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Solidez do setor bancário e estabilidade nos mercados financeiros

5. Perspetivas para a política monetária na AE

5.1. Pré-condições para a subida das taxas de juro diretoras

5.1.2. Solidez do setor bancário e estabilidade nos mercados financeiros

A solidez do setor bancário é outra pré-condição essencial para uma reversão “limpa” das medidas de PMNC. Caso o BCE opte por uma reversão (por exemplo, através de uma subida das taxas de juro diretoras), sem que se verifique um nível satisfatório de solidez no setor bancário, assistiremos a uma nova escalada de turbulência nos mercados financeiros e a uma nova deterioração do mecanismo de transmissão da política monetária (Matthes, 2014), pondo em causa a recuperação económica, uma vez que o crédito à economia real fica comprometido. Mas qual será o nível de solidez no setor bancário, que pode ser considerado satisfatório, para avançar com este processo? Não existe uma resposta exata, até porque vários indicadores têm que ser considerados, nomeadamente

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indicadores de risco sistémico (o setor bancário é bastante dependente de tudo o que se passa noutros segmentos do setor financeiro), indicadores sobre o crédito malparado, indicadores sobre a margem de lucro dos bancos, entre outros.

Em relação aos riscos mais relevantes para a estabilidade do sistema financeiro, em 2016, o Comité Europeu do Risco Sistémico (2017, p.4) destacou, entre outros:

• “Umareavaliação dos prémios de risco nos mercados financeiros mundiais”;

• “As fragilidades nos balanços das instituições de crédito, das seguradoras e dos

fundos de pensões”;

• “Os desafios em termos de sustentabilidade da dívida dos setores público,

empresarial e das famílias”.

A reavaliação dos prémios de risco, nomeadamente uma desvalorização dos índices acionistas europeus, abalou significativamente os mercados financeiros no ano de 2016, em resultado da incerteza relativamente à recuperação económica mundial e da persistência de fragilidades nos balanços de bancos e seguradoras da UE e dos elevados níveis de dívida pública e privada. Os balanços de muitos bancos e seguradoras da AE continuam bastante frágeis (principalmente em resultados do “ambiente” de baixas taxas de juro) e as dívidas públicas e privadas mantêm-se em níveis bastante elevados.

No entanto, apesar ainda se verificarem vários problemas nos mercados financeiros da AE, o nível de stress nesses mercados tem vindo a decrescer ao longo dos últimos anos, conforme refletido no Indicador Compósito de Stress Sistémico (ICSS). Segundo este indicador (figura 4.2), depois de anos de forte turbulência, em 2017, praticamente todos os países da AE apresentavam um valor inferior a 0,2, ou seja, o stress financeiro estava abaixo do que se verificava em finais de 2007 (dispersão entre cerca de 0,2 e 0,5),numa escala compreendida entre 0 e 1. Se analisarmos a média para a AE, em outubro de 2007 o ICSS era de 0,2578, ao passo que em janeiro de 2018 esse indicador era de apenas 0,0621. Obviamente que este indicador pode mudar drasticamente caso o BCE não tome as melhores opções no momento em que decidir reverter as medidas de PMNC. Por exemplo, uma subida brusca e indevidamente comunicada das taxas de juro diretoras pode causar incerteza e turbulência (investidores tentam acertar o mais rápido possível as suas expectativas em relação a algumas variáveis) nos mercados financeiros (Belke, 2014).

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Mais especificamente, em relação aos bancos da AE, o stock de crédito malparado tem vindo a decrescer significativamente ao longo dos últimos anos, representando, em 2016, cerca de 4,4% do total dos empréstimos, quase metade do que se verificava em 2012. Por país, os dados são preocupantes nalguns casos, sendo que o crédito malparado na Grécia representava cerca de 36,3% do total de empréstimos em 2016, ao passo que na Alemanha representava apenas menos de 2% em 2016 (figura 4.3).As diferenças entre países são enormes, colocando ainda mais desafios ao BCE, uma vez que o momento ideal para reverter as medidas de PMNC num país será diferente do momento ideal para outros países. Aliás, este problema coloca-se em outras pré-condições.

Em relação ao capital próprio dos bancos da AE, a evolução tem sido positiva ao longo dos últimos anos. Em média, os bancos da AE apresentavam em 2016 capitais próprios de cerca de 8,1% dos ativos que possuíam, valor acima do que se verificava em 2008 (5,8%). No entanto, os valores que se praticavam antes da crise do subprime não são uma referência adequada, uma vez que os capitais próprios se revelaram em muitos casos escassos para enfrentar os efeitos nefastos da crise. Em termos individuais, os rácios de capital aumentaram em quase todos os países da AE, apesar de continuar a existir uma grande heterogeneidade. Por exemplo, em 2016, os bancos gregos apresentavam um rácio superior a 10%, enquanto que os bancos italianos apresentavam um rácio de cerca de 5,5%. Em Portugal, esse rácio foi de cerca de 8,4% no ano de 2016 (figura 5.1). As reformas que veremos de seguida desempenharam um papel relevante na melhoria deste indicador.

