• Nenhum resultado encontrado

Agropecuária: declínio da cana-de-açúcar e ascensão das lavouras permanentes

SUMÁRIO

CAPÍTULO 2 – PERNAMBUCO NO AUGE DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL DA SUDENE (1960-1985)

3.2 Agropecuária: declínio da cana-de-açúcar e ascensão das lavouras permanentes

O Gráfico 3.4 mostra a evolução da agropecuária brasileira, nordestina e pernambucana, no período de 1985-2003. É possível observar que a evolução do setor, no País, superou aquela apresentada pelo Nordeste e por Pernambuco, sobretudo de 1990 em diante. Trata-se de um resultado que refletiu a inserção internacional brasileira, baseada em commodities, que se sobressaiu desde a década de 1990 e teve "lugar" em regiões como o Centro-Oeste e partes do Nordeste, como o Oeste baiano, o Sul maranhense e o Sul piauiense.

No que diz respeito ao Nordeste e a Pernambuco, o Gráfico 3.4 revela a ocorrência de dois momentos de crise: entre 1991 e 1993 e entre 1998 e 2000. Nesses dois subperíodos, a evolução do valor adicionado da agropecuária nordestina e pernambucana sofreu quedas bruscas, em virtude de secas, cujos efeitos adversos incidiram tanto sobre as atividades de lavoura, como sobre a pecuária.

Gráfico 3. 4 – Brasil, Nordeste e Pernambuco: evolução do Valor Adicionado, a preços básicos da agropecuária (índice de quantum do VAB, 1985=100), 1985-2003

Fonte: IBGE/Agência CONDEPE-FIDEM.

No caso específico de Pernambuco, a instabilidade da agropecuária refletiu-se na queda de 28,3% do VAB, entre 1992 e 1993, e de 11%, entre 1997 e 1998. Esse resultado expressa a já mencionada vulnerabilidade climática, o desaparecimento de

culturas que foram importantes para o Estado, como o algodão74, e o caráter errático da

74

Nunca é demais ressaltar a ocorrência da praga do bicudo, nos anos de 1980, no Estado. Alguns empresários do setor têxtil pernambucano chegaram a afirmar que a praga do bicudo foi propositadamente introduzida na Região, para inviabilizar a manufatura algodoeira e impulsionar a utilização de fibras sintéticas, então fabricadas em planta industrial incentivada, de posse do grupo francês Rhodia.

60,0 80,0 100,0 120,0 140,0 160,0 180,0 200,0 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 PE NE BR

realização de excedentes por meio do principal produto agrícola estadual, a cana-de- açúcar.

O Gráfico 3.5 mostra o comportamento dinâmico dos segmentos que constituem parcela relevante do VAB da agropecuária estadual: lavouras permanentes, lavouras temporárias e pecuária. Ressaltam as lavouras permanentes, com destaque para o período compreendido entre 1995 e 2003.

Mesmo nos anos de seca, as lavouras permanentes mantiveram uma trajetória sistemática de crescimento, face ao notável avanço das culturas de manga e uva, com técnicas de irrigação e suporte técnico/financeiro do setor público. De fato, a participação relativa da cultura de uva, no total das lavouras permanentes, passou de 7,1%, em 1985,

para 34,2%, em 2003, enquanto a da cultura de manga cresceu de 3,5% para 11,7%75.

Esse resultado expressa um fato novo, ocorrido na região sertaneja (semiárida)

do Estado: o surgimento – onde se mantinham relações de produção pautadas em

estruturas "coronelísticas", associadas ao latifúndio e à pecuária – de uma atividade econômica em condições de sobrepor-se às formas pregressas de produção e comercialização, com base em técnicas modernas e avançadas para a realidade local. Gráfico 3. 5 – Pernambuco: crescimento acumulado do índice de quantum dos segmentos da agropecuária (índice de quantum do VAB, 1985=100), 1985-2003

Fonte: IBGE/Agência CONDEPE-FIDEM.

A observação do Gráfico 3.5 permite constatar que tanto a pecuária, quanto as lavouras temporárias apresentaram um comportamento suscetível à vulnerabilidade

75

Dados extraídos da publicação do convênio IBGE/CONDEPE-FIDEM. Na tabela referente às participações de culturas no total do VAB das lavouras permanentes, cabe observar que a cultura de algodão arbóreo, que tinha um percentual de 9,8%, em 1985, não possui registro de atividade, após 1998. Sobre a fruticultura irrigada, ver Lima (2005).

