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Antes de se prosseguir e de posse dos elementos principiológicos, é preciso reforçar o trato dos pressupostos e, mais, aprofundar alguns aspectos.

A observância de uma situação concreta pode bem auxiliar na compreensão, sedimentação e aperfeiçoamento das idéias aqui defendidas. Em Direito Administrativo, por exemplo, pode-se aventar a possibilidade de dano moral, que caracterizasse responsabilidade do Estado. O que exigiria solução adequada ao caso concreto, com observância do interesse público e da proporcionalidade.

Pode-se imaginar parte autora que julgue ter, comissão disciplinar, operado indevida exposição pública da sua imagem. Tem-se, aí, elementos como o dano imaterial e o direito punitivo por parte do Estado, mais, uma atividade lícita.

Essa é uma das situações em que a parte magoada em seus sentimentos por uma conduta subjetivamente desagradável de outro, como mecanismo de defesa psicológica, passa a ver o seu problema superdimensionado. É como se todos soubessem do fato e criticassem-no duramente, enquanto que a parte é, muitas vezes, a maior divulgadora do problema.

Essa, a primeira constatação: a parte não pode beneficiar-se daquilo a que deu causa.

Refere-se ao nexo causal. Esse não é meramente uma verificação de relacionamento entre o prejuízo e o ato de um sujeito de direitos, mas a presença de um sentido na relação, a qual não é aleatória:

S’ Æ S”

Portanto, apenas na medida em que o dano proveio de uma interferência, no caso mental, no patrimônio jurídico de outrem, é que se justifica falar em nexo causal. É preciso verificar se a contribuição para o dano não advém da própria parte.

Afinal, todos estamos constantemente reagindo em relação aos fatores externos. Porém, a intensidade dessa reação varia de pessoa para pessoa e depende do modo como a mesma interprete como correta a atitude tomada.

Para se considerar como uma desagradabilidade proveniente do meio externo é preciso que seja de tal monta que a parte seria incapaz, por si, de provocar tal disforia emocional. Além disso, é preciso um estímulo acima dos padrões de regularidade que represente contribuição psíquica maior ao estado emocional da parte.

Desse modo, têm-se os seguintes elementos, em modo resumido345, a serem analisados para a configuração da responsabilidade do Estado:

a) conduta de agente público, dirigida a;

b) patrimônio jurídico de sujeito de direitos, que; c) ocasione dano;

d) verificado ser oriundo daquela conduta (nexo causal).

E, sobre o dano, é preciso antes atentar para o fato de que:

Não se foge, em matéria de indenização, à afirmação de que o dano passível de invocar a responsabilidade do causador deve consistir em agravo a algo que a ordem jurídica reconhece como garantido em favor de alguém. Não basta, pois, para caracterizá-lo, a mera deterioração patrimonial sofrida por alguém.

Deflui desse raciocínio que a conceituação de lesão não se cinge à natureza do bem jurídico ofendido, exigindo, também, que a ordem jurídica o reconheça como um direito do lesado.

O bom senso explica a assertiva, negando a possibilidade de reparação de dano apenas fruto do subjetivismo do ofendido, sem qualquer amparo de ordem legal.

[…]

O direito do lesado é às vezes sufocado para proteção de interesse maior do Estado ou da coletividade.346

345

Cf. tópico 3.5.1, para visão mais detalhada do tema.

346

HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização do erro judiciário. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1995. p. 113-4.

E, no processo disciplinar – idéia ora analisada –, busca-se, precisamente, atender aos princípios de moralidade, impessoalidade, legalidade, publicidade e eficiência do exercício da Administração Pública.

Não será diferente o magistério de Cretella Júnior: “Não há responsabilidade sem prejuízo. O prejuízo ocasionado é o dano. Em nenhum caso, a responsabilidade das pessoas físicas ou jurídicas pode prescindir do evento danoso. A ilegitimidade ou irregularidade da ação, sem dano algum a terceiros, não é suficiente para empenhar responsabilidade, mas, tão-só, quando for o caso, a invalidade do ato […].”347

O dano é a lesão –ou prejuízo – juridicamente qualificada. Dir-se-ia que é a lesão injusta. Do dano se origina a responsabilidade em sentido estrito, que é, isso sim, a via reversa colocada à disposição do sujeito pelo Estado para dar cumprimento à relação jurídica originada pelo dano. Possui ela o sentido inverso daquele anteriormente demonstrado.

