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Desenvolvimento da Pesquisa Participativa

Para fazer a experimentação, sentiu-se a necessidade de melhor avaliar o material genético de cana que os agricultores possuíam. De- pois de discutir de forma conjunta os objetivos da experiência, che- gou-se à conclusão de que utilizaríamos as melhores cultivares identificadas entre as já existentes, mas também algumas oriundas de centros de pesquisa. A partir do resgate de 22 cultivares de quatro as- sociações de agricultores e do Centro de Pesquisa para a Agricultura Familiar da EPAGRI, de Santa Catarina, foi implantada uma área experi- mental na Associação de Agricultores Familiares Agroecológicos de Cam- po Alegre, município de Barra do Rio Azul (RS).Hoje essa associação é também uma filial da Cooperativa dos Agricultores Familiares Ecologis- tas Solidários (Cooperfas). A área experimental contém 10 blocos de cada cultivar, distribuídos ao acaso, para testar cinco épocas diferentes de corte durante o ano, com duas repetições em cada corte, sendo ava- liados aspectos como: capacidade de rebrote; produção de massa aproveitável; rendimento de caldo; comprimento do entrenó; nível de sacarose; resistência a geadas; entre outros. Essas variáveis foram defi- nidas pelos próprios agricultores como sendo importantes para melho- rar a condução do canavial.

O acúmulo existente entre os agricultores, principalmente com relação à organização, facilitou muito a busca por soluções para os desafios im- postos por questões tecnológicas de produção, industrialização e mercado, bem como de gestão. Para isso, foram realizados intercâmbios e troca de experiências com agricultores de outras regiões. No sudoeste do Paraná, por exemplo, procuramos assimilar os métodos de cultivo, de industrializa- ção e seus equipamentos. Na serra no Rio Grande do Sul, nos interessavam os formatos utilizados na organização para a agregação de valor por meio da industrialização. Finalmente, em Minas Gerais, conhecemos melhores equi- pamentos, como moenda equipada com picador de resíduo e tachos de fervura com melhor desempenho.

De forma paralela, foram realizados cursos de aprofundamento, monitoramento e avaliação da experiência, qualificando de forma contínua os métodos de gestão das agroindústrias, do processo industrial e do aces- so ao mercado.

A experiência é fruto das discussões realizadas com os agricultores inte- ressados e suas organiza- ções, grupos informais e associações, identifican- do seu potencial regional a partir do clima, solo, diversidade, capacidade produtiva, de mercado e principalmente do saber acumulado pelos agricul- tores e da sua opção pelo resgate desse saber.

É preciso ressaltar que a valorização da soberania alimentar foi mantida como prioritária por ser um aspecto relevante para a saúde da família, bem como uma ferramenta importante para o aumento da biodiversidade. Para isso, foi garantido o equilíbrio entre a produção em uma certa escala de produtos oriundos de uma única cultura e a diversidade necessária ao equi- líbrio ambiental e à boa alimentação das pessoas.

O domínio da cadeia produtiva da cana-de-açúcar busca a sustentabilidade, baseada na produção e pesquisa agroecológica, na agre- gação de valor pela industrialização e o acesso ao mercado nas suas diver- sas formas, em âmbito local, regional e nacional. Quando se fala aqui em domínio da cadeia produtiva, não se está necessariamente falando de gran- des extensões de cultivo, mas de áreas coletivas pertencentes a grupos de cerca de cinco famílias, com dez hectares de cana-de-açúcar em média.

A fabricação de açúcar mascavo, melado, schmier, pé-de-moleque, carrapinha, puxa-puxa foi, e ainda é, uma prática que visa a auto- sustentação das famílias que residem nessas regiões propícias ao culti- vo da cana-de-açúcar. Entretanto, é importante resgatar essa cultura e, junto com ela, recuperar os métodos, as práticas, o conhecimento rela- cionado a características desejáveis na cultura, às épocas de colheita e à industrialização. Assim, o saber acumulado e passado através das gerações, bem como aquele esquecido com as pessoas mais idosas, fo- ram fundamentais e, quando somados à disposição de organização e novos métodos de gestão, por exemplo, foram potencializados.

Pesquisa participativa desenvolvida junto aos agricultores familia- res agroecológicos em Barra do Rio Azul (RS)

Existe também a preocupação de envolver todo o núcleo familiar – crianças, jovens, homens, mulheres, idosos –, garantindo assim diferentes visões e concepções, diferentes ângulos e perspectivas no planejamento, acompanhamento e na execução do trabalho. Nesse sentido, a questão de gênero deve ser encarada como um tema transversal, que perpassa toda a ação. As mulheres são envolvidas na gestão e na direção das organizações, na produção, industrialização e comercialização. O debate em torno da so- berania alimentar (plantas medicinais e quintais), por sinal, baseia-se mui- to no conhecimento acumulado mais especificamente pelas mulheres. Des- sa forma, assim como em todo o processo, a melhoria dos quintais, resul- tando na melhor qualidade da alimentação das famílias, bem como a venda dos excedentes, acontece a partir de reuniões, intercâmbios e cursos especí- ficos, resgatando e trocando experiências acumuladas por todos os atores.

Portanto, vários foram os fatores que favoreceram a intervenção no sentido da construção de conhecimento. Podemos citar a disposição dos agricultores em construir novas propostas, a experiência até então acumu- lada e os resultados alcançados com a pesquisa, além da participação efeti- va de todos os membros das famílias. Na medida em que se estabelece a construção do conhecimento de forma participativa, centrado na demanda e domínio dos envolvidos, passa a haver retorno do trabalho envolvido e do investimento empregado em sua estrutura produtiva, gerando emprego e renda, com justa remuneração.

