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4. A redução das taxas de juro levada ao limite

4.1. Fatores impulsionadores e consequências positivas

4.1.1. Garantir a estabilidade de preços

A manutenção da estabilidade de preços no médio prazo foi sempre apontada pelo BCE como a principal justificação para implementar medidas de PMNC, como é o caso da redução das taxas de juro diretoras para níveis anormalmente baixos. No entanto, as reduções das taxas de juro diretoras, assim como outras medidas de PMNC, tiveram e têm um impacto muito para além da estabilidade de preços. Será que a estabilidade de preços foi sempre o objetivo final do BCE ou foi, por diversas vezes, apenas um “pretexto” (a dinâmica dos preços permitiu que o BCE implementasse políticas monetárias expansionistas) para auxiliar a suavizar as crises que a AE teve de ultrapassar ao longo dos últimos anos? A verdade é que existe uma forte relação entre a inflação e os ciclos económicos, sendo a relação entre a inflação e o desemprego um dos temas mais debatidos pelos economistas ao longo das últimas décadas. De facto, apesar de grande parte dos economistas concordar com a Teoria da Neutralidade da Moeda, que nos transmite a ideia de que no longo prazo a oferta de moeda não consegue afetar as variáveis económicas reais (apenas o crescimento dos preços), é também bastante consensual que no curto prazo a política monetária pode alterar variáveis económicas como o crescimento do PIB ou o desemprego, por exemplo.

A inflação está quase sempre em linha com o ciclo económico (apesar de existirem

lags temporais). Se repararmos na evolução da inflação, na AE ao longo da última década

(figuras 3.5 e 3.12), percebemos que houve dois períodos em que a mesma desacelerou (em alguns meses estivemos perante deflação), períodos que coincidem com os piores momentos das crises do subprime e das dívidas soberanas. Quando estamos perante uma recessão económica, que pode eclodir por problemas nos mercados financeiros (como no caso destas crises) o consumo é quase sempre uma das variáveis económicas afetadas (em grande parte, devido à deterioração das condições de financiamento da economia real) levando à diminuição da taxa de inflação, da produção e, consequentemente, do emprego. Posteriormente, aumentando o desemprego, o consumo vai cair ainda mais (multiplicador keynesiano), levando a nova diminuição da taxa de inflação. Desta forma, apesar de a inflação ser afetada por muitos outros fatores, percebe-se que num período de recessão económica haja grande probabilidade de existir uma pressão desinflacionista (em alguns

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casos deflação), pelo que uma política monetária que vise aumentar o ritmo de crescimento dos preços, vai também incentivar a atividade económica (Labonte, 2011).

No caso da AE, excluindo um pequeno período temporal entre a crise do subprime e a crise das dívidas soberanas, a taxa de inflação esteve quase sempre em valores abaixo do objetivo do BCE. O primeiro período iniciou-se no verão de 2008 e culminou com a entrada em deflação em junho de 2009, realidade que se viveu até novembro desse ano. A taxa de inflação homóloga chegou a atingir o valor de -0,7%, em julho de 2009. O segundo período de pressões deflacionistas iniciou-se no segundo semestre de 2012, dando seguimento ao intensificar da crise das dívidas soberanas, e culminou com a entrada em deflação em dezembro de 2014. Este segundo período foi mais longo, sendo a descida da taxa de inflação homóloga progressiva ao longo de cerca de dois anos. Entre o final de 2014 e início de 2017, a AE esteve sempre em deflação ou inflação muito reduzida, tendo-se atingido uma taxa de inflação homóloga de -0,6% em janeiro de 2015 (figuras 3.5 e 3.12).

De forma a combater as pressões deflacionistas, o BCE tomou medidas de acordo com o que é usual nestes casos, ou seja, começou a reduzir as taxas de juro diretoras (figura 3.6). Como já foi referido, o BCE desceu as taxas de juro diretoras até valores negativos ou próximo disso. Apesar dessa descida das taxas de juro diretoras, é importante referir que houve outras medidas de política monetária que se revelaram fundamentais neste processo, como é o caso do APP (Conti et al., 2017). Apesar de todos os esforços, a taxa de inflação manteve-se baixa por um longo período de tempo, sendo que o facto de, em alguns países, os mecanismos de transmissão de política monetária terem sido bastante afetados e apresentarem-se disfuncionais (ver 3.1.6) contribuiu para a dificuldade em fazer subir os preços (Ciccareli et al., 2013). No entanto, a AE não caiu em deflação autossustentável e o nível das taxas de juro diretoras desempenhou um papel fulcral nesse desenrolar (Praet, 2017).

Evitar a deflação foi de facto, durante bastante tempo, um dos principais objetivos do BCE (compatível com outros possíveis objetivos que serão referidos posteriormente), pelo que importa perceber quais os motivos que levam a que seja tão temida, ao ponto de os bancos centrais fazerem de tudo para a evitar. A deflação incentiva os bancos centrais a reduzirem as taxas de juro diretoras, com o intuito de assim contribuírem para a saída

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dessa situação. No entanto, se a deflação for profunda e os bancos centrais forem obrigados a baixar muito as taxas de juro diretoras, corre-se o risco de atingir uma situação de zero lower bound (taxas de juro próximas de zero). Nessa situação as taxas de juro diretoras têm um impacto reduzido no crescimento dos preços. Isto acontece porque as expectativas de deflação corroem os efeitos dessa descida da taxa de juro nominal, aumentando a taxa de juro real, que por sua vez, vai aumentar ainda mais as expectativas de deflação (desincentiva o consumo no presente, pelo facto de haver a expectativa de que no futuro os preços serão mais baixos). É um ciclo vicioso, uma vez que os bancos centrais perdem grande parte da capacidade de afetarem as expectativas de inflação/deflação. Por outro lado, as empresas enfrentam graves problemas devido à rigidez dos salários nominais. Num ambiente de deflação, os salários reais crescem devido ao facto de os preços caírem, o mesmo não acontecendo com os salários nominais. Desta forma, as empresas vêm os seus lucros baixarem, podendo mesmo por em causa a sua sustentabilidade. A deflação cria também problemas a quem pede crédito sem cobertura ou proteção do risco de deflação. Se a taxa de juro nominal for fixa e a deflação for superior à esperada, a taxa de juro real de um empréstimo será superior à esperada. A deflação contribui para uma redistribuição da riqueza, do devedor para o credor, algo que também prejudica os Estados, podendo pôr em causa a sustentabilidade das dívidas públicas (Baig, 2003).