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A AGROECOLOGIA COMO DIRETIVA PRODUTIVA PARA OS ASSENTAMENTOS RURAIS – REFERENCIAIS

REFORMA AGRÁRIA NA REGIÃO DO PONTAL DO PARANAPANEMA-SP

Mapa 8. Número de ocupações no Pontal do Paranapanema entre 1998 e 2013.

III.VI. A AGROECOLOGIA COMO DIRETIVA PRODUTIVA PARA OS ASSENTAMENTOS RURAIS – REFERENCIAIS

AMBIENTAIS APOIADOS NOS MOVIMENTOS SOCIAIS

dimensão agroecológica que caracteriza os movimentos sociais e que, analogicamente, se alude no Pontal está baseada na ideia de que o plantio de alimentos deve ser conduzido em interação com a natureza, fomentado pela ampla inserção social e menores déficits na utilização de energia. Isto pode ser apreendido, por exemplo, na contestação dos movimentos sociais no campo em relação ao agronegócio e suas destinações aos circuitos longos de produção, bem como nos materiais organizados pelo MST.

Em matéria publicada pelo MST, apontando considerações sobre o Encontro Nacional de Produção do movimento, ocorrido em 2015, relata-se que o eixo central de atuação do grupo para com a produtividade é a agroecologia. Por este viés, através da fala da direção nacional, determinam que:

Os efeitos do avanço do capital no campo, em especial os monocultivos da cana de açúcar e do eucalipto, têm trazido problemas sócio-ambientais seríssimos e ameaça diretamente a soberania alimentar do Brasil (...) Soma se a isso, o avanço do capital através da indústria química que tem trazido centenas de prejuízos a saúde da população, em especial quando se refere ao uso intensivo dos agrotóxicos e dos agroquímicos (...) Frente a essa lógica, os Sem Terra entendem a agroecologia como

ferramenta capaz romper com o modelo de produção do capital, fomentando novas relações sociais baseadas na

A

solidariedade e no respeito a natureza e ao ser humano (MST,

2015, p.2)83.

Neste sentido, os fornecimentos locais – circuitos curtos – baseiam a ordenação econômico-geográfica da agroecologia e ratificam suas características integradoras entre a produção e a ecologia que se estabelece em determinada porção do espaço.

Isto é fruto de um diálogo em que se constituem diferentes perspectivas para o desenvolvimento, sobretudo quando se apoia nas contradições e conflitualidades, ancorando-as como bandeira dos movimentos sociais ligados ao campo na América Latina (Vide os estudados na Parte I e os presentes no Pontal), de associações comunitárias, profissionais e ONG’s.

Autores como Altieri (2010), Guzmán (2001), Gliessman (1990), Assis (2006), Leff (2002), Hecht (1999), Guterres (2006), Caporal e Petersen (2012), Wezel et al (2009), dentre outros, trabalham com o conceito de agroecologia e suas possibilidades para os territórios rurais.

Brandenburg (2003) afirma que o erguimento desta modalidade para o rural tem a ver com a reação à instauração dos modos industriais de produção e consumo de alimentos, somados a contestações políticas ligadas à preservação da saúde e do ambiente. Sua arquitetura é demonstrada como oriunda de modelos das primeiras formações agrícolas desenhadas por sociedades pré-coloniais e indígenas (ALTIERI, 2010; WORSTER, 2003, ASSIS, 2006).

Assis (2006) apresenta que, em suma, até a Segunda Revolução Agrícola nos séculos XVIII e XIX, a rotação dos sistemas de culturas (Norfolk) e a integração da atividade da produção animal e vegetal eram orientadas por bases tecnológicas que respeitavam o ambiente e seu fundamento ecológico, buscando superar as limitações a partir das próprias regras/conformações da natureza. Com o aprofundamento das técnicas provindas da química agrícola, passou-se a “jogar contra” os aspectos ecológicos do ambiente, buscando superá-los com engenhos transformativos danosos (ALTIERI, 1999).

Desse modo,

83 Disponível em:

http://www.mst.org.br/2015/11/27/semterraapontamaagroecologiacomomododevidacapazdegar antirasoberaniaalimentar.HTML <acesso em: 14/04/2016>

[...] a emergência da via ecológica como uma alternativa de construção de um outro paradigma de produção agrícola, de padrão de consumo alimentar e de relação socioambiental fez com que se retomassem não apenas matrizes técnicas existentes anteriormente à modernização, mas provocou a formação de

novos atores, em torno de associações específicas motivados pela demanda de alimentos, de “qualidade diferenciada” [...]

(BRADENBURG, 2003, p.5).