0,0 50,0 100,0 150,0 200,0 250,0 300,0 350,0 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Lavouras Permanentes Lavouras Temporárias Pecuária

climática regional e foram menos dinâmicas do que as lavouras permanentes. Neste caso, a sustentação deveu-se às culturas irrigadas localizadas no Sertão do São Francisco e impulsionadas pelo programa lançado mediante convênio entre a SUDENE e a FAO, ainda em 1968, que garantiu o acesso a financiamento para a implantação de sistemas de irrigação, a cargo de empresas interessadas na atividade (LIMA, 2005).

Isso permitiu que se desenvolvessem as culturas de cebola, uva, manga e tomate e que fossem estimuladas a fabricação de alimentos e bebidas e a instalação de indústrias de suplementos químicos e de produtos mecânicos, relacionadas ao sistema de irrigação. Intensiva em mão de obra, a fruticultura irrigada do Sertão do São Francisco também teve como efeito o aumento da massa de circulação monetária, na região de Petrolina, gerando oportunidades indiretas de negócios (LIMA, 2005).

No caso do comportamento da pecuária, três são as atividades que justificam a trajetória observada entre 1985 e 2003: a criação de bovinos, a avicultura e a produção de leite. No período, o efetivo de bovinos deu lugar à avicultura (aves e ovos), que foi alçada

à condição de principal atividade no VAB do segmento76. A criação de caprinos, tradicional

no interior do Estado, manteve a participação relativa, enquanto a produção leiteira aumentou sua contribuição, de 15,9%, em 1985, para pouco mais de 19%, em 2003.

Quanto às lavouras temporárias, ressalta o peso do cultivo da cana-de-açúcar, que, apesar de ter apresentado declínio, entre 1985 e 2003, respondeu, neste último ano, por 57,9% do total produzido pelo segmento. Portanto, a compreensão do dinamismo das lavouras temporárias passa pela análise das atividades relacionadas a essa cultura.

Nesse sentido, é preciso considerar os impactos negativos sobre a atividade canavieira em Pernambuco dos seguintes aspectos: (i) o recrudescimento da competição inter-regional, em condições desiguais, por força do avanço técnico-econômico no Sudeste do País; (ii) o fim da regulamentação de mercado, "colchão amortecedor" setorial, a cargo do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA); e (iii) a forma de gestão das empresas locais, não raro encalacradas.

76

A mudança da matriz pecuária é também associada à ocorrência de secas, quando se privilegiam, sobretudo entre os pequenos produtores, os animais que suportam com maior capacidade os efeitos adversos do clima. Nesses períodos, ocorre o envio do efetivo bovino para áreas úmidas do Piauí e/ou do Maranhão, ou mesmo a comercialização e troca de rebanhos na cidade, envolvendo produtores com melhores condições financeiras para sustentar o gado.

Como resultado da dinâmica diferenciada dos três principais segmentos da agropecuária, o que se pode visualizar, no Gráfico 3.6, é o ganho de importância relativa, entre 1985 e 2003, das atividades de lavouras permanentes no VAB total do setor, em detrimento das atividades de lavouras temporárias. Mesmo assim, é ainda significativa a participação relativa destas últimas (40,1%, em 2003), tanto quanto da pecuária (30%), no VAB setorial.

Gráfico 3. 6 – Pernambuco: participação dos segmentos no VAB da agropecuária (em %), 1985-2003

Fonte: IBGE/Agência CONDEPE-FIDEM.

Ressalte-se que, por trás da maior ou menor relevância das respectivas culturas no VAB agropecuário do Estado, estão confrontados aspectos qualitativos da maior importância para a análise das empresas, sobretudo entre as que se envolvem na produção de açúcar ou de frutas.

No caso da produção açucareira, não é ocioso mencionar a persistência histórica do setor, na economia de Pernambuco, aproveitando-se de uma conformação estrutural peculiar à Região, que lhe permitia sustentar a produção mesmo em épocas de crise no mercado externo (FURTADO, 1977).

