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Comércio e Serviços: crescimento e início da modernização setorial

SUMÁRIO

CAPÍTULO 2 – PERNAMBUCO NO AUGE DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL DA SUDENE (1960-1985)

2.4 Comércio e Serviços: crescimento e início da modernização setorial

Pernambuco exercia, na década de 1960, importante papel de intermediação comercial no Nordeste. A capital, dotada de uma infraestrutura diferenciada para a época (contando, inclusive, com um moderno porto), concentrava as transações estabelecidas com a Região, o resto do País e o resto do mundo. Atividades relacionadas a transporte,

armazenamento e distribuição de mercadorias; negócios imobiliários, comércio varejista e os mais diversos serviços de apoio à produção expressavam o dinamismo do terciário, no Recife (SINGER, 1974).

Na década de 1960, estimativas do Produto Interno Líquido (PIL), realizadas por Irmão e Romão (1975), mostram que o setor terciário do Recife cresceu à taxa anual média de 5,5%, superando o conjunto da economia estadual e os setores primário e secundário.

Face ao crescimento econômico relacionado às transformações estruturais da indústria, o setor de comércio e serviços também passaria por um processo de modificações na estrutura até então prevalecente. As mais expressivas ocorreram no varejo, refletindo a intensificação do processo de urbanização das três principais capitais do Nordeste: Recife, Fortaleza e Salvador (BRANDÃO, 1985).

O Gráfico 2.10 mostra que o dinamismo do terciário, no estado de Pernambuco, foi superado pelo conjunto de estados do Nordeste. Ocorre que outras praças da Região se desenvolveram no período, com destaque para o caso de Fortaleza, e se consolidaram em bases e relações econômicas distintas, como Salvador.

Gráfico 2. 10 – Nordeste e Pernambuco: evolução real do Produto Interno Bruto dos serviços (1970=100), 1970- 1985

Fonte: SUDENE (1983), Produto e Formação Bruta de Capital, 1965-1998.

Assim, a trajetória de crescimento sustentado dos serviços, tanto no Nordeste, quanto em Pernambuco, evidencia um "descolamento" da dinâmica regional frente à estadual, desde 1970. O processo refletiu a constituição de infraestrutura rodoviária e de transporte, que permitiu a vinculação direta das capitais nordestinas aos centros

90,0 140,0 190,0 240,0 290,0 340,0 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 PE NE

produtivos nacionais, em especial São Paulo, reduzindo, em parte, o papel de intermediação comercial do Recife (Gráfico 2.10).

Desde o ponto de vista da forma como estava composto o produto do setor em Pernambuco, o Gráfico 2.11 mostra uma distribuição equilibrada entre as atividades comerciais e financeiras (inclusive prestação de serviços às empresas). Com participações menores, os serviços comunitários, sociais e pessoais registraram perda de importância entre 1970 e 1985.

O segmento de transporte, armazenagem e comunicações, embora tenha apresentado, ao longo dos anos, uma participação mínima no produto setorial, ganhou peso relativo. Esse resultado reflete o fato de a mudança na matriz de transporte do País – pautada, até os anos de 1940, na cabotagem e, após a década de 1950, no transporte

rodoviário – ter se mantido latente em Pernambuco, beneficiando diversos

estabelecimentos dedicados à prestação de serviços logísticos (Gráfico 2.11).

Gráfico 2.11 – Pernambuco: composição do Produto Interno Bruto dos serviços, a custo de fatores, por setores econômicos (em %), 1970-1985

Fonte: SUDENE (1983), Produto e Formação Bruta de Capital, 1965-1989. Apud.: Souza (1990), pág. 61

Ocorreram, na própria estrutura dos segmentos, importantes alterações, cuja profundidade esteve relacionada à mudança qualitativa nas relações inter-regionais, no Brasil, a contar de 1960. Foi a partir da integração produtiva, por exemplo, que os primeiros germes do hoje denominado "Varejo Moderno" surgiram no Estado, por meio de grandes lojas de departamento e de estabelecimentos de pequeno e médio porte, com perfil organizacional e gerencial diferenciado.

