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A política monetária do BCE desde 2007 e perspetivas para o futuro: a evolução das taxas de juro diretoras

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Academic year: 2021

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Mestrado em Economia – Faculdade de Economia, Universidade do Porto

A política monetária do BCE desde 2007 e perspetivas

para o futuro: a evolução das taxas de juro diretoras

Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Economia pela Faculdade de Economia do Porto

por

Juliano António de Lima Ventura

Orientado por: Prof. João Loureiro

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i

Nota biográfica

Juliano António de Lima Ventura nasceu a 4 de junho de 1994 no concelho de Felgueiras, distrito do Porto. É licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto desde 2015 e frequenta o Mestrado em Economia na mesma instituição de ensino.

Em 2016 fez um estágio curricular relacionado com a avaliação de projetos de investimento, nomeadamente no âmbito do Portugal 2020 e do IAPMEI-Comércio Investe, na empresa Margem – Formação e Consultoria, Lda.

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ii

Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, à minha avó, a toda a minha família e amigos pelo apoio, compreensão, dedicação e paciência que demonstraram ao longo desta caminhada.

Agradeço ao Professor João Loureiro pela orientação, disponibilidade e dedicação que sempre me proporcionou durante a realização desta dissertação.

Por último, agradeço a todos os que fizeram parte do meu percurso académico, principalmente aos meus amigos que sempre me ajudaram em tudo que lhes era possível e contribuíram para que a minha passagem pela FEP tenha sido ainda mais frutífera.

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Resumo

Nos últimos anos, a Área do Euro passou, em várias ocasiões, por relevantes ameaças, com reflexo em vários segmentos do sistema financeiro. Tudo começou com a crise financeira global de 2008, a que se seguiu uma crise económica e, finalmente, a crise das dívidas soberanas. Em alguns momentos chegou mesmo a temer-se a desintegração da União Monetária Europeia e o fim do euro.

Para fazer face às situações de emergência que foram surgindo, o Banco Central Europeu (BCE) viu-se obrigado a adotar medidas de política monetária bem diversas daquelas que vinha adotando desde que entrou em funções em 1999. A partir da segunda metade da presente década, as ameaças à estabilidade da Área do Euro começaram gradualmente a dissipar-se e a nova preocupação passou a ser a abordagem à reversão das medidas não convencionais de política monetária adotadas pelo BCE.

Esta dissertação apresenta e discute, de forma sintética, a política monetária do BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o que poderá ser a política monetária na Área do Euro nos próximos anos, nomeadamente o processo de convergência para a normalidade. Para o efeito, o trabalho apoia-se numa revisão alargada da literatura.

Tendo o BCE começado já a reduzir a compra de ativos ao abrigo do Asset

Purchases Programme (APP), é provável que o início da subida das taxas de juro

diretoras ocorra no futuro próximo. Neste aspeto, são várias as questões que se colocam, nomeadamente em relação aos timings adequados para a reversão e sobre o que será o “novo normal” A discussão destes tópicos encerra este trabalho.

Códigos JEL: E44, E52, E58, E63, F45, G21, H62, H63.

Palavras-chave: Políticas monetárias não convencionais; taxas de juro negativas;

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Abstract

In the last years, the Euro Area has experienced significant threats on several occasions, with reflection in several segments of the financial system. It all started with the global financial crisis of 2008, followed by an economic crisis and finally the sovereign debt crisis. At times, the disintegration of the European Monetary Union and the end of the euro came to be feared.

To deal with emergency situations, the European Central Bank (ECB) was forced to adopt monetary policy measures quite different from those it had adopted since taking office in 1999. From the second half of this decade, the threats to the stability of the Euro Area began to gradually dissipate, and the new concern became the approach to the reversal of the unconventional monetary policy measures adopted by the ECB.

This dissertation presents and discusses, in a synthetic way, the monetary policy of the ECB over the last 10 years, focusing, in particular, on the evolution of the euro interest rates. In addition, it discusses what could be the monetary policy in the Euro Area in the coming years, namely the process of convergence towards normality. For this purpose, the work is based on a broad literature review.

As the ECB has already begun to reduce the purchase of assets under the Asset Purchases Program (APP), it is likely that the beginning of the rise of the euro interest rates will occur in the near future. In this aspect, there are several questions that are posed, namely regarding timings suitable for reversion and what will be the "new normal". The discussion of these topics concludes this work.

JEL Codes: E44, E52, E58, E63, F45, G21, H62, H63.

Keywords: Unconventional monetary policies; negative interest rates; quantitative easing; subprime crisis; sovereign debt crisis.

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Índice

Nota biográfica ... i Agradecimentos ... ii Resumo ... iii Abstract ... iv

Índice de quadros ... vii

Índice de figuras ... vii

1. Introdução ... 1

2. A política monetária convencional do BCE ... 4

2.1. O funcionamento da União Económica e Monetária ... 4

2.2. Os instrumentos convencionais de política monetária ... 6

2.2.1. Facilidades permanentes ... 6

2.2.2. Operações de mercado aberto ... 7

2.2.3. Sistema de reservas legais ... 8

2.3. Mecanismos de transmissão da política monetária ... 9

3. A política monetária do BCE no pós-2007... 13

3.1. O eclodir da crise do subprime nos EUA ... 13

3.2. A propagação da crise do subprime e o impacto na Área do Euro ... 15

3.3. A resposta do BCE à crise do subprime ... 19

3.4. O eclodir da crise das dívidas soberanas e a resposta do BCE ... 25

3.5. O início da recuperação económica e o combate à deflação na Área do Euro ... 30

4. A redução das taxas de juro levada ao limite ... 35

4.1. Fatores impulsionadores e consequências positivas ... 36

4.1.1. Garantir a estabilidade de preços ... 36

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vi

4.1.3. Garantir a estabilidade no setor bancário e nos restantes mercados financeiros .. 40

4.1.4. Redução do crédito malparado ... 43

4.1.5. Redução das taxas de juro bancárias e aumento do crédito à economia real ... 44

4.1.6. Garantir a eficácia dos mecanismos de transmissão da política monetária ... 47

4.1.7. Alívio orçamental dos Estados da Área do Euro ... 48

4.1.8. Incrementar o investimento privado ... 52

4.1.9. Descida das taxas de juro reais ... 54

4.2. Principais críticas à redução das taxas de juro diretoras ... 56

4.2.1. Aumento da poupança e redução do consumo ... 56

4.2.2. Criação de bolhas especulativas ... 57

4.2.3. Saída de capitais ... 59

4.2.4. Reduzido impacto no investimento ... 59

4.2.5. Alocação ineficiente de recursos ... 60

4.2.6. Incentivo ao endividamento ... 60

4.2.7. Limitação das políticas monetárias no futuro ... 61

4.2.8. Redução das margens de lucro dos bancos ... 62

4.2.9. Limites para as taxas de juro diretoras ... 64

5. Perspetivas para a política monetária na AE ... 65

5.1. Pré-condições para a subida das taxas de juro diretoras ... 65

5.1.1. Condições económicas e inflação ... 66

5.1.2. Solidez do setor bancário e estabilidade nos mercados financeiros ... 67

5.1.3. Impacto sustentável sobre os encargos de financiamento do setor privado... 71

5.1.4. Solidez das finanças públicas ... 74

5.1.5. Prejuízos para o BCE ... 77

5.1.6. Impacto em países que não adotaram medidas de PMNC ... 78

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vii

5.2.1. Os timings certos para a reversão das medidas de PMNC ... 80

5.2.2. A velocidade a que se devem reverter as medidas de PMNC ... 81

5.2.3. Os instrumentos prioritários na reversão das medidas de PMNC ... 82

5.2.4. O “novo normal” das taxas de juro diretoras ... 84

5.2.5. A importância da coordenação entre bancos centrais ... 85

6. Conclusão ... 87

Referências bibliográficas ... 90

Webgrafia ... 97

Índice de quadros

Quadro 3.1: Medidas de PMNC do BCE entre setembro de 2008 e abril de 2010…… 32

Quadro 3.2: Medidas de PMNC do BCE entre maio de 2010 e agosto de 2012……… 37

Quadro 3.3: Medidas de PMNC do BCE desde junho de 2014……….……... 42

Quadro 4.1: Taxas de juro médias mensais das obrigações de dívida pública a dois anos, 1:2007-12:2017 (%)……….………..………….… 61

Índice de figuras

Figura 3.1: Preço das habitações nos EUA, 1:1996-12:2010 (janeiro 2000=100)…... 23

Figura 3.2: Taxa de crescimento anual do PIB per capita, 2000-2009 (%)…... 26

Figura 3.3: Taxas de desemprego, 2000-2013 (%)……….….... 26

Figura 3.4: Saldos orçamentais, 2005-2010 (% do PIB)………. 27

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Figura 3.6: Taxas de juro diretoras do BCE e EONIA, 1:2007-4:2018 (%)…………... 31 Figura 3.7: Taxa de juro médias de novos contratos de crédito a sociedades não financeiras na AE, 1:2007-3:2018 (%)…………..………..… 34 Figura 3.8: Crédito bancário ao setor privado não-financeiro da AE, 3:2005-9:2017

(109€)……….. 35

Figura 3.9: Taxas de juro das obrigações de dívida pública a 10 anos, 1:2005-3:2018 (%)……….. 36 Figura 3.10: Taxa de crescimento do PIB real na AE (variações homólogas), 1ºT:2007-1ºT:2018 (%)………..…. 39 Figura 3.11: Taxa de crescimento do PIB nominal e dos seus agregados na AE (variações homólogas), 1ºT:2007-4ºT:2017 (%)………..……… 39 Figura 3.12: Taxa de inflação homóloga na AE, 1:2011-3:2018 (%)………. 40 Figura 3.13: Aquisições feitas pelo BCE ao abrigo do APP, 3:2015-3:2018 (109€)… 44

Figura 4.1: Desemprego na AE, 2006-2019 (%)……….... 50 Figura 4.2: Indicador Compósito de Stress Sistémico (ICSS) na AE, 10:2007-1:2018………. 51 Figura 4.3: Crédito malparado, em função do montante total de empréstimos bancários, 2008-2016 (%)………...………. 54 Figura 4.4: Taxas de juro médias em novos contratos de crédito à habitação, 1:2007-3:2018 (%)………..………. 56 Figura 4.5: Saldos orçamentais na AE, 2007-2019 (% do PIB)………...…...…... 62 Figura 4.6: Dívidas públicas na AE, 2007-2019 (% do PIB)……….………. 62 Figura 4.7: Taxa de crescimento anual da formação bruta de capital fixo na AE, 2006-2017 (%)……….. 64 Figura 4.8: Taxas de juro reais nas principais economias mundiais, 1990-2016 (%)…. 65 Figura 5.1: Rácios de capital nos bancos da AE, 2008-2016 (%)….……….…. 79

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Figura 5.2: Endividamento privado nalguns países da AE, 2007-2016 (% do PIB)…... 83 Figura 5.3: Dimensão do ativo da Reserva Federal, 1:2008-12:2017 (109€)……... 94

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1. Introdução

A partir de 2007, tendo em conta as crises económico-financeiras enfrentadas, o Banco Central Europeu (BCE) foi forçado a implementar uma vasta gama de medidas de política monetária não convencionais (PMNC), nomeadamente a redução das taxas de juro diretoras para valores historicamente baixos (valores próximos de zero ou até negativos). As medidas de PMNC destacam-se das medidas convencionais pelo seu carácter excecional, não se enquadram na estratégia de atuação do BCE em “tempos normais”, apenas foram adotadas devido às circunstâncias extremamente excecionais que a Área do Euro (AE) enfrentou (FMI, 2013). Entre as medidas adotadas, para além da redução das taxas de juro para valores historicamente baixos, destacam-se: a oferta ilimitada de liquidez a taxas fixas nas operações principais de refinanciamento (MRO -

Main Refinancing Operations) e operações de refinanciamento de prazo alargado (LTRO

– Longer-Term Refinancing Operations) (e a extensão da lista de colaterais), a extensão de maturidades nas LTRO´s, a criação de LTRO´s direcionadas, compra de ativos (incluindo títulos de dívida pública através do Public Sector Purchase Programme (PSPP)), entre outras (Falagiarda e Reitz, 2015).

Tendo em conta que o início da subida das taxas de juro diretoras, assim como a reversão de outras medidas de PMNC, pode estar para breve torna-se relevante tentar perceber de que forma este processo se vai desenrolar. Será que a AE já está preparada para uma subida das taxas de juro diretoras? Quais serão as consequências? Qual a melhor estratégia, a implementar pelo BCE, para a reversão deste “ambiente não convencional”? Estas são algumas questões para as quais não existem respostas concretas, mas sobre as quais é importante refletir.

