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LA BOHÈME – O DRAMA DOS SONHOS ADIADOS

No documento O poder do universo artístico de Paula Rego (páginas 158-161)

OF FINE ARTS EM LONDRES

Fig 86 Paula Rego Faust, 1983 Acrílico s/ Fig 87 Paula Rego The Girl of the Golden

2.4.1.1. LA BOHÈME – O DRAMA DOS SONHOS ADIADOS

A ópera La Bohème foi composta por Giacomo Puccini (1858-1924) em 1896, baseada no livro de Henri Murger (1822-1861), intitulado Cenas da vida boêmia. O drama foi dividido em quatro atos e quatro cenas.

A história de La Bohème se passa em Paris, por volta de 1830, e relata os dramas que envolvem as relações amorosas e o destino de um grupo de jovens intelectuais parisienses, que passam por todos os tipos de privações, em busca da concretização de seus sonhos.

A personagem principal é Mimi, uma jovem costureira, pobre, que sofre de tuberculose. Rodolfo é um poeta, apaixonado por Mimi, entretanto, o seu ciúme possessivo faz com que ela se afaste dele. Marcello, companheiro de quarto de Rodolfo, é um pintor que mantém uma relação amorosa conflituosa com Musetta, que, por sua vez, é uma coquete namoradeira que ama o namorado, porém, ela sempre acaba por encontrar uma forma de deixá-lo enciumado. Colline é filósofo e divide o apartamento com

Marcello e Rodolfo. Num gesto altruísta, penhora o seu próprio casaco para poder comprar remédios para sua amiga Mimi. Schaunard é músico e divide o apartamento com os outros personagens. Benoit é o dono do prédio onde vivem os quatro amigos e, finalmente, Alcindoro, é um velho muito rico e um dos admiradores de Musetta.

Basicamente, a ópera está centrada nas duas relações amorosas de Mimi e Rodolfo e de Marcello e Musetta. O primeiro casal termina o relacionamento por causa do ciúme incontrolável dele. Na realidade, o recrudescimento do ciúme esconde o seu desespero velado, por não poder fazer nada para ajudar Mimi, que está condenada à morte.

Já Marcello sente-se completamente inseguro em relação a Musetta, pois, além de ela flertar com todos os homens, ele não tem condições financeiras para oferecer-lhe uma vida melhor.

Depois de vários desencontros, Mimi, já muito doente, vai com Musetta ao apartamento dos rapazes, lá tem uma grave crise e mesmo com o empenho de todos para ajudá-la, finalmente, ela morre (Clément, 1993: 115-123).

Fig. 88 - Paula Rego. La Bohème, 1983. Acrílico s/papel, 240 x 203 cm.

Na cena abaixo, ela nos dá a impressão de querer despachar o velho barrigudo. Todavia, mais abaixo, podemos observar três figuras masculinas aquecendo-se num fogo

No campo superior esquerdo de La Bohème (fig. 88), podemos observar uma figura masculina pintando um quadro, ele é Marcello. Logo abaixo, podemos observar uma figura feminina (Musetta) exibindo-se nua para o velho Alcindoro, mais ao fundo, observamos a figura de Marcello, completamente estupefato com o comportamento de Musetta. Entretanto, ela parece estar realmente confusa. No campo

seguinte, numa crise de consciência,

representada pelas asas de anjo, ela tenta explicar a Marcello que o ama de verdade.

improvisado. A figura de chapéu, com cara de sapo é o inconveniente Beinot, que, nem na noite de Natal, se esquece de cobrar o aluguel atrasado dos quatro inquilinos. Descendo mais um pouco verticalmente, podemos observar a cena de uma figura feminina a vomitar, ela é Mimi, completamente fragilizada pela doença depois de um ataque de tosse.

No campo inferior esquerdo, da esquerda para a direita, podemos visualizar a presença de duas figuras de animais, ou melhor, a figura maior parece uma criatura híbrida de lobo e macaco, e a outra, muito menor, nos remete à figura fragilizada de um inseto, a ser dominado pela criatura. Não seria essa uma cena, na qual a fragilidade de Mimi é duplamente representada, primeiro pela forma muito menor e bem mais frágil na figura de um inseto, e segundo, pela configuração da sua pose sendo dominada por Rodolfo? É a humilhação e a violência que fazem parte do que é conhecido como amor e que tantas vezes, de forma pertinente, nos chama a atenção para esse paradoxo, Paula Rego.

No campo mais à direita, dando seqüência à cena anterior, podemos observar a cena de um casal. À esquerda, Rodolfo foi representado na forma de um cão e Mimi foi toda pintada de amarelo. Essa imagem nos remete à cena em que eles se conheceram no apartamento dele, quando, no escuro, ele tenta ajudá-la a encontrar sua chave caída no chão. Num determinado momento, as suas mãos se encontram e a partir desse momento, eles se apaixonam. Mas, ao observarmos com mais atenção, poderemos notar que a mão dele foi acentuadamente representada de forma longa e mais vermelha, em relação ao restante do corpo. Dessa forma, não estaria a artista antecipando o amor possessivo de Rodolfo?

Ainda seguindo a mesma seqüência horizontal da cena anterior, no campo direito, observamos a cena de um casal. Ela parece demonstrar claramente o seu amor representado no gesto de cumplicidade do seu abraço. Já a figura masculina, que mais se assemelha a um tigre, mostra-se completamente desconcertada na cena. A configuração do seu rosto (virado) nos remete ao ciúme dissimulado de Rodolfo, que não se conforma em não poder ajudá-la. Isso em nada justifica a sua maneira errada de lidar com a perda, pois só faz Mimi sofrer ainda mais com a sua possessividade.

Bem próximo a essa cena, podemos observar a representação de Mimi, quase uma mancha uniforme vermelha, aos prantos. Logo atrás dela, podemos ver a figura de um coelho e o gestual de um touro lançando-se sobre ela, como se estivesse tentando afastá-la de si. Por outro lado, à frente de Mimi, podemos ver uma figura verde, que se assemelha a uma centopéia. As diversas pernas do inseto nos remetem ao sentimento de posse de Rodolfo, ou seja, diversos braços querendo se apossar de Mimi.

2.4.1.2. AIDA – O TRIÂNGULO AMOROSO ENTRE FILHA,

No documento O poder do universo artístico de Paula Rego (páginas 158-161)