Podemos mencionar alguns indicadores de sucesso da experiência: melhor remuneração da matéria-prima, que alcança, em média, o dobro do preço de mercado; a industrialização e comercialização estão organizadas de forma cooperativada e sua gestão é realizada a partir de métodos adap- tados à realidade e condições dos agricultores; a organização social exis- tente em torno da atividade; e a presença cultural por meio dos produtos industrializados e da maneira como são feitos, entre outros.

A capacidade de mobilizar pessoas e organizações está presente e foi sempre almejada no planejamento e execução, com o intuito de provar que o trabalho construído coletivamente é viável econômica, cultural e social- mente, produzindo resultados e agregando as pessoas em torno de uma proposta motivadora. Isso pode ser verificado na criação e fortalecimento de espaços de organização de agricultores, como cooperativas, e na inser- ção do produto no mercado, traduzido em volume comercializado.

Por possuírem uma maior capacidade de identificar elementos impor- tantes e fundamentais, os agricultores definem demandas e executam pes-

quisas adequadas à sua realidade e necessidades. Realidade que muitas vezes o pesquisador, em um ambiente distinto e sem a real interlocução com o público-alvo, pode não perceber.

Mas a implementação de uma pesquisa participativa traz consigo uma car- ga de preconceitos científicos, fazendo com que seja questionada pela sua falta de rigor. Para aqueles que estão envolvidos na experiência e que se beneficiam dela, esse é um fato que não tem sido levado em consideração e muito menos tem desmerecido ou minimizado seus efeitos. No entanto, o domínio real dos processos de pesquisa por parte dos agricultores faz com que a relevância de detalhes técnicos possa muitas vezes passar desapercebida, sendo às vezes encarada como desprezível. Em muitos casos, o rigor com relação ao método, na colheita, por exemplo, não é plenamente compreendido.

4. Conclusões

Podemos concluir que, se estamos de fato dispostos a construir algo em conjunto, é necessário ter como premissa que todos têm condições de contribuir com suas experiências individuais. É possível atingir níveis de sucesso satisfatório, conquistando acima de tudo comprometimento e res- ponsabilidades mútuas a partir de um relacionamento coletivo pautado na construção de sujeitos sociais comprometidos com o desenvolvimento de suas comunidades e organizações.

Nesse sentido, a capacitação e a educação contínua são meio e fim para o desenvolvimento sustentável, que depende também da susten- tabilidade da entidade assessora, na qual devem prevalecer valores éticos, tais como solidariedade, integridade, transparência administrativa e gerencial, pautada na honestidade e respeito pela comunidade.

Como avanços, podemos citar que os agricultores dominaram a cultura em todos os seus aspectos. Ou seja, hoje é possível afirmar que os agricul- tores têm uma boa capacidade de intervenção no debate e no processo produtivo, tendo condições de tomarem decisões seguras sobre seu futuro e sobre questões que vão desde a pesquisa, produção, industrialização, acesso ao mercado, bem como avaliação de índices técnicos, sanidade, manejo ecológico e avaliação de custos. Enfim, eles têm a gestão de todo o processo sob seu domínio e de suas famílias, envolvendo crianças, adultos, jovens e mulheres.

Aprendemos muitas lições no desenvolvimento do trabalho, sempre sob a perspectiva do monitoramento interno, avaliando e reavaliando mé-

todos, propostas e idéias, dando ao agricultor a oportunidade de intervir. Para isso, é preciso resgatar o acúmulo significativo de conhecimento que possui, devolvendo-lhe a segurança e a auto-estima.

Toda pesquisa realizada com e para os agricultores precisa de um mai- or detalhamento quanto às técnicas empregadas, já que, por não fazer par- te do seu dia-a-dia, eles não possuem a clara noção pela demanda de tais procedimentos. Nesse sentido, foi necessário diferenciar bem os aspectos relevantes entre o conhecimento empírico, construído pela observação cor- riqueira e repassada através das gerações, e o conhecimento técnico-cientí- fico, cuja base está no saber acumulado, utilizando métodos previamente estabelecidos, observados, medidos e comprovados cientificamente pelos mesmos agricultores.

No caso da experiência aqui relatada, a industrialização está centrada na produção de açúcar mascavo, um produto sobre o qual os agricultores podem manter um debate amparado em sua experiência. Esses agricultores comercializam o açúcar mascavo no mercado local, regional e nacional com a marca Seiva Ecológica. As agroindústrias hoje são filiais da Cooperativa dos Agricultores Familiares Ecologistas Solidários, cuja origem foram as associações formais de agricultores familiares agroecológicos.

Finalmente, a experiência mostrou que a sustentabilidade do processo de mudança tecnológica na agricultura passa pela criação, no contexto lo- cal, de um ambiente social, cultural e econômico que possibilite aos agri- cultores se tornarem, individual e coletivamente, os protagonistas do pro- cesso de conversão.

Bibliografia

CENTRO DE APOIO AO PEQUENO AGRICULTOR. A prática agroecológica no Capa. Porto Alegre, 2005.

1Membro da equipe de assessoria do Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor

(Capa), do Núcleo Erexim. Técnico em agropecuária e bacharel em Ciência da Computação.

O Programa de Formação de Agricultores(as):