30,0 29,9 31,2 34,3 36,1 35,0 28,4 33,4 32,9 32,1 34,2 33,0 33,6 31,4 29,9 31,0 6,6 6,2 6,1 5,8 5,6 5,5 6,0 6,0 6,0 6,1 8,0 8,7 7,6 9,0 9,5 8,2 32,3 33,5 31,7 31,2 29,8 31,0 35,5 34,8 35,2 36,0 35,3 35,7 35,6 38,8 41,4 38,6 31,1 30,4 31,0 28,6 28,5 28,6 30,2 25,8 26,0 25,0 22,5 22,6 23,2 20,8 19,2 22,2 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0 100,0 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 Serviços comunitários sociais e pessoais Atividades financeiras, bens imóveis e serviços às empresas Transportes, armazenagem e comunicações Comércio (inclusive restaurantes e hospedagem)

Também data dessa época o surgimento das redes de supermercado, em substituição ao comércio em quitandas, "secos e molhados" e mercados públicos. Nos anos de 1970, expandiram-se, em Pernambuco, os supermercados, com destaque para as redes "Comprebem" e "Bompreço". Expressão das mudanças nos padrões da oferta e demanda no varejo, é importante destacar que esses estabelecimentos marcam significativa transformação na herança comercial lastreada nos estabelecimentos portugueses "grossistas" (MENDONÇA, 2010; SANTOS, 2003).

Os estabelecimentos tradicionais – cuja atuação se dava de forma atomizada,

quase sempre no centro de um Recife em rápido processo de transformação – seriam

substituídos pelas redes atacadistas de maior porte, capazes de armazenar e comercializar cargas aproveitando-se da crescente expansão da malha viária em todo o Nordeste. Com isso, tiveram impulso empresas dedicadas ao transporte rodoviário e ao

armazenamento dos produtos comercializados em Pernambuco e na Região70.

Já nos anos de 1980, foram concluídas as obras do Shopping Center Recife, entendido por alguns analistas como o símbolo do renascimento da vocação varejista do Estado. Esse empreendimento, que detinha a maior área bruta locável do País até anos recentes, representou a consolidação de uma tendência de modernização dos principais estabelecimentos comerciais em Pernambuco (SANTOS, 2003; CAVALCANTI e CUNHA, 2006).

O dinamismo e as transformações do terciário estão manifestos, em perspectiva agregada, nas informações da Tabela 2.7, relativas ao número de pessoas ocupadas e ao valor da receita dos estabelecimentos do comércio, em Pernambuco, nos anos de 1970, 1975 e 1980. Entre 1970 e 1975, a receita dos estabelecimentos comerciais quase dobrou, em termos reais, expandindo-se à expressiva taxa média de 14,2% ao ano. O número de pessoas ocupadas cresceu à taxa anual média de 5,5%, na primeira metade da década de 1970, e a 7% a.a., na segunda metade. Além disso, os dados mostram que, em média, cerca de 90% do pessoal ocupado no comércio estavam vinculados à atividade varejista.

70

Um dos exemplos mais expressivos de empresas que passaram a atuar na distribuição e comercialização de produtos no atacado foi a Rapidão Cometa. Criada a partir de capital local, a Rapidão Cometa é hoje uma das principais empresas de logística do Nordeste, segundo o anuário Valor – Grandes Empresas de 2012. Tem operações controladas pelo grupo norte-americano FedEx.

Em muito contribuíram para esse dinamismo os aspectos antes mencionados,

embora também se devam apontar os efeitos da acelerada urbanização do Recife – que,

em 1973, teve reconhecida sua condição de matriz de região metropolitana – e, sobretudo, o dinamismo da indústria de transformação e da construção civil, demandantes de uma série de serviços de apoio industrial (que, em virtude do nível de agregação das informações disponíveis, não podem ser captados).

Tabela 2.7 – Pernambuco: dados gerais do setor comercial, segundo classes atividade, 1970/1975/1980

Discriminação Total Comércio Varejista Comércio

Atacadista 1970 Pessoal ocupado em 31.12.70 87.623 76.415 11.208 Valor da Receita (Cr$ 1.000 de 1980) 100.718.725 58.172.171 42.546.554 1975 Pessoal ocupado em 31.12.75 114.623 100.761 13.862 Valor da Receita (Cr$ 1.000 de 1980) 197.848.445 109.583.420 88.265.025 1980 Pessoal ocupado em 31.12.80 160.793 145.738 15.055 Valor da Receita (Cr$ 1.000 de 1980) 254.862.937 157.545.770 97.317.167 Fonte: IBGE - Censo Comercial de Pernambuco. Apud.: CONDEPE (1989), p. 107-8.

Considere-se, ainda, que o meio urbano/metropolitano, se é locus privilegiado de atividades terciárias, é também o espaço por excelência da acumulação mercantil de capital. Abarca, portanto, desde atividades usurárias até o rentismo, pautado, seja na renda da terra, seja na valorização patrimonial de outros ativos, seja mesmo no controle sobre o fluxo de pessoas pela cidade (CANO, 2010).

Os dados da Tabela 2.7 também evidenciam o início de uma desaceleração, a partir de 1975, na dinâmica comercial do Estado, que viria a se confirmar na difícil conjuntura da primeira metade do decênio de 1980 (CONDEPE, 1989).

À parte a "vocação" comercial de Pernambuco, também se devem considerar os serviços e o amplo leque de atividades que compreende desde a informalidade até a

formalidade especializada71. Oliveira (2003) analisou essa característica, em momentos

distintos, e constatou tratar-se de uma realidade que persistiu em todo o País, ao longo

71

Embora o estudo da informalidade não seja o objeto central desta tese, persistiu em Pernambuco, ao longo dos últimos trinta anos, uma consequência fundamental do projeto incompleto de industrialização da SUDENE, também característica do País: a funcionalidade entre o moderno e o atrasado, este insuperado pelas possibilidades que oferece a uma acumulação de capital travestida de progressista, quando, no mais das vezes, não passa de mercantil.

dos anos. No caso do Nordeste, o referido autor observara, em 1981, que “hostes errantes” eram cada vez mais atraídas para os principais centros urbanos regionais (Recife, Fortaleza e Salvador), que se encontravam precarizados, do ponto de vista social, a despeito do crescimento econômico verificado durante a década de 1970 (OLIVEIRA, 1981).

Com isso, replicava-se, na Região, o fenômeno da “arrebentação urbana” destacado por Cano (1989): de fato, foi notável o crescimento de áreas pobres e vulneráveis, no entorno metropolitano do Recife, onde habitava e de onde se deslocava, para trabalhar, considerável contingente de pessoas.

Considerados esses aspectos, para analisar a dinâmica setorial no período, foram utilizados dados gerais dos Censos dos Serviços de 1970, 1975 e 1980. A despeito das mudanças metodológicas ocorridas na classificação de atividades, é possível observar, nas Tabelas 2.8, 2.9 e 2.10, que estavam empregados nessas atividades 35 mil trabalhadores, em 1970, 56,4 mil, em 1975, e 93,6 mil, em 1980.

Em 1970, a Tabela 2.8 mostra, além da distribuição de empregados, nas diversas classes de serviços, o valor da receita obtido. Ressalta, no total do emprego, a participação dos serviços de alojamento e alimentação (36,5%) e dos serviços pessoais (20,8%).

Tabela 2. 8 – Pernambuco: dados gerais do setor de serviços, por classes de atividade, 1970 Discriminação Pessoal ocupado em 31.12.70 Valor da Receita Número Distr. % Cr$ 1.000 de 1980 Distr. % Total 35.143 100,0 6.686.019 100,0

Serviços de alojamento e alimentação 12.819 36,5 2.418.621 36,2

Serviços de reparação, manutenção e conservação 6.976 19,9 763.462 11,4

Serviços pessoais 7.314 20,8 579.430 8,7

Serviços comerciais 5.546 15,8 2.179.988 32,6

Serviços de diversões, radiodifusão e televisão e de promoção

de espetáculos artísticos 2.488 7,1 744.518 11,1

Fonte: IBGE - Censo dos Serviços. Apud.: CONDEPE (1989), p. 98.

No primeiro caso, o papel exercido pelo estado de Pernambuco, no que se refere à oferta de leitos, foi reforçado pela já mencionada abertura, por parte da SUDENE, de linhas de incentivos fiscais à criação de estabelecimentos hoteleiros. A importância dos serviços de alimentação refletia a existência de uma demanda proporcionada pelo dinamismo vigente, no período, induzindo maior circulação monetária, mesmo em contexto

de arrocho salarial. Quando se observa o valor da receita obtido no ano, mais uma vez se destacam os serviços de alojamento e alimentação (36,2%), mas também devem ser mencionados os serviços comerciais (32,6%), em virtude do peso das atividades atacadistas (Tabela 2.8).

Em 1975, observa-se um aumento de 60% no número de pessoas ocupadas nos serviços, em relação a 1970. Crescimento ainda mais expressivo ocorreu no valor da receita, com destaque para os serviços de alojamento e alimentação e de reparação e manutenção, relacionado ao funcionamento acelerado do setor industrial (Tabela 2.9). Tabela 2. 9 – Pernambuco: dados gerais do setor de serviços, por classes de atividade, 1975

Discriminação Pessoal ocupado em 31.12.75 Valor da Receita Número de pessoas Distr. % Cr$ 1.000 de 1980 Distr. % Total 56.401 100,0 18.763.991 100,0

Serviços de alojamento e alimentação 19.898 35,3 6.018.645 32,1

Serviços de reparação, manutenção e confecção 13.979 24,8 2.892.331 15,4

Serviços de higiene pessoal, saunas, termas e fisioterapia 4.006 7,1 400.320 2,1

Serviços de diversões, radiodifusão e televisão 2.327 4,1 1.175.179 6,3

Serviços diversos 16.191 28,7 8.277.516 44,1

Fonte: IBGE - Censo dos Serviços. Apud.: CONDEPE (1989), p. 99.

Além disso, há de ressaltar-se o segmento de “serviços diversos”, que passou a incorporar os antigos “serviços pessoais” e os “serviços comerciais”, afora os serviços financeiros: ele apresentou, em relação a 1970, notável crescimento, em termos do contingente de pessoas ocupadas, e em termos de receita (44,1% do total). Os serviços de alojamento e alimentação mantiveram um importante peso (32,1%), seguidos pelos serviços de reparação e manutenção (15,4%).

Pelos dados da Tabela 2.10, relativos a 1980, 93,6 mil pessoas estavam empregadas em atividades de serviços em Pernambuco, distribuídas, com maior peso, nos segmentos de alojamento e alimentação (36,6%), serviços auxiliares diversos (28,5%) e reparação e manutenção (23,5%).

Tabela 2. 10 – Pernambuco: dados gerais do setor de serviços, por classes de atividade, 1980 Especificação Pessoal ocupado em 31.12.79 Valor da Receita (Cr$ 1.000 de 1980) Número de pessoas Distr. % Cr$ 1.000 de 1980 Distr. % Total 93.608 100,0 44.555.602 100,0

Serviços de alojamento e alimentação 34.272 36,6 10.031.662 22,5

Serviços de reparação, manutenção, instalação e confecção sob medida 22.031 23,5 5.188.246 11,6

Serviços pessoais e de higiene pessoal 6.146 6,6 1.047.149 2,4

Serviços de radiodifusão, televisão e diversões 2.197 2,3 1.542.898 3,5

Serviços auxiliares diversos 26.674 28,5 24.924.034 55,9

Serviços de compra, venda, loteamento, incorporação, administração, locação e

arrendamento de bens imóveis 2.288 2,4 1.821.613 4,1

Fonte: IBGE - Censo dos Serviços. Apud.: CONDEPE (1989), p. 100.

O valor total da receita obtida em 1980 dobrou, em relação a 1975, graças, em especial, ao faturamento das atividades de serviços auxiliares diversos (55,9% do total) e de alojamento e alimentação (22,5%).

CAPÍTULO 3

– CRISE DO ESTADO, ESVAZIAMENTO DA SUDENE E

NEOLIBERALISMO: ESTRUTURA E DINÂMICA DA ECONOMIA DE

PERNAMBUCO (1985-2003)

Após três décadas de crescimento e acelerada industrialização, a economia brasileira sofreria, a partir dos anos de 1980, impactos associados à modificação do padrão internacional hegemônico de acumulação de capital. Originada da repentina elevação do grau de endividamento externo, essa época de crise foi desdobrada sob a forma de dificuldades fiscais e financeiras do setor público (CARNEIRO, 2002).

Um dos agentes centrais da industrialização, o Estado padeceria, a contar da década de 1980, de crescentes dificuldades para expandir e diversificar a economia

brasileira. Além disso, a função de planejamento – que norteava ações indiretas,

relacionadas ao desenvolvimento de atividades econômicas – também seria esvaziada. As intervenções públicas que levaram (i) à industrialização, (ii) à modernização,

desde os anos de 1970, do setor agropecuário brasileiro – que, embora conservadora e

itinerante, permitiu ao País uma inserção internacional competitiva, graças a alguns

produtos primários – e (iii) à desconcentração produtiva regional foram suprimidas em

favor da preocupação central de combater o avanço inflacionário no país (CANO, 2002; CANO, 2007a; BELLUZZO e ALMEIDA, 2002).

