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Os acúmulos, resultados e desafios da rede e suas interfaces com a Pnater

A comunicação como instrumento pedagógico e de visibilidade

3. Os acúmulos, resultados e desafios da rede e suas interfaces com a Pnater

O investimento no processo de formação em Agroecologia foi bastante acertado, promovendo mudanças significativas nas práticas das entidades e contribuindo decisivamente para a construção da identidade da Rede Ater Nordeste.

Uma mudança importante é a ampliação da capacidade das entidades de leitura e análise dos agroecossistemas em processos de transição agroecológica, facilitando a identificação dos pontos críticos e elaborando estratégias de superação e de elevação da sustentabilidade. Algumas enti- dades passaram a se perceber enquanto agentes de promoção da Agroecologia, valorizando suas próprias experiências e, ao mesmo tempo, se desafiando a melhorá-las.

Para um conjunto de entidades, o processo de formação da rede foi um marco na incorporação do enfoque agroecológico à sua ação, promovendo um intenso processo de reflexão interna e impulsionando movimentos de mudanças institucionais.

As entidades também passaram a refletir mais e questionar interna- mente a forma, na maioria das vezes fragmentada, de organizar o conheci- mento agroecológico e sua expressão em termos de estrutura interna e de atuação. Essa reflexão está permi-

tindo uma maior interação entre as diferentes linhas de atuação institucional, incorporando paula- tinamente uma abordagem sis- têmica da ação local. A partir des- sa percepção, as entidades impri- miram esforços que estão provo- cando mudanças institucionais profundas na forma de ler e inter-

pretar a realidade, na crescente horizontalização nas equipes, no reconheci- mento e valorização do papel dos agricultores, de suas redes locais e de suas organizações na construção de conhecimentos agroecológicos.

O caminho pedagógico escolhido pela rede no processo de formação em Agroecologia buscou valorizar as experiências das entidades e as reali- dades locais (contextos, agroecossistemas) como insumos para a constru- ção do conhecimento agroecológico, extraindo das práticas os conceitos e princípios que as fundamentam. Essa orientação pedagógica difere signifi- cativamente dos cursos corriqueiros de capacitação em Agroecologia ofe- recidos pelas instituições públicas de ensino, extensão e pesquisa, assim como dos promovidos por algumas ONGs e movimentos sociais, que priorizam a apresentação de conceitos prontos e tecnologias (produtos), muitas ve- zes não dialogando com as práticas concretas de transição agroecológica. Em outras palavras, enquanto esses cursos visam dar capacidade a quem supostamente não é capaz, o processo de formação da rede procurou valo- rizar as habilidades individuais e coletivas, estimulando o intercâmbio en- tre os diversos acúmulos dos(as) técnicos(as) e das instituições.

Outro ponto interessante é que, ao adotar uma metodologia que valo- rizou os conhecimentos dos técnicos sobre seus espaços de atuação e pro- mover a troca entre esses saberes, o processo de formação também contri- buiu para que os técnicos se sentissem efetivamente parte dele. Não de forma passiva, mas aprendendo e ensinando ao mesmo tempo.

Os(as) técnicos(as) e as entidades também passaram a valorizar mais os seus conhecimentos em Agroecologia e a perceber a dimensão agroecológica no seu trabalho e nos agroecossistemas locais. Ou seja, pas- saram a enxergar mais facilmente os processos de transição agroecológica presentes nos seus locais de atuação.

Os encontros de formação também provocaram mudanças nas relações entre as instituições nos estados, favorecendo uma aproximação e uma maior interação entre elas e, dessa forma, fortalecendo as dinâmicas esta- duais de promoção da Agroecologia. Um exemplo dessa interação pôde ser verificado na Bahia, onde o MOC, o Sasop, a Ascoob e a Apaeb promoveram diversos intercâmbios entre si e entre os agricultores e fortalecendo a arti- culação baiana de Agroecologia.

Ao reconhecer que a promoção da Agroecologia está vinculada a pro- cessos sociais de inovação e, portanto, a uma dimensão sociopolítica, a Rede Ater NE exercitou, tanto nos encontros de formação como nos inter- câmbios, a habilidade das entidades para perceber a capacidade criativa

dos agricultores em inovar, assim como os mecanismos sociais que fortalecem esses processos de inovação nas diferentes regiões. Nesse sentido, houve um impor- tante investimento das entidades da rede na dinamização das re- des locais, microrregionais e es- taduais gestoras de processos sociais de inovação e de constru- ção de conhecimentos.

As práticas de atuação das entidades participantes da Rede Ater NE são fortemente orienta- das seja pelo estímulo às redes de interação entre agricultores e agricultoras ou pela inserção em dinâmi- cas de redes com as organizações locais. A construção de redes é parte da própria configuração das relações locais/regionais. Afinal, a Agroecologia é uma ciência construída no local e na interação com outros locais, favore- cendo aprendizados comuns no processo coletivo de construção do conhe- cimento. Portanto, o fortalecimento e a dinamização das redes locais e a interação destas com outras redes é uma estratégia básica para a promoção da Agroecologia.

A circulação de conhecimentos entre as redes locais, microrregionais e estaduais segue uma lógica de horizontalidade, o que incentivou a multi- plicação dos eventos de formação, assim como estimula o fluxo de conhe- cimentos agroecológicos e dos métodos de promoção da Agroecologia.