Um dos principais objetivos desta dissertação é sintetizar informação atualizada, ainda que de forma efémera, sobre a reversão das medidas de PMNC na AE, sendo que é também essa atualidade e a organização da informação de forma crítica que tornam esta dissertação relevante. Embora exista bastante literatura sobre a reversão das medidas de PMNC, a verdade é que as condições económicas, financeiras e monetárias da AE estão em constante mudança. Por exemplo, a literatura que existe sobre esta temática, anterior a 2015, passou a estar um pouco obsoleta após a implementação do Asset Purchase

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2 Programmes (APP). O contexto atual (iminência da reversão das medidas não

convencionais) torna esta temática ainda mais relevante para discutir numa dissertação. Apesar de a dissertação se focar muito no futuro da política monetária da AE, é importante perceber o que levou o BCE a implementar medidas de PMNC e quais foram as suas consequências. Também as principais críticas que foram e são apontadas à atuação do BCE serão analisadas ao pormenor, de forma a conferir ao trabalho vários pontos de vista (não apenas a visão do BCE). O passado será analisado com atenção ao longo da dissertação, também pelo facto de nos dar indicações de como deve ser conduzida a política monetária no presente.

De forma a atingir os objetivos propostos será utilizada a revisão de literatura. Essa revisão de literatura será exaustiva, de forma a tentar alcançar e aprofundar todos os pontos de vista existentes acerca da aplicação de medidas de PMNC na AE e a sua previsível reversão. De facto, vários economistas, banqueiros e policymakers discordam das medidas que foram implementadas ao longo dos últimos anos pelo BCE, sendo que a revisão de literatura deve apresentar, de forma crítica e integrada, essas diferentes posturas. Diferentes posturas que se estendem também ao caminho a percorrer relativamente à reversão desse “ambiente não convencional”. O objetivo final é apresentar, de forma estruturada, todos os aspetos relevantes acerca da atuação do BCE na última década (período de graves problemas económicos e financeiros na AE) e acerca do processo de reversão das medidas de PMNC.

O presente trabalho encontra-se organizado em seis capítulos. No segundo capítulo, sendo o primeiro capítulo a introdução, será descrita a atuação convencional do BCE, ou seja, os instrumentos de política monetária utilizados em tempos de normalidade. Também serão descritos os principais mecanismos de transmissão da política monetária, os objetivos do BCE, os seus órgãos de decisão, entre outros.

O terceiro capítulo irá descrever a atuação do BCE desde 2007, ou seja, a resposta dada aos problemas inerentes às crises do subprime e das dívidas soberanas. Ao longo desse capítulo, que será subdividido em três partes (resposta à crise financeira mundial, resposta à crise das dívidas soberanas e resposta ao período de deflação que ocorreu entre o final de 2014 e o final de 2016) serão descritas e justificadas as principais medidas de política monetária implementadas pelo BCE, principalmente as medidas não convencionais.

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O quarto capítulo tratará exclusivamente da questão das taxas de juro diretoras terem sido fixadas em níveis muito baixos (taxa da facilidade permanente de depósito atingiu valores negativos). Será discutido o que levou o BCE a fixar as taxas de juro diretoras nesses valores, as críticas que vão sendo apresentadas a essa estratégia de política monetária e as consequências que se têm vindo a verificar.

O quinto capítulo abordará o futuro da política monetária na AE. Serão analisadas as principais pré-condições apresentadas pela literatura para uma saída limpa do “ambiente não convencional”, tentando perceber se a AE já está preparada para tal processo (também serão analisadas as principais consequências de uma saída do “ambiente convencional” sem cumprir essas pré-condições). Serão também discutidas algumas das principais questões inerentes a este processo, nomeadamente os timings e a velocidade a que se devem reverter as medidas, as medidas que devem ser revertidas em primeiro lugar (sequência), as condições económicas que serão consideradas normais no futuro, entre outros. Por último serão apresentadas as principais conclusões da dissertação.

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2. A política monetária convencional do BCE

2.1. O funcionamento da União Económica e Monetária

No dia 1 de junho de 1998 foi criado o BCE, instituição que passou a desempenhar um papel determinante, em termos de política monetária, nas economias dos países aderentes à União Económica e Monetária. Esse novo espaço económico é comumente designado de Área do Euro. Os países que aderiram inicialmente à UEM foram os seguintes: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e Portugal. Posteriormente, outros países foram progressivamente aderindo a este novo projeto europeu, a Grécia em 2001, a Eslovénia em 2007, o Chipre e Malta em 2008, a Eslováquia em 2009, a Estónia em 2011, a Letónia em 2014 e a Lituânia em 2015. Atualmente, dos 28 países da União Europeia (UE), 19 pertencem à AE.

A moeda “euro” foi lançada a 1 de janeiro de 1999, mas só a partir de 1 de janeiro de 2002 começaram a circular as novas notas e moedas, substituindo as notas e moedas nacionais a taxas de conversão fixadas, sendo que durante este período de três anos o euro foi exclusivamente uma moeda com propósitos contabilísticos (BCE, 2017a). Alguns Estados que não pertencem à AE também utilizam o euro como moeda oficial, como é o caso de Andorra, do Mónaco, de São Marino e do Vaticano.

Aquando da criação da criação da UEM surgiu também uma nova rede de autoridades, o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC). O SEBC engloba o BCE e os Bancos Centrais (BC) dos países da União Europeia, tendo como objetivo primordial a manutenção da estabilidade de preços na UE,algo que está bem explicito no artigo 127º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE):

“1. O objetivo primordial do Sistema Europeu de Bancos Centrais (…) é a manutenção da estabilidade dos preços. Sem prejuízo do objetivo da estabilidade dos preços, o SEBC apoiará as políticas económicas gerais na União tendo em vista contribuir para a realização dos objetivos da União tal como se encontram definidos no artigo 3.º do Tratado da União Europeia. (…)”.

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No entanto, uma vez que nem todos os países pertencentes à UE aderiram à moeda única, foi necessário criar uma nova rede de autoridades, o Eurosistema. O Eurosistema tem a mesma missão do SEBC, sendo uma rede composta pelo BCE e pelos Bancos Centrais dos países pertencentes à AE (BCE, 2011a). Na prática o Eurosistema tornou-se muito mais importante que o SEBC, sendo crucial para a condução da política monetária na AE (SEBC apenas reúne esporadicamente). A distinção entre o SEBC e o Eurosistema apenas existirá enquanto houverem países na União Europeia que ainda não tenham adotado o euro.

O Eurosistema é governado pelos órgãos de decisão do BCE, nomeadamente o Conselho de Governadores do BCE, responsável pela formulação da política monetária, e a Comissão Executiva, responsável pela posterior execução da política monetária aprovada pelo Conselho de Governadores. Existe também o Conselho Geral, um órgão transitório que contribui para as funções consultivas do BCE, para a recolha de informação estatística, elaboração do relatório anual do BCE, entre outros.

O objetivo primordial do BCE confunde-se com o objetivo primordial do SEBC e do Eurosistema, ou seja, manter a estabilidade de preços. Mais especificamente, aquando da elaboração do TFUE, ficou definido que a estabilidade de preços seria avaliada através do crescimento anual do Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC), que deve estar abaixo, mas próximo de 2%. No entanto, estando este objetivo primordial assegurado, o BCE tem margem para apoiar outro tipo de políticas prosseguidas na União Europeia, sendo exemplo disso o combate a efeitos nefastos de crises económicas e/ou financeiras. Ficou estabelecida a estabilidade de preços como o objetivo primordial pelo facto de, no longo prazo, os bancos centrais não poderem influenciar o crescimento económico através da oferta de moeda e de a inflação ser um fenómeno monetário. Se a inflação não for devidamente controlada pode causar efeitos nefastos para as economias. A estabilidade de preços permite uma redução dos prémios de risco em taxas de juro, previne a arbitrariedade na redistribuição de riqueza e rendimentos e contribui para a estabilidade financeira, entre outros (BCE, 2011b).

A condução da política monetária na AE é descentralizada, não só pelo facto de o Eurosistema ter a participação de todos os Bancos Centrais nacionais, mas sobretudo pela delegação de responsabilidades por parte do BCE a esses BC nacionais. Os BC nacionais

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funcionam quase como “sucursais” do BCE, podendo receber depósitos das IC, conceder crédito ao abrigo dos diversos instrumentos de política monetária, entre outros.

2.2. Os instrumentos convencionais de política monetária

Na condução da política monetária da AE, o BCE tem vários instrumentos à sua disposição, sendo que neste capítulo apenas serão apresentados os principais instrumentos convencionais, instrumentos que são utilizados pelo BCE desde a sua criação.

2.2.1. Facilidades permanentes

Este instrumento de política monetária permite às Instituições de Crédito (IC) ter sempre uma alternativa viável para obter liquidez ou depositar excessos de liquidez, em prazos overnight (até um dia), especialmente quando o mercado monetário atravessa alguma turbulência. A facilidade permanente de cedência de liquidez permite que as IC obtenham toda a liquidez de que necessitam (desde que apresentem ativos elegíveis como garantia) a uma determinada taxa de juro fixada pelo BCE, enquanto que a facilidade permanente de depósito permite que as IC depositem junto do BCE a quantidade de reservas que entenderem, também a uma taxa de juro fixada (BCE, 2011a). No entanto, em períodos de normalidade as IC preferem recorrer ao mercado monetário do que a este instrumento, pelo facto de as taxas de juro praticadas nesse mercado lhes serem mais favoráveis. Se a Euro Overnight Index Average (EONIA), taxa de juro de referência do mercado monetário do euro para o prazo overnight, se colocasse no mesmo valor da taxa da facilidade permanente de depósito, as IC iriam preferir depositar junto do BCE (depósitos no BCE estão livres de risco), e se a EONIA alcançasse o mesmo valor da taxa de cedência de liquidez, tornava-se indiferente obter liquidez junto do BCE ou no mercado monetário. É neste corredor, com limite inferior na taxa da facilidade permanente de depósito e com limite superior na taxa da facilidade permanente de cedência de liquidez, que se situa a EONIA, apesar de em condições normais essa taxa se fixar num valor equidistante das duas facilidades permanentes (normalmente muito próximo da taxa das operações principais de refinanciamento (Refi)) (Collignon, 2014).

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Os decisores do BCE podem influenciar a EONIA através do controle que têm sobre as taxas das facilidades permanentes (BCE, 2011b).

2.2.2. Operações de mercado aberto

As operações de mercado aberto têm como principais objetivos a gestão da liquidez no mercado monetário (operações com maturidade inferior a um ano), direcionar as taxas de juro de mercado e sinalizar a posição da política monetária do BCE (BCE, 2011a). Ao contrário das facilidades permanentes, estas operações são despoletadas por iniciativa do BCE e não por iniciativa das IC. Existem quatro tipos de operações de mercado aberto, cada uma delas com as suas especificidades no que concerne ao seu acesso e aos seus objetivos.

Dos quatro tipos de operações, aquelas que são consideradas as mais importantes são as Operações Principais de Refinanciamento (MRO - Main Refinancing Operations) (BCE, 2011b). São operações regulares (semanais), com maturidade de habitualmente uma semana e têm como principal finalidade fornecer liquidez às IC, sendo que o montante total da operação e a taxa de juro aplicável (caso não seja decidida através de leilão) são anunciados previamente (BCE, 2011a). No entanto, as IC têm que ser consideradas elegíveis para poderem recorrer a estas operações, e, para tal, devem cumprir o requisito das reservas mínimas legais1, serem consideradas sólidas pelas autoridades nacionais de supervisão e cumprirem os requisitos operacionais (Banco de Portugal, 2017). Para além disso, são operações reversíveis e as IC têm que apresentar garantias adequadas, ou seja, ativos que pertençam à Single List2, definida pelo BCE (BCE, 2011b).

As Operações de Refinanciamento de Prazo Alargado (LTRO – Longer-Term

Refinancing Operations) são bastante semelhantes às MRO, apresentando também como

finalidade fornecer liquidez às IC, sendo que estas conhecem à partida as condições para que possam aceder a essas operações. As principais diferenças em relação às operações

1 O cumprimento do requisito das reservas mínimas legais é um tema que será descrito no próximo

instrumento de política monetária (subsecção 2.2.3).

2 Lista com todos os ativos, aceites como garantia pelo BCE, para participação nas operações do

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anteriores estão relacionadas com a sua maturidade (três meses ao invés de um mês) e regularidade (são operações mensais ao invés de semanais) (BCE, 2011a).

As Operações de Fine-Tuning são operações ocasionais que têm como objetivo responder a flutuações de liquidez inesperadas (ao contrário das operações anteriores também podem absorver liquidez), como é o caso do último dia do período de manutenção de reservas, em que muitas IC procuram reservas adicionais para cumprir o rácio exigido. Consequentemente não têm regularidade estabelecida e a maturidade pode variar consoante os casos (BCE, 2011b).