Neste processo, inúmeras pesquisas calham em focar espaços de cultivos tropicais, como os resultados de produções perspectivadas na multiplicidade de vegetais e as ampliações em usos de plantas com diferentes composições em termos de espécies, assim como suas interações com os sistemas humanos. Percebeu-se, então, que, por vias ambientais e produtivas, a agroecologia se manifesta com proficuidade elevada, compondo um contraponto às monoculturas e a produção industrial na agricultura (GUTERRES, 2006; HECHT, 1999).

Em linhas teóricas, a agroecologia se define como uma ciência transdisciplinar, fundamentada na aplicação de conceitos provindos da ecologia aos contornos e manejos dos agroecossistemas, propondo a valorização de sua complexidade e sustentabilidade (ALTIERI, 2010).

De acordo com Guterres (2006), o debate multi-transdiciplinar da agroecologia enfoca as ciências naturais e sociais, pois propõe a transformação social, ambiental, política e cultural, tendo o local e suas composições características como parâmetros.

Neste caso, a partir de Guzmán (2006), aborda-se a conceituação agroecológica como a forma de arranjar os recursos naturais de modo social, pela ação dos indivíduos, buscando afirmar saídas à crise moderna da agricultura, caminhando por estratégias alternativas de circulação da produção ancoradas no desenvolvimento participativo (CAPORAL; PETERSEN, 2012). Isto se reflete na restauração da paridade ecológica e social da funcionalidade dos territórios rurais (CAPORAL; PETERSEN. 2012).

Assim, três premissas básicas orientam a disposição por este propósito, sendo elas:

a) A equidade enquanto um fator fundamental para a sustentabilidade dos agroecossistemas;

b) A diversidade e a compatibilidade cultural como base da construção de agroecossistemas biodiversificados e de uma pedagogia de troca de saberes;

c) A relação entre território disponível e capacidade de suporte dos ecossistemas e a organização espacial/territorial necessária ao desenvolvimento de sistemas agroecológicos de produções (GUTERRES, 2006, p.87).

Altieres e Nicholls (2002) caracterizam que se existe a intenção de efetivamente tomar em conta a perspectiva ambiental dentro dos aportes do desenvolvimento, criando o prisma da sustentabilidade, isto não pode ser estabelecido dentro dos regimentos agrícolas que se colocam como agentes da própria crise ambiental, mas sim com sinergias entre a economia, as ciências agrárias, a ecologia e a sociedade.

Estas conjecturas de necessidades em relação à produção no espaço agrário e o ambiente se apresentam devido à construção das novas tramas do capitalismo global inserido no campo, por vias bem observadas por Ploeg (2009).

Assim,

A atual crise agrária emerge a partir da interação entre (1) a parcial, ainda que progressiva, industrialização da agricultura, (2) a introdução do mercado global como princípio ordenador da produção e comercialização agrícola e (3) a reestruturação da indústria de processamento, de grandes empresas de comercialização e de cadeias de supermercados em impérios alimentares que exercem um poder monopólico crescente sobre as relações que encadeiam a produção, o processamento, a distribuição e o consumo de alimentos. A fusão desses três processos, criando um novo e global regime alimentar, está afetando profundamente a natureza da produção agrícola, os ecossistemas nos quais a agricultura está enraizada, a qualidade do alimento e as suas formas de distribuição (PLOEG, 2009, p23).

Como se observa, a dimensão agroecológica de organização da produção e vida nos territórios rurais vai além das caracterizações estritas dos mecanismos de regulações ambientais que orientam processos ligados à manutenção de atividades da chamada “agronomia padrão”. Norteiam suas imbricações para a sustentabilidade do ambiente, da produção e, também, da existência de mercados locais, fortalecendo a territorialidade familiar da agricultura e pecuária.

Altieri (1999, p.9) arranja uma análise mais ampla, evidenciando que,

La agroecología va más allá de una mirada uni-dimensional de los agroecosistemas: de su genética, agronomía, edafología, etc. Esta

abarca un entendimiento de los niveles ecológicos y sociales de la coevolución, la estructura y funcionamiento de los sistemas […].

De acordo com Valadão e Moreira (2009), a consolidação dos debates ambientais e das ações dos ambientalistas influenciaram diretamente os movimentos sociais ligados ao campo pelo fato de ocorrer certa sinergia entre ideários e expectativas. Neste sentido, ao passo que a Via Campesina e as organizações associadas vinham discutindo aspectos ligados às tecnologias alternativas para o campo, os grandes encontros sobre a temática ambiental demonstravam os aparatos nocivos do modelo de desenvolvimento majoritário contemporâneo.

Desse modo,

[...] a crise do setor agrícola, com o endividamento progressivo dos agricultores e abandono da atividade agrícola possibilitou uma avaliação crítica do modelo de desenvolvimento e a abriu perspectivas para a discussão de alternativas ao mesmo (LUZZI, 2007, p.91).

