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Uma vez praticado um ato pelo Poder Público, o qual goza da presunção de legalidade e legitimidade e que, como qualquer ato praticado por um cidadão, deve gozar de proteção jurídica, é de serem averiguar as condições para sua invalidade.

Acerca dessa segurança jurídica, diz o artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

Essas são as situações protegidas pela Constituição contra tentativas de alteração ou nova regulação. É de se dizer então que não há ato jurídico perfeito em contrário ao ordenamento jurídico, vale dizer, em contrariedade com a Constituição. Seria uma contradição em termos. Conseqüentemente, não tem como subsistir ato viciado.

Não foi com outra razão que o Supremo Tribunal Federal chancelou em sua súmula o enunciado nº 473: “a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá- los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” [grifos nossos]

Do mesmo modo que a lei não pode retroagir e tornar “deficiente o suporte fáctico que não o era ao tempo em que se deu a incidência da lei velha (tempus regit factum)”, também, enquanto mantido o estado da regulamentação legal então imperante, “o ato não se diz perfeito se algo ainda lhe falta”404. Ou seja, nem pode desmerecer o que fora feito perfeitamente nem considerar correto algo que foi feito de maneira errônea, salvo posterior regra legal mais benéfica.

Assim, uma vez que uma norma incida sobre uma situação concreta, é um dever do órgão regulá-lo como normativamente exigido. Como também, deverá agir se verificar, mesmo serodiamente, que o cidadão não preenche o tipo da norma, motivo pelo qual não faria jus ao serviço público prestado.

Porém, pode surgir um fator superveniente: a prestação do serviço ou atribuição de direitos ser efetuada e ainda não terem sido implementados os requisitos para

404

MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda nº 1 de 1969. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. v. 5. p. 69.

tanto. Esse é um fato. E é ao mundo dos fatos que pertence o ato jurídico perfeito (plano da existência405).

É nítido que esse ato é inválido, ou seja, em desconformidade lógica para como os regulamentos existentes sobre a matéria; não é um ato jurídico perfeito.

E, ainda mais quando se tratar de ato vinculado, não pode ser tolerado pela Administração406, tema que deve ser estudado em consonância com as exigências atuais da Administração Pública e da cidadania.

Contudo, poderá ser observado que o ato tenha sido eficaz, que veio a produzir efeitos concretos. E, ao estabelecer um novo status, ao criar uma nova situação para o cidadão, passou a produzir efeitos continuamente. Sempre que for necessária a prova de validade da sua conduta ou da legitimidade da autorização que eventualmente goza, será invocado o ato do Poder Público. Portanto, não só o ato, mas também seus efeitos devem ser, em princípio, invalidados.

Lembre-se, todavia, que essa invalidação não pode resultar em enriquecimento sem causa do Estado ou atentar contra terceiros de boa-fé407. Essa boa-fé mais a importância de se buscar a segurança jurídica impõem a possibilidade de convalidação do ato viciado.

Pois, até mesmo em decorrência do princípio da proporcionalidade e da confiabilidade da Administração é de se impor o meio menos gravoso ao administrado. Não é noutro sentido que Celso Antônio Bandeira de Mello408 quando se refere à revogação, por motivo de conveniência, de ato administrativo, diz:

Não cabe à Administração decidir que revoga e remeter o lesado às vias judiciais para composição patrimonial dos danos. Isto corresponderia à ofensa de um direito e à prática de um ato ilegítimo que o Judiciário deve fulminar se o interessado o requerer. […]

Entretanto, por definição, interesse algum é interesse público senão quando confortado pela ordenação normativa, inclusive quanto à forma de efetivar-se.

Por isso é absurdo supor-se possa a Administração aniquilar um direito de alguém sem prévia indenização, a título de ‘revogar’ e invocando um ‘interesse público’. Vai nisso evidente confusão entre os planos do Direito e da Ciência da Administração.

405

MIRANDA, Pontes de. ob. cit., p. 67.

406

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 290-307.

407

Ibidem, p. 291-3.

408

A observação ressalta a cautela com que se deve agir na solução do problema. Porém, não se coaduna com a hipótese de nítido interesse público devidamente fundamentado em não suportar a conduta ilícita, principalmente quando daninha para a sociedade. Aqui, trata-se não de mera revogação ou de convalidação, mas de invalidar o ato viciado da maneira menos gravosa.

Sempre, é preciso verificar a possibilidade de convalidação do ato viciado, de repeti-lo sem os vícios que o assolam.

Se nas circunstâncias em análise, for impossível convalidar aquele ato por qualquer formulação que se adote, então, deve ser invalidado. O que pode ocorrer, na verdade, é que eventos supervenientes instaurem as condições necessárias para a prática do mesmo. Momento no qual deve ser efetuado de modo regular.

O dever da Administração Pública de corrigir seus atos não fica, portanto, à vontade dos administradores. E, quando é dado conhecimento da irregularidade, a mesma deve ser corrigida por todos os meios possíveis.

Deve ainda ser visto se não é hipótese de prescrição ou decadência (decurso de tempo). Se o gravame com a manutenção da situação apresenta-se maior do que os prejuízos possivelmente advindos.

Se estiver presente a possibilidade de convalidação, esta será preferível, salvo se inadmissível pelo Direito. Caso contrário, deve ser invalidada a conduta, a não ser que já estivesse estabilizada e aceita pelo ordenamento.

Deve-se observar ainda se a invalidação do ato não resultará em locupletamento da Administração. Devem, sobretudo, serem respeitados os direitos dos terceiros de boa-fé, porém, como se dirá, falece poder à Administração para essa validação quando não participou da relação ao menos como representada.

O Poder Público só pode invalidar os atos que estão ao seu alcance. Eventuais relações estabelecidas ente o beneficiado e terceiros decorrentes da condição estabelecida pelo órgão não podem ser alcançados autonomamente por aquele, que não possui esse tipo de autoridade.

Outrossim, mesmo irregular o benefício, o ato praticado deve ser respeitado até sua efetiva invalidação, que deve ser precedida do respeito ao direito de defesa do ciddadão (Constituição Federal, artigo 5º, LV). Isso não vem a desrespeitar a Constituição, tanto que é

para confirmar a irregularidade do ato que se deve proceder à investigação respectiva. Portanto, é um direito do indivíduo ser considerado como detentor de determinado benefício até ato em contrário da autoridade competente. Todavia, o eventual retorno à condição anterior não poderá resultar em sanções outras decorrentes do indevido benefício que recebeu.

A Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 – Lei do Procedimento Administrativo, trouxe os seguintes dispositivos409:

Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade,

respeitados os direitos adquiridos. […]

Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.

[…]

Art. 59. Salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida […].