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4. A redução das taxas de juro levada ao limite

4.1. Fatores impulsionadores e consequências positivas

4.1.7. Alívio orçamental dos Estados da Área do Euro

Os governos dos Estados membros da AE também saíram beneficiados com a contínua descida das taxas de juro diretoras. A crise do subprime veio aumentar ainda mais os desequilíbrios nas contas públicas que já se verificavam desde o início do século em vários países (principalmente Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália). As políticas orçamentais expansionistas que foram implementadas em conjunto com a ação dos estabilizadores automáticos (diminuição das receitas fiscais e aumentos dos encargos com a segurança social) e o apoio ao fragilizado setor bancário, incrementaram ainda mais os

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défices orçamentais e o crescimento acelerado das dívidas públicas. Foi nessa sequência que surgiu a crise das dívidas soberanas, período marcado pelo crescimento insustentável, em alguns casos, das taxas de juro a pagar pelo financiamento dos Estados. A incerteza dos investidores e empresas de rating quanto à capacidade de os governos satisfazerem os seus compromissos futuros com os encargos de dívida refletiu-se num crescimento sem precedentes dos prémios de risco (Falagiarda e Reitz, 2015). A ação do BCE, reduzindo as taxas de juro diretoras e implementando outras medidas não convencionais, não pode ser dissociada desta realidade, uma vez que um dos seus objetivos passava pela estabilização dos mercados de dívida pública. A redução dos diferenciais de rentabilidade dos títulos de dívida pública, entre os países membros da AE, foi também uma das preocupações dos decisores de política monetária, apesar desses diferenciais dependerem também de fatores estruturais. Para além das questões orçamentais, diferenças ao nível do crescimento económico, desequilíbrios nas balanças comerciais, diferentes níveis de formação bruta de capital fixo, diferenças nos spreads aplicados às empresas de cada país, entre outros, afetam de forma substancial os spreads nos títulos de dívida pública de cada país (Maltritz, 2012).

Os spreads associados às obrigações de dívida pública da maioria dos países da AE mantiveram-se estáveis até ao início de 2010, apesar dos diferenciais entre os países terem começado a crescer desde o segundo semestre de 2008. Em dezembro de 2009, as obrigações de dívida pública a dez anos da Grécia tinham uma taxa de aproximadamente 5,5%, enquanto que as obrigações alemãs equivalentes tinham uma taxa de cerca de 3,3%, ou seja, uma diferença não muito elevada. Em fevereiro de 2012, as mesmas obrigações gregas já eram transacionadas (no mercado secundário) a taxas de quase 30% enquanto que as obrigações alemãs equivalentes eram transacionadas a menos de 2%. No mesmo período, as obrigações soberanas portuguesas a dez anos eram transacionadas a quase 14% (figura 3.9).

Como vimos anteriormente, várias foram as medidas tomadas pelo BCE para conter a crise das dívidas soberanas, desde a compra de dívida pública em mercado secundário, a insistência do BCE numa comunicação clara de que tudo seria feito para salvar o euro, a redução e manutenção das taxas de juro diretoras em valores historicamente baixos, entre outros. De facto, a redução das taxas de juro diretoras para valores próximos de zero, e a garantia de que tais taxas se mantêm por um longo período

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de tempo, contribui para a redução das taxas de juro praticadas em praticamente todos os mercados financeiros, à qual não é exceção o mercado de títulos de dívida pública (Swanson e Williams, 2014). Por outro lado, o facto da redução das taxas de juro diretoras contribuir para um maior dinamismo económico também traz efeitos positivos para as contas públicas, nomeadamente através da ação dos estabilizadores automáticos(Kokert

et al., 2014).

A equação abaixo apresentada ilustra a dinâmica da dívida pública, ou seja, apresenta-nos os fatores que contribuem para o crescimento do rácio de dívida pública (∆(B/Y)). Para além do saldo orçamental primário (G (despesa pública primária) – T (receitas públicas)), é importante a relação entre a taxa de juro associada à dívida acumulada (i) e a taxa de crescimento do PIB (g). Caso a taxa de crescimento económico seja superior à taxa de juro, pode haver uma diminuição do rácio de dívida pública mesmo com um défice orçamental primário. Indiretamente a taxa de inflação também tem efeitos sobre a dinâmica de crescimento da dívida pública, uma vez que i e g são taxas nominais.