Após os anos de 1950, em parte reconvertida ao mercado interno, a atividade açucareira pernambucana passou a beneficiar-se de oportunidades imprevistas nos mercados internacionais, uma vez que o avanço substancial de produtividade nas unidades produtivas de São Paulo e, no período mais recente, questões referentes à desregulamentação do mercado, tornavam oblíquas as possibilidades de realização de excedentes no território nacional (SZMRECSANYI, 1976).

7,6 9,5 6,6 6,9 9,7 7,2 7,4 5,5 11,3 10,4 13,4 10,3 8,6 12,4 20,8 20,8 18,6 18,2 20,1 50,8 43,7 48,3 50,1 42,5 41,9 46,4 48,8 42,9 47,1 43,6 47,0 47,0 44,4 32,9 32,9 36,6 36,4 40,1 33,1 37,3 35,0 32,7 38,3 41,5 36,1 35,7 35,3 33,1 33,7 33,3 35,5 33,3 36,1 36,1 35,0 35,2 30,0 8,5 9,5 10,1 10,3 9,5 9,4 10,1 10,0 10,5 9,4 9,3 9,4 8,9 9,9 10,2 10,2 9,8 10,2 9,8 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0 100,0 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Ademais, a produção açucareira é uma atividade conhecida por métodos questionáveis de gestão financeira das empresas, que apresentam notável histórico de rolagem de dívidas – e, algumas vezes, de calote – junto a fontes de financiamento, como o Banco do Brasil e bancos estaduais de desenvolvimento (RAMOS, 2011).

Esses aspectos permitem afirmar que a produção açucareira, em Pernambuco, tem sobrevivido, no acirrado ambiente concorrencial do País, apesar de as empresas não terem se dedicado a alcançar condições produtivas favoráveis, exceto em algumas poucas situações (ALENCAR, 1997).

Por isso, a centralização de capitais, no segmento, envolvia a incorporação de terras e da massa falida de antigas usinas, em vez de substanciais aumentos de produtividade, reiterando uma acumulação de "caráter mercantil" (ANDRADE, 1989).

No caso da fruticultura, quando se faz o recorte na região do Sertão do São Francisco, pode-se observar que se trata de atividade derivada de empresas familiares, antes voltadas para o capital mercantil stricto sensu, cuja função de intermediação comercial foi viabilizada pela posição geográfica de Petrolina/Juazeiro e/ou pela pecuária (CHILCOTE, 1990).

A reconversão desse capital para a fruticultura irrigada, apesar de ter por base a posse de terras em escala suficiente para tornar viáveis os projetos de irrigação, envolve uma produção baseada em técnicas modernas, que contam com suporte estatal no que se refere ao financiamento e a técnicas de produção (LIMA, 2005).

Além disso, embora tenham aportado no segmento empresas de outros setores e mesmo de outras regiões do País, a estrutura de capital na fruticultura também comporta colonos e produtores autônomos, que, o mais das vezes, atuam de forma associada. Isso explica, em parte, o escoamento da produção de empresas locais para o exterior, mediante canais de comercialização que escapam ao controle da capacidade de

realização de excedentes antes exercido por firmas comerciais locais77.

77

De fato, o destino das vendas de manga é, majoritariamente, o exterior. Enquanto isso, as uvas são destinadas ao mercado interno, figurando com menor relevância nas estatísticas de comércio internacional do estado. Criou-se, na região de Petrolina, uma associação de exportadores, a VALEXPORT.

Não é por acaso, portanto, que a dinâmica da agropecuária, no período de 1985-2003, sobretudo no final dos anos de 1990, se deveu também ao considerável avanço das lavouras permanentes.

Por outro lado, atividades tradicionais, como o cultivo de cana-de-açúcar e a pecuária bovina, não foram tão dinâmicas. No primeiro caso, além dos aspectos de "mercado", cabe considerar os fatores setoriais de ordem nacional que influenciam no desempenho da atividade. Já a pecuária bovina foi suplantada, em termos relativos, pelo avanço da atividade avícola. Com efeito, de maneira semelhante à fruticultura irrigada, a avicultura assumiu uma espacialidade específica (Agreste Meridional), onde também se desenvolveu uma pecuária leiteira relevante, articulada a grandes empreendimentos do setor de alimentos e bebidas.