Como resultado dessas interações, multiplicaram-se, em várias regiões e estados nordestinos, as feiras de saberes e sabores, os intercâmbios de experiências metodológicas entre agricultores-experimentadores e entre instituições, etc. Esse intenso processo de mobilização das entidades e das dinâmicas locais/microrregionais e estaduais teve como conseqüência uma participação efetiva da Rede Ater NE nos preparativos do II ENA e do VI Encontro Nacional de Articulação do Semi-Árido (Enconasa). Nesses dois eventos nacionais, houve um número expressivo de experiências de transi- ção agroecológica sistematizadas pelas entidades da rede e redes locais, assim como várias entidades da rede apresentaram, em conjunto com seus parceiros locais, experiências em seminários e oficinas.

4. Considerações finais

As entidades da Rede Ater NE têm buscado quebrar o isolamento social dos agricultores e permitir que, ao interagir com outros agricultores, suas capacidades individuais de inovar desabrochem. Por isso, elas, ao longo de suas trajetórias e também estimuladas pela dinâmica da rede, vêm crescentemente investindo nos intercâmbios entre pessoas de diferentes localidades e favorecendo processos de construção de conhecimentos agroecológicos abertos e horizontais. Esses momentos de troca têm esti- mulado processos de experimentação local, que por sua vez alimentam novos intercâmbios que estimulam novos experimentos, e assim por diante. O in- tercâmbio é, portanto, parte essencial de um movimento social de inova- ção agroecológica, regido por sistemas informais de comunicação e por diversas redes sociais locais.

O enfoque difusionista marcante nas empresas oficiais de extensão ru- ral, e que também ainda se verifica em parte das ONGs e movimentos soci- ais, vem sendo objeto de debate e reflexão nos eventos coletivos da rede, como os encontros de formação. Percebeu-se que, em vez de difundir tecnologias, as entidades devem perceber, estimular e disseminar os pro- cessos sociais de inovação agroecológica protagonizados por agricultores e agricultoras, assim como favorecer as pontes entre o conhecimento dos agri- cultores e o conhecimento acadêmico.

O monitoramento das ações de Ater também tem o desafio de construir novos instrumentos metodológicos que não estejam carregados com o paradigma difusionista. Este valoriza apenas os aspectos quantitativos (nú- mero de famílias, de projetos de crédito, quantidade de insumos, etc.), que não dão conta de identificar as mudanças provocadas por uma intervenção orientada pelo enfoque agroecológico. Nesse sentido, a Rede Ater NE vem construindo indicadores e ferramentas que possibilitem monitorar as mu- danças na sustentabilidade dos agroecossistemas e na vida das famílias, assim como perceber os processos sociais que favorecem a transição agroecológica. A construção desses indicadores comuns contribuiu decisi- vamente para provocar processos internos de mudanças em algumas enti- dades da rede, que passaram a rever seus métodos de monitoramento e de intervenção para a promoção da Agroecologia.

Há ainda o desafio de consolidar o processo de monitoramento dos projetos e da ação da própria rede, conciliando o fortalecimento de sua identidade e a construção do conhecimento agroecológico com a expres- são pública de seus acúmulos metodológicos e dos resultados ao nível das

famílias acompanhadas. Soma-se a esse desafio a necessidade de construir instrumentos metodológicos que garantam o monitoramento quantitativo, que demonstrem o alcance social da ação da rede, assim como possibilitem uma análise qualitativa das mudanças.

Mas para que a rede possa expressar seus acúmulos para fora, é preciso continuar alimentando o processo de acumulação interna, que deve se dar por meio do investimento nos processos de intercâmbio e reflexão sobre as práticas metodológicas de suas entidades na promoção da Agroecologia.

Nesse sentido, é importante que as entidades mantenham seus esfor- ços de sistematização e reflexão de modo a aprimorar o enfoque sistêmico na ação e internalizar o debate sobre os papéis da assessoria, dos agricul- tores e suas organizações na construção do conhecimento agroecológico.

Da mesma forma, em relação à Política Nacional de Ater, a rede precisa construir uma análise própria a partir da sua prática, para poder se colocar no debate com o governo e a sociedade. Assim, deve refletir como vem se percebendo como parte da própria política, sistematizando referências ino- vadoras que vem construindo e propor mudanças na política que visem ao fortalecimento das redes locais de construção e disseminação de conheci- mentos agroecológicos.

A Rede Ater Nordeste, enquanto um novo ator político regional, mas que também se considera integrante de redes como a ASA Brasil no Nordes- te e a ANA em nível nacional, percebe, na sua ação e na ação das entidades que a compõem, caminhos efetivos de implementação da nova Política Na-

1Agrônomo, coordenador do programa de desenvolvimento institucional do Sasop 2Agrônomo, coordenador do programa local da AS-PTA na Paraíba

3Médico veterinário, técnico da AS-PTA na Paraíba

cional de Ater. Entretanto, embora esta traga avanços significativos no to- cante ao fortalecimento da agricultura familiar e promoção da Agroecologia, a sua implementação ainda se apresenta como em um grande desafio, o que coloca para a rede a necessidade de aprofundar esse debate e refletir sobre o seu papel nesse processo.

Finalmente, a rede não se propõe a construir pacotes fechados, mas sim a se valer da pluralidade de práticas e caminhos metodológicos no apoio aos processos de transição agroecológica em curso no Nordeste bra- sileiro. Nesse sentido, este foi um primeiro esforço de sistematização da rede, que deve inaugurar uma prática contínua que possa contribuir para a consolidação da nova Pnater.

Bibliografia

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