∆ (𝐵 𝑌) = (𝐺 − 𝑇) 𝑌 + (𝑖 − 𝑔) ( 𝐵 𝑌)

Em dezembro de 2017, a Grécia tinha uma taxa de juro associada às suas obrigações de dívida pública a dez anos próxima de 4,1%, enquanto que no caso alemão, essa taxa era de cerca de 0,4%. A mais curto prazo, as obrigações gregas a dois anos pagavam uma taxa de juro de cerca de 1,4% em dezembro de 2017, enquanto que as obrigações alemãs para o mesmo prazo apresentavam taxas de juro de aproximadamente -0,6% (quadro 4.1). Como ilustra a figura 3.9, a evolução foi bastante positiva ao longo dos últimos anos. No entanto, os diferenciais entre os vários países continuam bastante mais elevados face aos diferenciais observados no período pré-crise das dívidas soberanas. Estas circunstâncias devem ser aproveitadas pelos governos nacionais, não para manter o nível de endividamento que levou à crise das dívidas soberanas, mas sim para implementar reformas estruturais que permitam aos Estados manterem as suas obrigações em termos de segurança social ou sistema de saúde e, ao mesmo tempo, reduzir os défices orçamentais e as dívidas públicas (Van Riet, 2017).

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Quadro 4.1: Taxas de juro médias mensais das obrigações de dívida pública a dois anos, 1:2007-12:2017 (%)

País Taxa mais elevada Taxa mais baixa Média do período

Grécia 349,152 1,353 40,617

Alemanha 4,609 -0,898 0,821

Portugal 20,018 -0,419 3,629

Fonte: Investing (2017).

A evolução dos défices orçamentais da maioria dos países da AE foi positiva, algo que se pode comprovar pela redução progressiva do défice orçamental médio na AE de 6,3% do PIB em 2009 para 0,9% do PIB em 2017. A título de exemplo, a Grécia passou de um défice orçamental de 15,1% do PIB em 2009 para um excedente orçamental de 0,8% do PIB em 2017. No entanto, ainda existem países que apresentam défices orçamentais preocupantes e que, inclusivamente, se encontram sob o Procedimento por Défices Excessivos, aplicado a Estados que não estejam a cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), nomeadamente infringindo o limite máximo de 3% do PIB para défices orçamentais. Em 2017 era o caso da Espanha (3,1% do PIB), mas muitos outros países apresentaram défices elevados ao longo dos últimos anos (figura 4.5). Em relação à evolução da dívida pública, os valores previsionais para 2017 são bem mais preocupantes, mantendo-se a média da dívida dos países da AE (88,8% do PIB) em valores bastante superiores aos que existiam antes das crises do subprime e das dívidas públicas (65,1% do PIB em 2007), apesar de a partir de 2014 essa média ter começado a diminuir ligeiramente. A nível individual os valores são bastante distintos entre os países, apesar de a tendência ter sido de subida generalizada do endividamento. Ainda assim, em 2017 destacava-se, pela positiva, a Alemanha (64,1% do PIB), enquanto que pela negativa se destacavam a Grécia (178,6% do PIB), Itália (131,8% do PIB) e Portugal (125,7% do PIB) (figura 4.6).

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Figura 4.5: Saldos orçamentais na AE, 2007-2019 (% do PIB)

Nota: O saldo orçamental português para 2017 reflete a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e os dados para 2018 e 2019 são previsionais.

Fonte: BCE (2018c) e Eurostat (2017b).

Figura 4.6: Dívidas públicas na AE, 2007-2019 (% do PIB)

Nota: Dados para 2018 e 2019 são previsionais. Fonte: BCE (2018c) e Eurostat (2017c).