A adoção de políticas ortodoxas, de cunho restritivo, era justificada pela necessidade de fazer frente aos efeitos combinados da vulnerabilidade externa, da incapacidade fiscal e financeira do setor público e da galopante inflação. A questão estava em que as sucessivas políticas executadas tinham efetividade reduzida, criando um ambiente político-institucional frágil, que reforçava ainda mais os impactos negativos sobre a atividade econômica (ABREU, 1990).

A desaceleração da economia brasileira refletiu-se em termos espaciais: no contexto de integração produtiva, efeitos recessivos foram disseminados pelas diversas regiões do País, embora em diferentes magnitudes e com espúrio sentido de desconcentração. Para tanto, em muito contribuiu o esvaziamento das instâncias executoras de políticas de desenvolvimento regional (CANO, 2007b).

De um lado, a crise fiscal e financeira do Estado foi transmitida às instâncias governamentais subnacionais, dificultando ações públicas de caráter local, mesmo após a redemocratização. De outro lado, no caso específico do Nordeste, a situação da SUDENE apenas se tornava ainda mais crítica, enquanto os desafios se avolumavam, dado o fato de a Região já haver sido inserida na divisão inter-regional do trabalho (FERRARIO, 2001; KON, 2002; MONTEIRO NETO, 2005).

No início da década de 1990, ocorreu, em escala nacional, a adesão ao neoliberalismo. No primeiro momento, a abertura comercial e financeira do País ao exterior foi o principal instrumento de implantação de políticas neoliberais. Com um choque de competitividade, acreditava-se que a produtividade industrial brasileira alcançaria novos patamares e o "ajuste" seria, a posteriori, revertido em ganhos sociais (BACHA e BONELLI, 2005).

A opção neoliberal dos anos de 1990 foi ainda mais aprofundada por um projeto de reforma monetária que representava mais do que uma solução imediata para o problema inflacionário do País: o Plano Real constituía um poderoso projeto de reforço ideológico, de "longo prazo", do neoliberalismo no Brasil (BELLUZZO e ALMEIDA, 2002).

Como se sabe, o instrumento de estabilização (âncora cambial) era insustentável e a adoção oportunista de um regime flutuante levou o País à condição de endividamento externo, após sucessivas crises internacionais, no final dos anos de 1990, situação que persistiu até o ano de 2003, quando o câmbio alcançou a maior desvalorização sob o Real (BELLUZZO e ALMEIDA, 2002).

O Estado, debilitado em função da conjuntura adversa do decênio de 1980, seria reestruturado conforme os preceitos do Consenso de Washington, do que resultou um processo de "enxugamento institucional" e de revisão dos padrões de intervenção direta na economia, mediante um questionado processo de privatizações (CANO, 2007b).

Do ponto de vista espacial, o Brasil daria execução à estratégia denominada "Eixos de Integração", que consistia em fomentar a infraestrutura necessária à articulação da economia de territórios dinâmicos às correntes de comércio mundial, apostando na reiteração de vantagens comparativas e contribuindo ainda mais para a observação de diferenciadas trajetórias subnacionais de desenvolvimento (BRANDÃO e GALVÃO, 2003).

Já as unidades federadas, diante da incapacidade coordenadora do Governo Federal, passariam à condição de "atores" de indução do desenvolvimento regional. O federalismo brasileiro, ao contrário da proposta de cooperativismo da Constituição de

1988, assumiria uma faceta competitiva, por meio da “Guerra Fiscal”72

(AFFONSO e SILVA, 1995).

A transição para a década de 2000 evidenciaria os equívocos das opções de política econômica em todas as escalas: na macroeconômica, dada a vulnerabilidade externa da economia nacional – em relação à volatilidade especulativa de capitais atraídos para o País – e a incapacidade de promover o avanço do setor industrial; e, na espacial, dada a tendência de "fratura" das relações inter-regionais estabelecidas durante o período da industrialização (PACHECO, 1998).

Não por acaso, foi nesse período que projetos de impacto territorial das grandes empresas assumiram a condição principal de determinantes do desenvolvimento regional, suplantando a capacidade estatal de fazer valer políticas territoriais. Com a supressão, quase completa, das funções de intervenção e planejamento do Estado nos anos de 1980, confirmada pela adesão ao neoliberalismo, nos anos de 1990, a explicação de trajetórias regionais de desenvolvimento deve ser buscada menos nos aspectos políticos e institucionais e mais nas possibilidades de inserção competitiva e adequação funcional ao projeto nacional (VAINER, 1990; SANTOS, 2011).