Por último, existem as Operações Estruturais. São operações bastante diversificadas, principalmente em termos de regularidade e maturidade e que têm como objetivo alterar a posição de liquidez estrutural do setor financeiro. Tal como as Operações de Fine-Tuning podem ceder ou absorver liquidez e podem ser operações reversíveis ou definitivas (BCE, 2011a).

2.2.3. Sistema de reservas legais

Todas as IC que atuem na AE estão obrigadas a manter reservas (remuneradas) junto do BCE, ou mais concretamente junto dos Bancos Centrais nacionais, que funcionam como “sucursais” do BCE. O montante mínimo de reservas de cada IC depende da sua reserve base, ou seja, do montante de responsabilidades que estão sujeitas à manutenção de reservas. De facto, nem todas as responsabilidades de um banco estão sujeitas à manutenção de reservas. Só estão sujeitos à manutenção de reservas os depósitos e os títulos de dívida com maturidade de até dois anos. No que concerne aos depósitos, também são incluídos aqueles que podem ser reembolsáveis com pré-aviso de até dois anos. Depois de calculada a reserve base é aplicado o rácio de reservas em vigor, que é de 1% desde janeiro de 2012 (anteriormente era de 2%), ficando as IC a conhecer o montante exato de reservas mínimas que devem possuir junto dos Bancos Centrais nacionais (BCE, 2011b).

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As IC não necessitam de possuir permanentemente o montante de reservas mínimas exigidas. Apenas necessitam de finalizar o período de manutenção de reservas3 com uma média de reservas diária superior ou igual ao montante mínimo de reservas exigido, pelo que durante este período pode haver períodos em que o montante de reservas se encontre abaixo do requisitado (BCE, 2011b). O período de manutenção de reservas inicia-se, salvo raras exceções, no dia da primeira MRO depois da reunião do Conselho de Governadores do BCE e termina no dia anterior ao início do próximo período de manutenção de reservas (BCE, 2011b).

Os principais objetivos deste sistema de reservas legais são a estabilização das taxas de juro do mercado monetário, sendo um incentivo para a suavização dos efeitos das flutuações temporárias de liquidez, e a criação ou alargamento de uma escassez de liquidez estrutural, tornando o Eurosistema mais eficiente no fornecimento dessa liquidez (BCE, 2011a).

2.3. Mecanismos de transmissão da política monetária

Os três tipos de instrumentos anteriormente referidos são, ou pelo menos foram, as principais formas convencionais de o BCE intervir. No entanto, importa perceber de que forma a ação destes instrumentos, que influenciam essencialmente as IC, se vai repercutir na economia real, nomeadamente em relação à variação dos preços (formalmente o principal objetivo da política monetária do BCE). Os impactos dos instrumentos de política monetária propagam-se através dos designados mecanismos de transmissão da política monetária, mecanismos que têm sempre inerentes consequências (não só no que toca ao sentido esperado de certas variáveis, mas também em relação à dimensão dos efeitos) e lags temporais de elevado grau de incerteza, dependendo do estado e evolução da economia (crescimento económico, solidez bancária, inflação, entre outros). Numa União Económica e Monetária, como é o caso da AE, onde existem diferenças consideráveis entre os países membros, os efeitos de uma política monetária

3 O período de manutenção de reservas é um espaço de tempo (duas semanas) em que as IC da AE estão

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podem ser distintos entre esses países. Alguns dos principais mecanismos, ou canais de transmissão, serão expostos de seguida, sendo que alguns desses canais podem ser despoletados em simultâneo, ter efeitos divergentes e ser afetados por choques exógenos, dependendo do tipo de política monetária implementada e das condições económicas, financeiras e sociais envolventes (BCE, 2011b).

O longo e imprevisível processo de transmissão de uma política monetária convencional à economia real inicia-se, grande parte das vezes, com uma alteração das taxas de juro oficiais por parte do BCE, as taxas de juro que o BCE impõe nas suas operações de mercado aberto e facilidades permanentes (BCE, 2011b). A partir daí são despoletados os canais de transmissão da política monetária, sendo de destacar o canal da taxa de juro, o canal da taxa de câmbio, o canal do preço dos ativos, o canal do crédito e o canal das expectativas.

O canal da taxa de juro transmite, por exemplo, uma descida das taxas de juro diretoras por parte do BCE a uma descida nas taxas de juro do mercado monetário (percebemos nos instrumentos de política monetária a influência que o BCE tem sobre o mercado monetário), levando a uma descida, em certo grau, das taxas de juro praticadas pelas IC junto dos seus clientes. Há, portanto, no curto prazo, uma descida da taxa de juro real (a inflação demora a ajustar-se) e do custo do capital, impondo, consequentemente, uma aceleração do investimento e uma redução na poupança. O consumo também irá aumentar, incrementando a procura agregada na AE. Esse excesso de procura relativamente à oferta leva a uma pressão sobre os preços e salários, que irão começar a subir até que se encontre um novo equilíbrio. Caso estivéssemos perante uma subida das taxas de juro oficiais, os efeitos seriam inversos.

Através do canal da taxa de câmbio entende-se que - continuando com o exemplo da descida das taxas de juro oficiais por parte do BCE - se torna menos vantajoso investir em euros do que em moeda estrangeira. Cria-se, desta forma, um incentivo à troca de euros por moedas estrangeiras, levando a que o euro deprecie relativamente a essas moedas. Consequentemente, na AE, as exportações ficarão mais baratas e as importações mais caras, aumentando dessa forma a procura por produtos e serviços produzidos internamente. O crescimento económico, por consequência, será também superior, tal como os preços, uma vez que os produtos importados ficarão mais caros. No entanto,

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importa referir que o impacto deste canal de transmissão depende do grau de abertura das economias: quanto maior for a abertura das economias, maior o impacto.

