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AIDA – O TRIÂNGULO AMOROSO ENTRE FILHA, PAI E AMANTE

No documento O poder do universo artístico de Paula Rego (páginas 161-165)

OF FINE ARTS EM LONDRES

Fig 86 Paula Rego Faust, 1983 Acrílico s/ Fig 87 Paula Rego The Girl of the Golden

2.4.1.2. AIDA – O TRIÂNGULO AMOROSO ENTRE FILHA, PAI E AMANTE

A ópera Aida foi composta em quatro atos com música de Giuseppe Verdi (1813- 1901) e libreto de Antonio Ghislanzoni (1824-1893). Aida estreou no Cairo em 24 de dezembro de 1871, ante uma platéia internacional.

Essencialmente, a história retrata o drama vivido por Aida, uma escrava etíope da orgulhosa princesa egípcia Amneris. Aida amava o jovem guerreiro Radamés. Entretanto, Amneris também compartilhava do mesmo sentimento de Aida, o que, por si só, era um obstáculo para o relacionamento deles.

Em certa ocasião, Radamés foi informado pelos sacerdotes que a Etiópia tencionava trazer a guerra para o vale do Nilo. O guerreiro desejou ser nomeado Comandante do exército egípcio, já antevendo a sua vitória, pois assim poderia libertar Aida.

Decerto, como havia previsto, a Etiópia foi derrotada. Contudo, Aida ainda guardava um segredo muito importante: ela era a filha do rei da Etiópia, fato que dificultaria ainda mais a relação entre ela e Radamés.

Amneris desconfiava dos sentimentos da escrava em relação a Radamés e, então, tramou uma forma de ficarem a sós, a fim de ter certeza dos sentimentos da escrava. Desse modo, mentiu a Ainda, dizendo que Radamés estava morto; em seguida, disse que ele estava vivo e, assim, pôde finalmente ter a certeza de que Aida o amava, pois, quando

disse que ele estava morto, ela não conseguiu disfarçar o seu horror e, quando finalmente desmentiu o fato, ela se mostrou contente.

A vitória foi celebrada com uma grande festa. O rei e a princesa Amneris, participaram da festa, orgulhosos. Os derrotados e capturados etíopes vieram logo atrás de Radamés, que entrou triunfalmente no palácio para ser agraciado com a coroa da vitória.

Entre os presos, encontrava-se o rei Amonasro, pai de Aida, que, de forma muito astuta, ao vê-la, sinaliza-lhe para que não revele a sua verdadeira identidade. Com um discurso bastante eloqüente, Amonasro suplicou a Radamés que o rei reconsiderasse a sentença de morte dos prisioneiros e os libertasse. Ele ficou bastante impressionado com o discurso do preso e, de fato, pediu isso ao rei, como uma forma de recompensa pela vitória. O rei atendeu o seu pedido e lhe concedeu a mão da princesa em casamento. Porém, ordenou que Amonasro fosse mantido sob custódia.

Aida e Radamés marcam um encontro secreto e, enquanto ela aguardava sua chegada, foi tomada por um sentimento de nostalgia por sua terra natal. De repente, à sua frente, surge seu pai, que estava escondido observando tudo. Novamente, de maneira persuasiva, ele se apodera do sentimento nostálgico da filha e força-a a investigar Radamés sobre os planos secretos da entrada do exército egípcio na Etiópia. Ele voltou a se esconder para ouvir o segredo, caso ele fosse revelado.

Quando Radamés chegou para o encontro, Aida seguiu as ordens do seu pai, pedindo a ele que lhe contasse sobre os planos do exército. De forma um tanto inocente, ele revelou tudo a Aida. Imediatamente, Amonasro sai do esconderijo, surpreendendo Radamés, ao revelar a sua verdadeira identidade, e este fica perplexo.

Contudo, nesse mesmo instante, chegam Amneris e o sacerdote Ramfis. Aida e o pai resolvem escapar, enquanto Radamés, sem nenhum argumento plausível para justificar o seu erro, se rende aos sacerdotes como um traidor (Clément, 1993: 161-163).

Nesse caso, fica muito claro que Aida e o pai são os personagens mais inteligentes da história. O vínculo de amor que os une e a noção exata que ela possui de pertencer a outra realidade tornam-se evidentes. Também se torna visível a debilidade da

personalidade de Radamés, que se transforma, por isso, no personagem mais manipulável da história.