Figura 5.1: Rácios de capital nos bancos da AE, 2008-2016 (%)

Fonte: Banco Mundial (2018c). 3 4 5 6 7 8 9 10 11 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

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O BCE, ao longo dos últimos anos, implementou também uma série de reformas no setor financeiro da AE, promovendo alterações no comportamento dos agentes económicos, principalmente nas instituições bancárias (Matthes, 2014). Destaca-se a centralização, por parte do BCE (desde novembro de 2014), da supervisão financeira, através do Mecanismo Único de Supervisão (MUS), que visa uniformizar a supervisão financeira na AE, evitando alguns erros, cometidos ao longo dos últimos anos, por algumas autoridades de supervisão nacionais. Também foi criado um Mecanismo Único de Resolução (MUR), que entrou em vigor em janeiro de 2016, e que tem como missão auxiliar na resolução de bancos insolventes. Estes dois mecanismos fazem parte da União Bancária, que poderá ainda ter um terceiro mecanismo, o Sistema Europeu de Garantia de Depósito (Parlamento Europeu, 2017). Outras reformas foram implementadas em alguns países da AE através da intervenção externa (Troika), nomeadamente em Portugal, Espanha e Grécia (Matthes, 2014). Todas estas reformas do setor bancário europeu visam promover a homogeneização do mesmo, colocando todas as instituições bancárias da AE em igualdade de circunstâncias.

Um problema específico que se pode colocar aos bancos, a partir do momento em que o BCE decida reverter as medidas de PMNC (nomeadamente uma subida nas taxas de juro diretoras), está relacionado com a composição dos seus balanços. Se os bancos tiverem boa parte dos ativos com taxas de juro fixas e boa parte das responsabilidades com taxas de juro variáveis, pode-se criar um grave problema, uma vez que uma subida das taxas de juro diretoras, por parte do BCE, pode comprimir, de forma preocupante, as margens de lucro desses bancos (Belke, 2014). Desequilíbrios nos balanços dos bancos, em termos de maturidade, também podem ser importantes neste processo. A yield curve, que tem estado bastante horizontal ao longo dos últimos anos em grande parte dos países desenvolvidos, devido à ação dos bancos centrais (principalmente pelo impacto de programas de compra de títulos e da forward guidance) (Wu, 2014), começará certamente a inclinar à medida que os bancos centrais, nomeadamente o BCE, decidam inverter o panorama e comecem a reverter algumas medidas de PMNC, ou seja, as taxas de juro de longo prazo vão subir mais do que as taxas de juro de curto prazo (Turner, 2015). Bancos que apresentem balanços com muitas responsabilidades a longo prazo e grande parte dos ativos a curto prazo podem ter problemas. Desequilíbrios nos balanços dos bancos

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relativamente à moeda em que são denominados os ativos também podem ser um problema. Uma subida nas taxas de juro diretoras pode implicar uma apreciação cambial do euro, podendo por em causa a rentabilidade de bancos da AE que tenham muitos ativos denominados em moeda estrangeira (Belke, 2014). Esta problemática da taxa de câmbio afeta, obviamente, outros agentes económicos, para além das instituições bancárias, sendo exemplo disso as empresas exportadoras de bens e serviços.

No entanto, a reversão das medidas de PMNC também traz benefícios para as instituições bancárias. As suas margens financeiras (a margem entre as taxas de juro cobradas pelos empréstimos concedidos e as taxas de juro aplicadas aos depositantes), irão aumentar à medida que as taxas de juro diretoras subam (Belke, 2014). Tal como foi referido no capítulo anterior, ao longo dos últimos anos, os bancos sofreram bastantes quebras na sua rentabilidade, em função da redução das margens de lucro relacionadas com as taxas de juro. As taxas de juro diretoras baixaram para valores próximos de zero, transmitindo-se posteriormente aos mercados financeiros e à atividade bancária. Uma mudança de paradigma, que proporcione a subida das taxas de juro nos mercados financeiros incrementará, certamente, a rentabilidade dos bancos e a sua solidez.

De uma forma geral, principalmente a partir de 2014, a solidez do setor bancário tem vindo a melhorar (menor stress financeiro, maiores capitais próprios, reformas do setor financeiro, entre outros). No entanto, ainda há muitos indicadores e fatores de risco (elevado nível de crédito malparado, fragilidades nos balanços dos bancos, entre outros), algo que pode pôr em causa uma reversão das medidas de PMNC. A incerteza relativamente às consequências da reversão das medidas de PMNC e ao seu impacto no setor bancário e nos restantes setores financeiros será sempre uma realidade. Grande parte das consequências dependerão das expetativas e ações dos agentes económicos.

5.1.3. Impacto sustentável sobre os encargos de financiamento do setor privado