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É incorreto dizer que determinada restrição jurídica ou a equivalência de relações efetuada pelo Poder Público respeitaria a proporcionalidade apenas porque se "adequaria" ao que prediz eventual comando legal, já que ele de modo "x" determina. Uma simples análise revela que essa "adequação" não é a mesma do subprincípio da proporcionalidade (o da adequação entre a conduta e o objetivo visado). Antes é uma confusão com o princípio da tipicidade e um reforço da legalidade, que não são nem suficientes nem excludentes de outros mecanismos de defesa da cidadania, afinal, podem dar margem a arbitrariedades quando isolados. Isso respeita o já exposto no início do capítulo sobre o garantismo.

Repita-se, optar pelo que a lei diz não é, necessariamente, respeitar a proporcionalidade, mas exercício mental que pode resultar, em função do “paternalismo dogmático” (Cláudio Souto), numa incapacidade de justificar as próprias opções. É simples reconhecimento de tipicidade lógico-jurídica.

Dizer que a conduta está ou não em acordo com a lei é mera verificação da realização ou não do enunciado protocolar. Nada diz sobre a sua constitucionalidade. Salvo na hipótese de uma tipificação que levasse em consideração todo o encadeamento normativo do sistema. Infelizmente, no quotidiano jurídico, há um forte apego à lei quando esta é incisiva num comando e o princípio constitucional não lhe é expressa e diretamente vinculado.

Na verdade, essa posição é repelida pelo sistema brasileiro. Num controle difuso da constitucionalidade, o juiz a aprecia no caso concreto. Até porque, em regra, é a este que seus poderes são limitados.

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Para uma análise dos argumentos contrários à idéia de proporcionalidade, v. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 363, 382, 389-94.

Entende-se que a lei representa a supremacia da vontade popular, mas, tal qual ocorre com um Decreto e com a coisa julgada, não é uma outorga de poderes ilimitados334. Não é porque a lei não foi declarada inconstitucional em tese – ou seja, à parte a discussão de suas repercussões individualizadas, que o magistrado sujeitar-se-á a repetir suas palavras, como se fosse uma reta proporção divina335. Numa posição que se assemelha ao pensamento de Kelsen adaptado ao caso brasileiro.

Para garantir essa supremacia constitucional foi preciso para o sistema inglês, na ausência de um texto expresso, buscar um método que assegurasse limites ao legislador ordinário. Foi o que se denominou de law of the land. Inicialmente sendo um norte para o legislador, veio depois a alcançar o administrador. Era o surgimento do due process of law.336

Como o Constitucionalismo nascera sob o signo da judicialidade, pois tratava- se de dar garantias ao indivíduo perante os Tribunais – como o habeas corpus e o juiz natural, ocorreu a bipartição entre o processo judicial e o de tomada de decisões em geral; era preciso controlar o Poder Público. Assim, pode-se falar em um devido processo legal processual (procedural) e substantivo (substantive), respectivamente.

Porém, enquanto que o texto brasileiro de 88 consagra, mais diretamente em seu artigo 102, o Judiciário como guardião da constitucionalidade, para o sistema inglês essa tarefa incumbe ao legislador337. Essa tarefa do Legislativo resultou culturalmente do princípio da Supremacia do Parlamento, o qual tem conseguido se manter ao longo dos séculos. Para um povo que sempre obedeceu a reis, nada mais revolucionário do que a idéia de representantes eleitos.

Nesse pensar, é natural que a proporcionalidade seja um juízo estabelecido pela lei. O julgador e o legislador a ela se submetem não por se limitarem a ser "a boca que

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Popularmente, dir-se-ia que não é uma "carta branca" ou ainda um "cheque em branco".

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O que representaria mesmo intromissão do Legislativo no Judiciário, autorizada por este (!), pois é a ele que cabe a guarda da constitucionalidade.

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DANTAS, F. C. de San Tiago. ob. cit., p. 42.

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CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p. 46-7.

pronuncia as palavras da lei"338, mas porque ela representa o espírito da lei da terra. Sistema, portanto, que difere do nosso339.

Serão subprincípios da proporcionalidade o da adequação, o da exigibilidade (meio mais suave) e o da razoabilidade ou da proporcionalidade em sentido estrito (máxima do sopesamento)340.

Corroborando o que foi exposto, a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, disciplinou o procedimento administrativo da seguinte forma:

Art. 2º. (…) Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: […]

VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; […]

IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados.

O Código de Processo Civil já antecipava isso quando se refere à execução patrimonial; a ser procedida do modo menos gravoso para o devedor341. Essa idéia na execução tem seu surgimento ligado à execução patrimonial, quando a mesma deixou de incidir sobre todo o patrimônio do devedor, como forma de coagi-lo ao pagamento, e passou a incidir apenas sobre a quantidade suficiente para o pagamento da dívida.

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V. nota 54.

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GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e Direitos Fundamentais. p. 79-80: "Não se mostra necessário, nem mesmo correto, procurar derivar o princípio de proporcionalidade de um outro qualquer, como o do Estado de Direito e aquele deste derivado, o da legalidade."

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BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 360-1. GUERRA FILHO. ob. cit., p. 66-8. MENDES, Gilmar Ferreira. A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: _____. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998. p. 83: “afirma-se de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido).”

341

CPC 620: “Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.” CPC 692: “Não será aceito lanço que, em segunda praça ou leilão, ofereça preço vil.”