Fig. 89 - Paula Rego. Aida, 1983. Acrílico s/

papel, 240 x 203 cm.

Nesse caso, a aparência é de caráter burlesco, pois, o burlesco e o riso subvertem o modo da apresentação mimética da realidade, justamente essa que nos é apresentada como sendo a verdadeira, porque séria e monolítica. Contudo, quando nos voltamos a Bakhtin, logo compreendemos que o riso tem o poder de unir, mesmo sem aspirar a nenhum poder. É intrínseco ao riso modificar a ordem das coisas; o riso abala as separações artificiais; o riso traz consigo movimento. Além disso, a sua natureza, se é que o riso possui uma, é acessível, pois as ‚portas do riso estão abertas a todos‛. E, assim, sem que se perceba, ‚mesmo o tom sério adquire uma resson}ncia diferente: beneficia-se dos reflexos próprios do tom do riso, [e] perde sua exclusividade e sua preponderância, completa-se com a tonalidade do riso‛ (Bakhtin, 1992: 374).

A artista, através do burlesco e do riso, vislumbra descobrir o que se encontra subjacente na aparência burlesca da vida e revelar o que aí pode estar oculto, ao mesmo tempo em que se desfaz daquilo que na vida é demasiadamente óbvio.

E é justamente esse elemento que Paula Rego explorou na obra Aida (fig. 89). O universo doméstico das relações familiares assume o foco principal da obra. O triângulo amoroso que se estabelece entre o pai, a filha e o amante configura a típica relação edipiana, que foi encenada na obra por figuras femininas e caricaturas antropomór- ficas. Esse dispositivo pode ser considerado uma forma de disfarce, ou se se preferir de mascaramento. O mascaramento é uma maneira de criar uma aparência que pressupõe um pensamento criativo.

Vale ressaltar ainda que a artista declarou em algumas ocasiões que o mecanismo da utilização de figuras antropomórficas para representar seres humanos se deve ao fato de ela crer que essas figuras exibem as emoções humanas de forma mais clara do que as pessoas. Assim, associamos de forma natural, a raposa com a astúcia, a galinha com o medo, o macaco com a sagacidade e assim por diante.

No centro da tela, podemos observar uma cena instigante: uma figura na forma de um macaco simplório e desajeitado (Radamés) está a tentar seduzir uma figura feminina, Aida. Contudo, como faz notar Fiona Bradley, no campo inferior direito do quadro, o macaco é metamorfoseado pela artista, num ‚benigno mas inútil crocodilo‛ (2002: 21).

Amonasro é representado na figura de um coelho autoritário que impõe ordens à filha, como podemos notar no campo superior direito da tela. Além disso, a figura do coelho encontra-se presa a uma bola de ferro, que possui um olho e duas pernas, levando- nos a supor que o olho seja uma indicação das suas claras intenções de modificar sua condição e os pés uma alusão ao seu breve tempo passado na prisão. Entretanto, a representação mais significativa fica a cargo da atitude da figura feminina representando Aida, com as mãos levantadas, quando corajosamente enfrenta seu pai.

No campo inferior da tela, surge uma cena hilária, um coelho a procurar pulgas no penteado da Esfinge. Não seria essa uma representação metafórica do momento em que Amonasro convenceu sagazmente Radamés, com seu discurso, a pedir que o salvasse da morte?

No campo superior esquerdo, uma cena pitoresca se desenrola. Uma curiosa figura, com uma cauda grande de crocodilo, está apoiada numa bengala-pássaro, possivelmente representando o sacerdote Ramfis, que se encontra ao lado de uma figura em forma de serpente representando a ciumenta princesa. Mais à esquerda, observamos uma figura feminina maior que nos remete a Aida, atrás dela, podemos observar uma figura muito menor que possivelmente seja Radamés. Por último, podemos observar a figura de um homem-escaravelho, ele parece ser Amonasro, que justamente tem a cara de escaravelho porque não pode revelar a sua verdadeira identidade. Tudo nos leva a supor que esse seja o momento em que o pai e a filha escapam, deixando para trás Radamés, que é surpreendido por Ramfis e a princesa ao revelar o segredo militar.

2.4.2. O MURO DOS PROLES – A PINTURA GRAFFITI DE

No documento O poder do universo artístico de Paula Rego (páginas 161-165)