Já a partir do decênio de 1980, a integração do Nordeste tornou-se dependente de algumas plantas industriais instaladas em "polos", antes de eclodir a crise fiscal e financeira do Estado brasileiro, que relegaria o planejamento regional a uma condição não-prioritária, em um contexto em que a macroeconomia de curto prazo e o combate à inflação e à dívida externa se revelavam como "a agenda" pública.

Embora o Nordeste tenha convergido, em relação a São Paulo, em termos produtivos, a desconcentração do período foi apenas estatística, refletindo a maturação dos polos industriais instalados na Região na segunda metade dos anos de 1970 (CANO, 2008).

72

A atuação do estado de Pernambuco, em termos de guerra fiscal, será objeto de análise em capítulo posterior. São observados dois momentos específicos (para os quais se dispõe de dados): o primeiro, referente ao período de 1996- 2001, quando se intensificou a concessão de incentivos fiscais em um momento difícil para a indústria pernambucana; e o segundo, referente ao período 2007-2012, em uma fase de retomada do crescimento industrial no Estado, em que o governo estadual se tornou ainda mais agressivo na concessão de subsídios fiscais às empresas.

Como destaca Araújo (2000), dessa incapacidade estatal de conduzir o processo regional de desenvolvimento resultou uma "herança de diferenciação", que logo se converteria em um "futuro de fragmentação".

Com efeito, no período posterior ao que marcou o auge da SUDENE, seria possível verificar a existência de "regiões" – segundo o conceito definido no capítulo

introdutório – dentro do Nordeste. De um lado, áreas dinâmicas, expressões do intenso

processo de modernização pelo qual passou a Região, a exemplo do polo petroquímico de Camaçari (Bahia), do polo têxtil e de confecções de Fortaleza, do complexo mínero- metalúrgico do Maranhão, do polo agroindustrial de Petrolina e Juazeiro e do polo de fruticultura do Vale do Açu, no Rio Grande do Norte (ARAÚJO, 2000).

De outro lado, persistiam, na Região, aspectos históricos, tais como: a vulnerabilidade climática de áreas produtoras de culturas tradicionais, no Semiárido; a concentração de riqueza e a manutenção de indicadores de baixo grau de desenvolvimento humano, inclusive nas principais cidades; crises sociais, na Zona da Mata, decorrentes da incapacidade de realização externa da produção açucareira, inibindo possíveis caminhos para a diversificação produtiva local; e uma atuação, no litoral (e áreas urbanas), cada vez mais aprofundada do capital mercantil, travestido em formas mais modernas de acumulação (ARAÚJO, 2000).

Nesse quadro de diferenciação, convém situar a trajetória econômica de Pernambuco, no período compreendido entre 1985 e 2003, associando tal evolução aos macrodeterminantes nacionais e aos aspectos endógenos que tornaram específica a dinâmica estadual.

3.1 Evolução no período

Em virtude da crise fiscal e financeira do Estado nos anos de 1980, e das dificuldades associadas aos anos de 1990, outro não poderia ser o resultado senão o baixo crescimento médio, tanto da economia brasileira (2,5% ao ano), como da nordestina

e pernambucana (ambas com taxa média de 1,8% a.a.), ao longo do período 1985-200373

(Gráfico 3.1).

73

As informações utilizadas nesta seção foram cedidas pelo economista Leonardo Guimarães Neto. Os dados foram elaborados pela Agência CONDEPE-FIDEM. Estudo inédito realizado pelo referido economista pauta parte das reflexões aqui realizadas.

O Gráfico 3.1 deixa evidente o que Gomes e Vergolino (1995) denominaram "hipótese de solidariedade", nada mais que a similaridade da dinâmica apresentada pelas curvas de VAB do Brasil e do Nordeste, entre 1985 e 2003. Enquanto isso, a curva que representa a evolução do VAB de Pernambuco, embora tenha o mesmo sentido que a nacional e a regional, mostra uma dissociação, em relação à média do País e da Região. Gráfico 3. 1 – Brasil, Nordeste e Pernambuco: evolução do Valor Adicionado, a preços básicos (1985=100), 1985/2003

Fonte: IBGE/Agência CONDEPE-FIDEM.

Enfatizando os aspectos de ordem local que asseguram peculiaridade à trajetória econômica de Pernambuco ao longo do período de 1985-2003, observa-se um