O canal do preço dos ativos transmite diretamente uma variação no preço dos ativos numa variação da riqueza das empresas e famílias. Neste caso, uma redução das taxas de juro diretoras por parte do BCE leva a que o valor de mercado dos ativos suba (preços de ações, por exemplo). Isto acontece porque a política de reduzidas taxas de juro conduz a um excesso de liquidez nos mercados, incluindo o mercado de capitais, e funciona também como um incentivo a investimentos mais arriscados, como é exemplo o investimento em ações em detrimento de depósitos a prazo. Na perspetiva das empresas, recorrendo à Teoria do q de Tobin (Tobin, 1969), o valor de mercado das mesmas aumenta com o incremento do preço das ações, elevando dessa forma o q de Tobin. Desta forma, o nível de investimento da empresa vai aumentar, uma vez que esta teoria nos transmite a ideia de que quanto maior o q de Tobin maior o nível de investimento da empresa. As famílias também enriquecem com uma redução das taxas de juro oficiais, uma vez que vêm os seus encargos com o endividamento reduzidos e também beneficiam da valorização dos ativos que detenham, incrementando, consequentemente, o seu consumo (Horatiu, 2013). Resumindo, através deste canal, uma descida das taxas de juro diretoras por parte do BCE eleva os níveis de consumo e investimento de uma economia e incrementa, consequentemente, o crescimento económico e a inflação (através do aumento da procura).

O canal do crédito transmite a política monetária à economia real através da alteração que é provocada em termos de facilidade de acesso ao crédito, para famílias e empresas. Tanto famílias como empresas, no caso de uma descida das taxas de juro oficiais por parte do BCE, vão ter mais facilidade de acesso ao crédito, devido ao aumento do valor dos ativos que detêm e devido à redução de encargos com dívidas anteriores. Nesse caso, se existirem dívidas já contraídas, o seu risco de incumprimento será menor e, para efeitos de novos financiamentos, as suas garantias serão superiores. Consequentemente, o acesso ao crédito torna-se mais fácil, os riscos apercebidos pelos bancos são menores, e o consumo e investimento aumentam. Também o crescimento económico e a inflação são afetados positivamente, principalmente devido ao aumento da procura.

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Por último, o canal das expectativas funciona através da influência que a política monetária do BCE tem sobre as expectativas dos agentes económicos. O BCE está comprometido com a manutenção da estabilidade de preços e os agentes económicos, assumindo que tal objetivo será respeitado ao longo do tempo, vão formar as suas expetativas (em termos salariais por exemplo) sem receio de uma possível evolução desfavorável da inflação no futuro. Não é só no longo prazo que o canal das expectativas se fará sentir, também no curto prazo as expectativas dos agentes económicos serão afetadas. Os agentes económicos, se atuarem racionalmente, podem até ajustar as suas expectativas antes de um determinado banco central intervir (estando os objetivos desse banco central bem definidos). Por exemplo, no caso da AE, se a taxa de inflação começar a descer de forma preocupante, o BCE terá de implementar políticas monetárias expansionistas, algo que os agentes económicos podem prever com antecedência. No entanto, para que este canal funcione com eficiência é necessário que o banco central, neste caso o BCE, tenha credibilidade junto dos agentes económicos e que a sua comunicação seja clara e simples (BCE, 2011b).

É também importante referir que a política monetária e estes mecanismos de transmissão apenas afetam de forma duradoura as variáveis macroeconómicas de uma economia no curto prazo, como é o caso do PIB, apesar de haver teorias contraditórias. O Princípio da Neutralidade da Moeda e a Teoria Quantitativa da Moeda dizem-nos que, no longo prazo, a política monetária é neutral, não consegue afetar as variáveis reais (PIB real, por exemplo), e que a inflação é um fenómeno monetário, relacionada com a oferta de moeda fornecida pelos Bancos Centrais. Esta realidade explica, em grande parte, o facto de o objetivo primordial do BCE ser a manutenção da estabilidade de preços (BCE, 2017b).

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3. A política monetária do BCE no pós-2007

3.1. O eclodir da crise do subprime nos EUA

A crise financeira, comumente designada por crise do subprime e que ainda nos dias de hoje tem repercussões, apenas começou a ser notada no segundo semestre de 2007, período marcado pelo início da turbulência e o aumento da volatilidade nos mercados financeiros (BCE, 2008), mas os fatores que a despoletaram já “minavam” a economia dos EUA há alguns anos.

A bolha imobiliária, que se ampliava de dia para dia nos EUA, foi o ponto central desta gigantesca crise. De facto, analisando a figura 3.1, o aumento do preço das habitações foi enorme (entre 1998 e 2006 o seu crescimento anual foi sempre superior a 5%), apesar de, a partir de 2005, esse crescimento ter começado a abrandar. A partir de meados de 2006, o preço das habitações nos EUA começou a decrescer, tendência que se iria intensificar a partir de 2007.

Figura 3.1: Preço das habitações nos EUA, 1:1996-12:2010 (janeiro 2000=100)

Nota: O indicador da figura é o S&P/ Case-Shielder U.S. National Home Price Index, ajustado sazonalmente.

Fonte: Standard & Poors (2017).

60,00 80,00 100,00 120,00 140,00 160,00 180,00 200,00 jan /96 ag o /96 mar/97 ou t/97 mai/98 dez/98 ju l/99 fev/00 set/00 abr/ 01 n o v/01 ju n /02 jan /03 ag o /03 mar/04 ou t/04 mai/05 dez/05 ju l/06 fev/07 set/07 abr/ 08 n o v/08 ju n /09 jan /10 ag o /10

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A expansão da bolha imobiliária nos EUA ganhou dimensão devido a vários fatores. Verificou-se, durante a década que antecedeu a crise do subprime, uma enorme expansão do crédito à habitação e do endividamento das famílias, impulsionados, em grande parte, pelas historicamente baixas taxas de juro que se praticavam e pela contribuição da inovação financeira (Claessens et al., 2010). Existem economistas que apontam a inércia da Reserva Federal como fator preponderante neste processo, defendendo que o Banco Central dos EUA devia ter adotado taxas de juro mais elevadas e reduzido os incentivos ao endividamento. Mas há também quem discorde, apontando os desequilíbrios globais, especialmente o excesso de poupança mundial e a constituição de reservas por parte de alguns países (essencialmente asiáticos) nos EUA, como fatores determinantes das taxas de juro vigentes nesse período. Por outro lado, a inovação financeira permitiu a utilização de novos instrumentos financeiros, insuficientemente regulados, como é o caso dos Mortgage-Backed Securities (MBS). Estes ativos eram constituídos por hipotecas imobiliárias e transacionados como ativos de baixo risco, uma vez que as agências de rating lhes davam excelentes notações. No entanto, eram ativos de elevado risco, uma vez que os bancos e outras instituições forneciam crédito à habitação sem grande preocupação com as condições de reembolso por parte dos clientes. Esta realidade verificava-se também pelo facto de grande parte dos gestores receberem prémios em função do número de hipotecas aprovadas(Allen e Carletti, 2010).

