas. O grau de subjetivida- de envolvido na elaboração dos modelos é tão grande e o método é reconheci- damente tão empírico que não há dúvidas quanto ao caráter provisório das conclusões dele advindas. Essas conclusões devem ser encaradas, literalmente, como hipóteses de trabalho, partindo do que se sabe até o momento, mesmo que isso possa significar muito pouco. Enfim, para que o método seja realmente útil, torna-se necessária a permanente revisão das hipóteses subjacentes aos modelos.

11Para conhecer esse estudo veja Sabourin, E. Manejo da inovação na agricultura

familiar do Agreste da Paraíba: o sistema local de conhecimento. In: Silveira, L.; Petersen, P.; Sabourin, E. Agricultura familiar e agroecologia; avanços a partir do Agreste da Paraíba. Rio de Janeiro, AS-PTA, 2002. p. 177-199

12O livro Agroecologia e agricultura familiar: avanços a partir do agreste da Paraíba

apresenta o conjunto de resultados de pesquisa obtidos até o ano de 2002. Apresenta também uma reflexão sobre os desafios e as oportunidades vivenciados no exercício de interação da pesquisa científico-acadêmica nos processos locais de inovação agroecológica.

13Para conhecer em mais detalhes esse processo leia o artigo A sistematização no

fortalecimento de redes locais de inovação agroecológica, publicado na Revista Agriculturas, v.3, n. 1.

14Algumas entidades de assessoria parceiras da AS-PTA também realizaram estudos

com base no termo de referência metodológico proposto pela AS-PTA. Para co- nhecer mais sobre esses estudos e sua metodologia veja a Revista Agriculturas

15Nessa ocasião o STR de Lagoa Seca convocou uma reunião com sindicalistas da

região e com a direção da Fetag-PB para apresentar os trabalhos que vinha desenvolvendo no município.

16Atualmente são cinco as comissões temáticas: recursos genéticos, recursos

hídricos, saúde e alimentação, criação animal e cultivos ecológicos.

17As principais parcerias celebradas com o Estado foram as seguintes: Programa

Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC), do Ministério do Desenvolvimento Social; aquisição de sementes agroecológicas de culturas alimentares e forrageiras para os bancos de sementes e aquisição de alimentos agroecológicos para a merenda escolar do Programa de Aquisição de Alimentos da Conab; Programa de Fortale- cimento dos Fundos Rotativos Solidários do Banco do Nordeste e PRONAF Capacitação; e Pronat Território com o Ministério do Desenvolvimento Agrário.