• Nenhum resultado encontrado

Intensificação das relações inter-regionais de comércio (1960-1985)

SUMÁRIO

CAPÍTULO 2 – PERNAMBUCO NO AUGE DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL DA SUDENE (1960-1985)

5.1 Intensificação das relações inter-regionais de comércio (1960-1985)

O aprofundamento das relações comerciais do Nordeste, a partir da integração produtiva nacional, refletiu a entrada em operação de novas plantas industriais, em meados dos anos de 1960, quando teve início efetivo a política da SUDENE.

Galvão (1977) aponta que, no início da década de 1960, o comércio intra- regional (ou seja, entre estados da Região) ainda era o mais relevante para a economia nordestina. No entanto, segundo o referido autor, o crescimento dessa modalidade esteve

relacionado ao avanço do comércio inter-regional. Conhecida a estrutura produtiva instalada no Nordeste, parte das relações intra-regionais poderia ser explicada pela

reexportação da produção de outras partes do País140.

O estado de Pernambuco foi um dos principais agentes desse padrão de intermediação. Superavitário nas transações com os demais estados nordestinos e com o exterior, mas deficitário com o Sudeste, abriam-se no território estadual frentes de acumulação mercantil, que se beneficiavam do comércio inter-regional e intra-regional (GALVÃO, 1977).

Costuma-se atribuir ao Estado uma vocação comercial que remete à época da invasão holandesa (meados do século XVII), quando a cidade do Recife foi dotada de uma infraestrutura moderna, para os padrões vigentes, além de contar com marcante presença de mascates portugueses (CUNHA e CAVALCANTI, 2006).

Assim, o comércio tornou-se uma atividade capaz de apropriar-se de expressiva parcela de excedentes na esfera da circulação de mercadorias. Por isso mesmo, no final do século XIX, importantes estabelecimentos, que intermediavam a produção açucareira estadual, controlavam os canais de escoamento do referido produto.

Essas "frentes de acumulação", orientadas pela lógica de comercialização de mercadorias, viabilizaram transformações patrimoniais que permitiram a incorporação, por algumas dessas firmas comerciais, de empresas produtivas, com destaque para as usinas de açúcar. A regra básica era não abdicar do caráter mercantil da acumulação qualquer

que fosse o setor de atividade141, estratégia que permitiu às empresas comerciais se

sustentarem em condições vantajosas até o final dos anos de 1950.

Quando incidiram sobre Pernambuco os efeitos da integração produtiva, empresas cujo controle de capital remetia ao Sudeste do País ou mesmo ao exterior lideraram a retomada do crescimento econômico, puxado pela indústria. Saliente-se que o parque industrial do Estado guardava, no começo da década de 1960, algumas

140

Segundo Galvão (2003), o período 1960-1985 é o único para o qual se dispõe de informações confiáveis de comércio interestadual, as quais foram sendo escasseadas a partir dos anos de 1990 – pelo menos do ponto de vista de sua publicação – com o recrudescimento da Guerra Fiscal. Por isso, esta seção dedica comentários referentes a estudos que cobrem adequadamente as relações de comércio do período, tanto interno como internacional. A partir das próximas seções, porém, o trabalho sofre da lacuna informacional referente aos fluxos comerciais internos.

141

similaridades em relação ao desenvolvido no Sudeste, até pelo menos o início da fase de industrialização pesada.

As relações comerciais desse período explicitariam, portanto, o confronto de duas estruturas produtivas semelhantes, prevalecendo a mais eficiente e pautada em um desenvolvimento mais avançado das forças produtivas (GALVÃO, 1977).

O choque de estruturas foi intenso em Pernambuco. Verificou-se um progressivo deslocamento das até então principais frações locais de capital do papel de liderança econômica, embora sem representar um desaparecimento: a homogeneização capitalista decorrente da integração produtiva não ocorreu de forma completa: respeitou algumas arestas. São ilustrativos os casos da indústria têxtil, da indústria açucareira, das

atividades relacionadas à urbanização – sobretudo na construção civil – e da

modernização agrícola.

O programa de revitalização da indústria têxtil, a política de financiamento habitacional (a contar de meados dos anos de 1960) e o programa de reequipamento da indústria açucareira, na década de 1970 (precedido pelo fornecimento preferencial ao mercado dos EUA), são exemplos de compensações que contemplaram os capitalistas locais no processo de crescimento pelo qual passava a economia estadual.

Como resultado das transformações provocadas pela integração produtiva e pelo histórico estadual de intermediação comercial, Galvão (1977) aponta que, nos anos de 1960, o estado de Pernambuco teve notável abertura em relação ao mercado interno brasileiro e internacional, uma vez que os fluxos totais de comércio oscilaram de 60% a 97% da renda interna estadual, na referida década.

Além disso, o volume do comércio externo de mercadorias mostrou-se elevado, em relação ao produto físico interno, confirmando a característica de Pernambuco constituir um centro distribuidor no Nordeste. Também por isso, era deficitário no tocante às relações inter-regionais (GALVÃO, 1977).

Essa constatação é reforçada quando se tem em vista que mais de 80% dos fluxos comerciais de Pernambuco provinham dos demais estados brasileiros. Embora os balanços internacional e intra-regional fossem positivos, eram insuficientes para

compensar o saldo negativo do comércio inter-regional do Estado com as demais unidades federadas do País nos anos de 1960.

Com o passar dos anos, seria reduzida a histórica centralidade exercida por Pernambuco no que diz respeito às intermediações de comércio do Nordeste. A integração do mercado nacional, amparada na constituição de infraestrutura rodoviária, levaria a um crescente esvaziamento da referida centralidade. Ademais, as relações comerciais dos estados nordestinos passariam a ocorrer diretamente nos mercados de origem e/ou destino das mercadorias (GALVÃO, 1977).

Embora o comércio internacional correspondesse, em média, a menos de 20% do volume total transacionado por Pernambuco, cabe destacar o histórico de saldos positivos, compensando, em parte, o déficit na balança do comércio inter-regional. Esse resultado favorável no comércio externo dava-se em função das exportações de açúcar e da redução das importações provenientes do exterior, substituídas pela produção interna do Sudeste (GALVÃO, 1977).

Nesse sentido, a constituição da "Nova Indústria", no Nordeste, levaria ao reforço da articulação com os principais centros produtivos do País. As indústrias regionais passariam a destinar parcela crescente das vendas para o mercado interno, onde também efetuavam as principais compras de produtos intermediários para a produção industrial (GOODMAN e ALBUQUERQUE, 1974).

Ao mercado externo ficaria reservado o papel de fornecimento de bens não produzidos no País, caso do trigo e cereais, gêneros alimentícios que detinham maior participação na pauta de importações internacionais do Estado, chegando, em média a 40% do total importado na década (GALVÃO, 1977).

Quanto às vendas internacionais, existia forte dependência em relação ao açúcar, cuja participação oscilava de 77% a 91% da pauta estadual de exportações no período de 1969-1974. Conhecer a trajetória dos preços internacionais e a quantidade exportada de açúcar é, portanto, condição para definir-se o saldo de comércio externo estadual no período considerado.

De um valor estabilizado em torno de 127 dólares, no período de 1968/1972, os preços internacionais do açúcar subiram para 197 dólares, em 1973, e 559 dólares, em

1974. Contudo, em 1975, já havia tendência de queda, confirmada em 1976. O caráter cíclico, portanto, não garantia a geração de excedentes econômicos em condições de compensar o déficit no comércio interestadual (GALVÃO, 1977).

Há de se considerarem, também, fatores estruturais endógenos da produção açucareira. As condições produtivas do segmento pouco privilegiavam a incorporação de ganhos tecnológicos. Preferia-se um crescimento em extensão, baseado na incorporação de áreas plantadas de difícil arado, requerendo uso intensivo do fator trabalho.

Além de estar vulnerável à conjuntura internacional, desde meados dos anos de 1950 a produção local de açúcar era cada vez mais deslocada do mercado consumidor nacional, uma vez que o Sudeste, ampliando uma base produtiva tecnicamente superior à de Pernambuco, passava à condição de principal fornecedor, gerando importantes excedentes, não raro reconvertidos em melhorias na produção (CANO, 2007).

Também merecem destaque aspectos institucionais definidos ao nível do planejamento do setor sucroalcooleiro no Brasil. A regulação de preços e cotas de

mercado para o açúcar – entendida pela classe empresarial do Estado como salvaguarda

– constituía, na verdade, imposição de limites à expansão local da produção, amortecendo pressões competitivas reais, sobretudo em relação aos concorrentes de São Paulo (SZMRECSÁNYI, 1976).

A propósito de outras culturas agrícolas, tiveram início, no período de 1960 a 1985, os primeiros experimentos com agricultura irrigada no Nordeste. Em Pernambuco, aproveitou-se a regularização do regime hídrico do rio São Francisco para empreender o início da fruticultura e da produção de cebolas.

Embora não se tenha registro de exportações consideráveis nessa época, foi então que se gestou uma "transferência de tecnologia" empresarial ao meio rural, que anos depois permitiria à agricultura irrigada acessar os mercados externos, na esteira de uma importante transformação capitalista na região de Petrolina (CHILCOTE, 1990; ANDRADE, 1998).

Quanto ao comércio interestadual de Pernambuco, a análise feita por Galvão (1977) aborda duas variantes: (i) as relações estabelecidas entre o Estado e as restantes