Tendo em conta estas fragilidades, as taxas de incumprimento dos créditos à habitação começaram a aumentar a um ritmo elevado, principalmente a partir de 2007, criando-se um pânico financeiro. Consequentemente, o preço das habitações começou a cair abruptamente, contribuindo também para o aumento das taxas de incumprimento, e as instituições que estavam diretamente expostas, nomeadamente detentoras de MBS, sofreram grandes perdas. Gerou-se também uma enorme corrida à liquidez (problemas de funcionamento do mercado monetário) para fazer face a essas perdas, o crédito bancário contraiu rapidamente (falta de liquidez e receio de incumprimentos) e outros ativos financeiros, para além dos MBS, enfrentaram fortes desvalorizações devido ao contágio financeiro. Mais tarde, em setembro de 2008, a falência do Lehman Brothers, um dos maiores bancos de investimento dos EUA, amplificou ainda mais a crise. Esta falência foi resultado das enormes perdas que o banco sofreu devido à sua elevada exposição aos MBS. Como é óbvio a crise financeira não se limitou aos EUA, rapidamente se propagou

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por todo o mundo, até porque muitos MBS eram detidos por entidades estrangeiras. Indiretamente, em resultado das interligações entre os mercados financeiros mundiais, geraram-se flutuações importantes nas taxas de câmbio, os bancos estrangeiros (principalmente na Europa) também enfrentaram problemas de liquidez nos mercados monetários, bolhas imobiliárias rebentaram noutros países (processo acelerado pelos problemas iniciados nos EUA), entre outros (Claessens et al., 2010). O investimento direto estrangeiro (IDE) e o comércio mundial também tiveram fortes quebras. O IDE mundial em 2009 caiu para menos de metade do que se verificava em 2007 e o comércio mundial de mercadorias caiu cerca de 20% entre 2008 e 2009 (Banco Mundial, 2017a; 2017b).

3.2. A propagação da crise do subprime e o impacto na Área do Euro

Rapidamente a crise financeira, iniciada nos EUA, se propagou a todo o mundo, tornando-se uma crise económico-financeira mundial. O PIB per capita mundial enfrentou uma forte quebra, tendo o seu crescimento começado a desacelerar em 2008 e quebrado quase 3% em 2009. A evolução deste indicador é ainda mais desfavorável nos EUA e na AE (figura 3.2). A taxa média de desemprego mundial enfrentou uma subida, passando de cerca de 5,5% em 2007 para aproximadamente 6,2% em 2009, embora essa escalada seja mais notória nos países desenvolvidos, visto que a taxa média de desemprego entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) era de aproximadamente 5,5% em 2007 e subiu para cerca de 8,1% em 2009. Na AE, o crescimento do desemprego foi ainda mais acentuado e duradouro (de 7,5% em 2007 para 12,0% em 2013), tendo para isso contribuído a eclosão da crise das dívidas soberanas em alguns países membros (figura 3.3). Para fazer face a esta crise económico-financeira, grande parte dos países recorreram a políticas orçamentais expansionistas, elevando fortemente os seus défices orçamentais (figura 3.4) e dívidas públicas. A deterioração das condições orçamentais também se deveu à ação dos estabilizadores automáticos (a crise por si só reduziu as receitas orçamentais e aumentou as despesas orçamentais). O défice orçamental dos EUA, que rondava os 2% do PIB antes da crise, chegou a atingir quase 10% do PIB em 2009, ao passo que no Reino Unido

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atingiu os dois dígitos. Na AE, em média, os défices orçamentais não subiram tanto (verificou-se um valor médio de aproximadamente 6% do PIB em 2009), apesar de, individualmente, a evolução deste indicador ter sido bastante diferenciada entre os países membros. Alguns países, como são exemplo a Grécia e Portugal, atingiram valores de défices orçamentais muito elevados (em 2009, Portugal apresentou um défice orçamental de 9,8% do PIB, ao passo que a Grécia apresentou um défice orçamental de 15,1% do PIB).

Figura 3.2: Taxa de crescimento anual do PIB per capita, 2000-2009 (%)

Fonte: Banco Mundial (2017c).

Figura 3.3: Taxas de desemprego, 2000-2013 (%)

Fonte: Banco Mundial (2017d).

-6 -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Mundo EUA Área do Euro

3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

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Figura 3.4: Saldos orçamentais, 2005-2010 (% do PIB)

Fonte: Trading Economics (2017a).

Tal como se pode verificar pelas figuras anteriores a AE não ficou imune aos efeitos nefastos da crise económico-financeira. No entanto, não se podem atribuir todos os problemas que ocorreram na AE desde 2008 à propagação da crise do subprime. A verdade é que existiam muitos fatores de risco que, mais cedo ou mais tarde, iriam conduzir a graves problemas. A crise do subprime, para além dos efeitos diretos que teve sobre a AE, terá contribuído para a aceleração desse processo. Lane (2012) apresenta alguns desses fatores de risco que, embora não afetassem todos os países por igual (a crise veio adensar a heterogeneidade na AE, mas ela já existia em grande dimensão antes de 2007), contribuíram para os problemas que se viriam a verificar a partir de 2007. São eles: os elevados rácios de dívida pública, a expansão excessiva do crédito ao setor privado e os desequilíbrios nas balanças correntes.

Relativamente aos rácios de dívida pública, o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) estabelece que as dívidas públicas dos países pertencentes à UE devem convergir para valores inferiores a 60% do PIB. No entanto, muitos países estavam bem acima deste valor nos primeiros anos deste século. Por exemplo a Itália (99,8% do PIB em 2007) e a Grécia (103,1% do PIB em 2007) apresentavam dívidas públicas próximas de 100% do PIB nos anos que antecederam a crise do subprime. Apesar desta realidade, os spreads inerentes aos títulos de dívida pública eram relativamente baixos para estes países (por

-12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2005 2006 2007 2008 2009 2010

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exemplo, as obrigações de dívida pública a dez anos da Itália e da Grécia pagavam taxas de juro inferiores a 5% até 2007, valores que apenas se diferenciavam das taxas aplicadas às obrigações alemãs em poucos pontos base). Os governos nacionais deveriam ter aproveitado as circunstâncias do período anterior à crise (elevado dinamismo do setor privado, por exemplo) para aplicarem políticas orçamentais mais conservadoras, algo que não se sucedeu em muitos casos.