Isto corrobora a constatação, através de movimentos sociais, de que o sentido da “Revolução Verde” era a transformação das relações de poder mediante o uso de diferentes tecnologias, divergindo, de todo modo, da luta concreta que se propunha com relação à fome (PORTO-GONÇALVES, 2003).

Como uma referência importante dentro da Via Campesina, o MST no Brasil dispõe a agroecologia como resolução afirmativa no ano de 2000, a partir dos documentos do IV Congresso Nacional do MST (VALADÃO; MOREIRA, 2009). Neste material se encontram diretivas críticas aos contornos da agricultura tradicional, às atuais maquilagens nas atenções com o meio ambiente e a cooptação da cadeia produtiva de alimentos por transnacionais (VALADÃO; MOREIRA, 2009).

Como se observa,

[...] para o MST a agroecologia não é simplesmente uma questão tecnológica com a substituição de insumos, mas uma alternativa ao modelo do agronegócio. Entende-se que se faz necessário recuperar dimensões da vida das famílias camponesas no manejo dos agroecossistemas, valorizar práticas antes desprezadas como a produção de alimentos para atender as necessidades da família, aliada com a organização da produção para o mercado. Cuidar dos recursos naturais como o solo, a água e a biodiversidade; da saúde;

garantindo condições de vida digna para as famílias assentadas (VALADÃO; MOREIRA, 2009).

No Pontal do Paranapanema-SP a busca por este modo de concretizar as atividades nos lotes de reforma agrária é uma herança dos debates em movimento sociais que possuem inúmeras dificuldades e desafios para sua concretização. Todavia, o caminhar de tentativas é verificável.

Por exemplo, desde o ano 2012 ocorrem os Encontros de Agroecologia do

Pontal do Paranapanema, fomentados por assentados rurais e agências em

agropecuária como a EMBRAPA e o INCRA. Nestes eventos, bianuais, são debatidos aspectos como os apontados pelo o INCRA (2012, p.1)84:

Muitas das áreas arrecadadas pelo poder público e convertidas em assentamentos possuíam um passivo ambiental devido a décadas de exploração predatória. Recuperá-las tem sido o desafio dos órgãos governamentais responsáveis e dos produtores rurais assentados.

O ITESP, mediante a verificação das inclinações dos agricultores familiares na região, passou a dialogar no caminho de construir um projeto denominado “Pontal Agroecológico”, em que 12 unidades referenciais seriam os embriões de práticas e estudos sobre a maximização da agroecologia no recorte compreendido.

Como se observa,

O projeto visa a promover mudança ou transição dos sistemas tradicionais de produção leiteira para o sistema de produção agroecológica, considerado por muitos técnicos e beneficiários como mais correto em relação à preservação do solo, considerando a reestruturação das unidades produtivas em relação às características nativas da fauna e flora da região, o baixo custo e principalmente a preservação do meio ambiente de forma sustentável (ITESP, 2011)85.

Assim sendo, tendo clarificado o processo de composição do Pontal do Paranapanema-SP e as manifestações sociais, econômicas e ecológicas em propostas dos movimentos sociais para os assentamentos rurais de reforma

84 Disponível em:

http://www.incra.gov.br/encontrodiscuteagroecologianopontaldoparanapanemasp <acesso em 14/04/2016>.

85 Disponível em: http://www.itesp.sp.gov.br/br/info/noticias/ntc_1000.aspx <acesso em:

agrária, parte-se no próximo capítulo para as verificações dos quesitos ligados às mudanças climáticas e as articulações escalares entre o global e o local através do Estado e movimentos sociais, tomando como referência as dinâmicas territoriais dos assentamentos rurais da região expressas qualitativamente.

III.VII. SÍNTESE

s assentamentos rurais do Pontal do Paranapanema-SP são significativos como estudos de caso por apresentarem um histórico de instalação em áreas conflituosas e, associadamente, se inserirem nas dimensões orientadoras de movimentos sociais, como o MST, que delineiam buscas produtivas em relações ecológicas positivas com o ambiente.

Neste sentido, a construção desigual e ilegal da questão fundiária na região é contestada e transformada pela instalação dos acampamentos, ocupações e, posteriormente, da formação dos próprios assentamentos. Com a construção de vida e manifestações de cultivos dos assentados, novas dinâmicas territoriais se imprimem, criando territorialidades que expressam, também, a heterogeneidade do rural brasileiro.

Com isto, a formatação complexa e corrompida sobre a distribuição de terras na região, a degradação ambiental decorrente deste processo, a atuação do Estado na permissão e manifestação em prol de atividades com elevado capital e o surgimento de movimentos sociais que reivindicam espaços de reforma agrária individualizam o caso “Assentamentos rurais do Pontal do Paranapanema-SP”, possibilitando um ponto de partida analítico para a discussão das ramificações, extensões e alcances da formulação e prática de políticas em mudanças climáticas no Brasil.

Capítulo IV

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