S’ Å S”

É uma “reação” de modo a obter repressão348. Instituto que pode bem ser entendido pelo desenvolvimento que os estudiosos da seção penal do Direito lhe ofertaram. Até porque em origem eram imbrincadas e não houve separação ontológica que desmereça a colocação.

A repressão por meio da responsabilidade civil visa a, dessa forma, gerar uma prevenção geral (exemplo para a sociedade), especial (reeducação do sujeito de direito) e retributiva (a conseqüente diminuição patrimonial do responsável).

Deve haver via repressiva a ser estabelecida no sentido Ente Público Æ Parte, com a existência de bem jurídico lesionado.

Entenda-se, é possível até se dizer que a parte sofreu lesão, mas essa lesão precisa ser qualificada como um direito.

Se o direito se constrói no caso concreto, e se as limitações de responsabilidade operam nessa subsunção do fato à norma (qualificação jurídica da realidade), é de se entender que há situações onde não surge o direito em razão do choque de princípios. O exemplo da

347

O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 8. V. p. 45, retro.

348

BAPTISTA, Sylvio Neves. Ensaio sobre a teoria do fato danoso. Revista da ESMAPE, Recife, v.1, n.2, p. 181, nov., 1996.

honra para o tema é clássico, como obstáculo para o exercício de direitos que poderiam, potencialmente, lesioná-la.

Da mesma forma, onde há situações em que atitudes legalmente perfeitas da Administração devem ceder espaço para a individualidade quando lhe ferisse desarrazoadamente a honra, o inverso também é possível. Há momentos, como no processo penal, no exercício de cargos públicos em determinadas situações, que, com certos limites, a imagem deve ser exposta.

E com relação a dano moral pela angústia na demora de um processo – respeitada a importância do objeto –, em regra, dá-se um fenômeno capaz de repetição autônoma nos mais diversos eventos, jurídicos, esportivos, morais etc. A ansiedade aí cede espaço para uma aplicação correta da legislação. O açodamento não condiz com a boa solução de um caso. Seria preciso provar benefícios que poderiam ser obtidos pela Comissão com a demora do processo ou prova ou alegação de inimizade pessoal; sem prejuízo da apuração de responsabilidade administrativa pelo excesso de tempo decorrido para a solução do processo, nos moldes previstos nos regimes jurídicos. Mas, se o processo é regular, é direito da parte estar nele para defender seus direitos.

Em termos forenses e processuais seria a questão da sucumbência como pressuposto subjetivo do recurso.

Por outro lado, é possível uma carência de recursos humanos no Poder Público. Não que isso seja desculpa para não responsabilizar, o que está assentado desde o caso Blanco ocorrido na França do século passado. Mas é o suficiente para mostrar que, na verdade, houve um esforço por parte dos que compõem a instituição para promover a melhor apuração do caso sem prejuízo das demais funções do órgão.

O servidor da Administração Pública, só por ter de ser fiel à legalidade, não tem o dever de ser desprovido de qualquer traço de capacidade intelectual. Ele não pode ser conivente com irregularidades. Disso dá idéia o próprio fato de que a instauração de Comissão Disciplinar é um ato de ofício.

Aliando a isso o princípio da informalidade que domina os procederes administrativos, vê-se que o grande dever é apenas o de respeitar o contraditório e evitar práticas abusivas.

O procedimento penal ficaria obstaculizado com irresignações desse tipo. O processo é, em verdade, uma conquista da democracia e do cidadão, com autos claros e

seguros, onde se pode estabelecer razoavelmente o contraditório.

Se não fosse possível fazer a apuração disciplinar, só restam duas hipóteses: ou a kafkiana punição sumária ou a impunidade generalizada.

Os prazos são para a otimização da burocracia administrativa e para evitar favorecimentos pessoais. Esses são os pontos que devem ser observados para responsabilizar o Estado em hipóteses como tais.

Essa análise da via repressiva encontra fundamento na exposição de Zanobini, quando asseverra que não basta, para a configuração da responsabilidade do Estado, a ilegitimidade ou a irregularidade do ato, mas é preciso que se configure um evento danoso. Pois, é possível não ocorrer dano do ato inválido e mesmo haver reparação por ato lícito. Isso se dá porque a responsabilidade estatal é guiada por um princípio de justiça distributiva segundo o qual deve ser evitado o dano injustificado e não igualmente repartido entre todos os cidadãos349. Essa reparação todavia, limitar-se-ia ao plano reparatório, enquanto que um particular causador de dano poderia ainda sofrer injunções administrativas e penais.