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ANGÚSTIA E MUDANÇAS NA VIDA E OBRA DE PAULA REGO

No documento O poder do universo artístico de Paula Rego (páginas 102-106)

OF FINE ARTS EM LONDRES

Fig 41 Paula Rego Rainha, 1961 Colagem, Fig 42 Paula Rego Troféu, 1960 Óleo s/papel,

1.5. ANGÚSTIA E MUDANÇAS NA VIDA E OBRA DE PAULA REGO

O ano de 1966 marca o início de uma época bastante complicada na vida de Paula Rego: primeiro ocorreu o falecimento de seu pai e, imediatamente depois disso, o diagnóstico da doença degenerativa de seu marido, Victor Willing, que, com o sucedido, passa a gerir os negócios da família da artista, afastando-se da pintura.

A perda precoce do pai representou um baque para a artista, que o estimava profundamente. Somando-se a isso a tristeza decorrente da doença do marido, Paula Rego cai em forte depressão. Contudo, consciente de sua fragilidade emocional, ela recorre à psicoterapia junguiana. A experiência da psicoterapia foi fundamental para auxiliá-la nesse momento, e a artista a descreve do seguinte modo: ‚(...) ajudou-me a ser eu própria e a diminuir a distância que eu tinha criado entre mim e tudo mais – essa dist}ncia é péssima‛ (McEwen in: Almeida, 1988, s/p.).

Inevitavelmente o estado de espírito da artista alterou a sua forma de se relacionar com o mundo e isso repercutiu sobremaneira na sua arte.

1.5.1.

REDIMENSIONAMENTO

PESSOAL

E

ARTÍSTICO:

INTERSEÇÃO ENTRE O CONTEXTO HISTÓRICO, A OBRA E A

VIDA DE PAULA REGO

Os trabalhos de finais dos anos 1960 até os da década de 1970 sofreram significativas mudanças, dentre elas, o abrandamento do dinamismo visual do período anterior, o que torna as obras mais controladas e contidas. A presença da linha de contorno, característica do grafismo, confere às obras contornos mais claros e fixos. As formas tornam-se mais angulosas e quebradas; zonas de respiro são criadas através de um distanciamento maior entre as formas.

Nesse período, a artista também reflete sobre os materiais que usa em suas pinturas e assim, passa a utilizar a tinta acrílica, atraída pela espontaneidade que o uso do acrílico permite, pois o tempo para a sua secagem é bem menor que o da tinta a óleo. Por conseguinte, o recurso confere às obras uma superfície mais lisa e luminosa, em variadas nuances de rosa, vermelho, violeta, castanho, alaranjado e verde, inspiradas no colorido kitsch próprio daquela época.

Os aspectos formais assumem uma nova configuração, tornando-se mais legíveis em função da tinta acrílica e, certamente, em função do sistema de construção formal das figuras, agora menos retorcidas. A artista passa a desenvolver um hibridismo formal de

caráter humano e animal nas várias figuras que compõem os quadros, conferindo-lhes maior decodificação, o que, por sua vez, se traduz em imagens mais contundentes e mais diretas.

Quanto à temática, ela estabelece um jogo de apagamento de normas e leis morais à medida que os personagens vão surgindo e ocupando seu espaço no quadro e nas suas histórias. O surgimento do jogo se dá em função da necessidade de romper com os ditames de uma sociedade hipócrita que julga e castiga sem piedade os outros pecadores, mas que, no entanto, é muito resistente em reconhecer os próprios erros e aceitar as punições decorrentes.

A Revolução de 1974 foi recebida com entusiasmo por Paula Rego. Entretanto, o evento trouxe sérios problemas para os negócios da família, que acabou se arruinando. Por conseguinte, eles foram viver novamente em Londres, onde o sustento da família ficou a cargo da artista profissional Paula Rego.

Torna-se significativo refletir sobre as mudanças ocorridas no campo da arte na década de 1970, tendo como acontecimento central o 25 de Abril. Esse enquadramento não se ajusta à idéia da periodização histórica organizada por decênios, mas pretende atender aos pressupostos históricos que circunscrevem o 25 de Abril como uma data bastante significativa para Portugal e, conseqüentemente, para as relações internacionais do país.

Passado o êxtase da ruptura política e histórica que marca o fim do regime ditatorial, as perspectivas mercantis da arte portuguesa no período pós-revolução estavam assentes num mercado de pouca movimentação. Porém, os nomes consagrados em períodos anteriores alcançavam uma certa cotação comercial e Paula Rego fazia parte desse seleto grupo de artistas.

A crítica de arte partia, então, para uma viragem conceitual, abandonando a dicotomia abstração-figuração. Ela se debruçava sobre diversas questões e novas metodologias pertencentes às ciências humanas, passando a se ocupar de temas como o mítico e o ritualístico, por exemplo. Nesse horizonte, a crítica se interessou em investigar o arcabouço ‚das múltiplas tendências e escolas, e mostrou que todas elas foram conduzindo as artes plásticas, tradicionalmente consideradas como artes do ‘espaço’, para a manifestação do ‘tempo’‛ (Gonçalves, 1998: 102).

Em conson}ncia com os estudos das ciências humanas, o fator ‚tempo‛ assume uma dimensão de fundamental importância na arte, que passa a dedicar-se ao estudo do tempo germinado pelo inconsciente, ou seja, do tempo subjetivo de cada indivíduo, íntimo e pessoal como algo poeticamente revelado.

Outro tema de suma importância vinha sendo continuamente discutido no cenário artístico internacional e se referia à crise das vanguardas como algo definitivo, ou seja, havia um questionamento a respeito da sobrevivência das vanguardas num momento em que seu poder contestatório já havia sido institucionalizado pelos museus e pelo mercado. Qual a razão de romper com o estabelecido se já nada mais estava interdito à arte? O projeto transgressivo das vanguardas não haveria se cumprido historicamente? Essas e outras questões pertinentes a esse tema não foram totalmente concluídas, porém, podemos afirmar que, a partir de meados dos anos 1960 e particularmente nos anos 1970, ocorre uma viragem teórica a respeito do conceito de modernismo artístico.

O fim do modernismo e o início do pós-modernismo se configuram como um tema de intensa discussão. Entretanto, é indiscutível que o panorama artístico desde meados da década de 1960 vive outro momento histórico e artístico bastante diverso do projeto modernista, o qual já se acreditava estar encerrado.

Em 1969, Paula Rego aceitou o convite para participar da XI Bienal de São Paulo – Brasil. A delegação portuguesa foi comissariada por Mário Oliveira – SPN/SNI. A artista participou da exposição com nove obras: Manifesto, 1965, Julieta, 1965, O Quarto dos Castigos, 1969, O Exílio, 1963, Os Mártires, 1967, Centauro, 1964, Cortina, s/d, O Lenço dos Amores, s/d, Os Mexilhões, s/d. 4

4 Dados obtidos no catálogo original da XI Bienal de São Paulo pertencente ao Arquivo Histórico

No documento O poder do universo artístico de Paula Rego (páginas 102-106)