Houve também uma expansão excessiva do crédito ao setor privado em alguns países (principalmente os que viriam a ser mais afetados pela crise), em parte, motivada pela possibilidade de os bancos acederem com facilidade a financiamento externo na sua moeda, o euro. Antes da criação do euro, os bancos de países com moedas fracas financiavam-se principalmente em dólares dos EUA, libras do Reino Unido, entre outras, enfrentando o risco cambial. A transição destes países para o euro contribuiu para a redução das taxas de juro praticadas pelos bancos nesses países da AE e para o, consequente, aumento do crédito ao setor privado. Em 2007, em vários países da AE o setor privado tinha dívida superior a 100% do PIB, nomeadamente a Irlanda (184,3% do PIB), a Espanha (168,5% do PIB) e Portugal (159,8% do PIB). Esta realidade contribuiu para a criação de bolhas especulativas em vários tipos de ativos, nomeadamente no mercado imobiliário. De facto, não foi apenas nos EUA que houve subprime, vários países da AE também enfrentaram esse problema.

O último fator são os desequilíbrios nas balanças correntes4 que alguns países da AE apresentavam. No período entre 2003 e 2007, os saldos médios das balanças correntes de alguns países eram preocupantes, nomeadamente na Grécia (-9,1% do PIB), em Portugal (-9,2% do PIB) e na Espanha (-7,0% do PIB). Estes défices nas balanças correntes contribuíram para o desenvolvimento de várias fragilidades: dependência de financiamento externo para cobrir tais défices (grande vulnerabilidade a sudden stops), dificuldades cada vez maiores para os setores exportadores (subida de salários e drenagem de recursos para outros setores), entre outros.

4 O saldo da balança corrente de um país reflete a diferença entre o que se recebe e paga ao estrangeiro, seja

através do comércio de bens e serviços, através de rendimentos de ativos ou através de transferências unilaterais.

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3.3. A resposta do BCE à crise do subprime

De forma a suavizar alguns dos efeitos da crise do subprime, e para além das políticas orçamentais expansionistas levadas a cabo pelos governos nacionais, também foi necessário o apoio de políticas monetárias expansionistas, por parte do BCE. Os instrumentos de política monetária utilizados durante esta crise económico-financeira e durante a crise das dívidas soberanas que lhe sucedeu foram, em grande parte, não convencionais, uma vez que os instrumentos de política monetária convencionais rapidamente deixaram de apresentar o impacto necessário sobre o mercado monetário, sobre a economia real, entre outros.

É importante referir que, antes da crise do subprime afetar a AE, vivia-se um período de confiança e de aparente solidez económica. Durante o ano de 2006 e o primeiro semestre de 2007, o crescimento económico era sólido (PIB per capita na AE crescia, em média, a uma taxa superior a 2,5%, como se pode verificar na figura 3.4), o desemprego tinha atingido, em média, o seu valor mais baixo desde a adoção da moeda única (figura 3.3), verificavam-se fortes lucros empresariais,o consumo privado seguia em constante crescimento, os preços subiam moderadamente, entre outros. Nessas circunstâncias, o BCE até subiu as taxas de juro diretoras em março e junho de 2007, num total de 50 pontos base, estabelecendo a taxa mínima das operações principais de refinanciamento do Eurosistema (Refi) em 4.00%, a taxa da facilidade permanente de cedência de liquidez em 5.00% e a taxa da facilidade permanente de depósito em 3.00%. Foi com estas taxas de juro diretoras e neste contexto económico que a crise financeira, iniciada nos EUA, foi recebida na AE (BCE, 2008).

Em agosto de 2007 iniciou-se a turbulência nos mercados financeiros, despoletada pelos problemas que iam afetando, numa primeira fase, os EUA. Invertia-se, na AE, o forte sentimento de confiança económica e as perspetivas para a atividade económica tornavam-se mais incertas. Neste contexto de incerteza, e com as expectativas para o crescimento dos preços a continuarem a ser revistas em alta (taxa de inflação fixava-se em valores acima dos 2%, como está ilustrado na figura 3.5) devido à evolução do preço das matérias primas, o BCE optou por não alterar as taxas de juro diretoras no imediato. Os decisores de política monetária do BCE foram cautelosos, esperando por mais

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informação para a definição da sua política monetária (BCE, 2008). Esta passividade do BCE manteve-se até julho de 2008, momento em que decidiu subir as taxas de juro de referência em 25 pontos base.

Figura 3.5: Taxa de inflação homóloga da AE, 4:2007-12:2009 (%)

Fonte: Eurostat (2017a).

A partir de setembro de 2008, mês em que o Lehman Brothers colapsou, a crise financeira intensificou-se na AE, a turbulência financeira aumentou em grande escala, levando a problemas de funcionamento e escassez de liquidez em vários segmentos dos mercados financeiros. Foi neste contexto, e em coordenação com outros Bancos Centrais relevantes no contexto mundial, que o BCE decidiu voltar a alterar as taxas de juro diretoras, e por diversas vezes. Nesta fase, as reduções das taxas de juro diretoras, por parte do BCE, ainda não constituíam medidas de PMNC, uma vez que estas chegaram a 2010 ainda em valores relativamente normais (não se atingiu a zero lower bound5 nesta fase). Entre outubro de 2008 e maio de 2009, as taxas de juro diretoras foram reduzidas cinco vezes, tendo a taxa das operações principais de refinanciamento sido fixada em 1%, a taxa da facilidade permanente de depósito em 0,25% e a taxa da facilidade permanente de cedência de liquidez em 1,75% (figura 3.6). O BCE adotou esta estratégia tendo em vista o apoio ao setor financeiro (alguns mercados financeiros, nomeadamente os

5 Zero lower bound ocorre quando as taxas de juro nominais de curto prazo se fixam em 0% ou em valores

próximos desse nível.

-1 0 1 2 3 4 5 ab r/ 07 mai/07 jun /07 ju l/07 ag o /07 se t/07 o u t/0 7 n o v/07 d e z/07 jan /08 fev/08 mar/08 abr/ 08 mai/08 jun /08 ju l/08 ag o /08 se t/08 o u t/08 n o v/08 d e z/08 jan /09 fev/09 mar/09 abr/ 09 mai/09 jun /09 ju l/09 ag o /09 se t/09 o u t/09 n o v/09 d e z/09

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mercados interbancários quase paralisaram (Falagiarda e Reitz, 2015)) e à economia real, auxiliando dessa forma os sobrecarregados Estados, que estavam a aumentar em grande escala os défices orçamentais para tentar reduzir os efeitos da crise (BCE, 2008; 2009). Figura 3.6: Taxas de juro diretoras do BCE e EONIA, 1:2007-4:2018 (%)

Fonte: BCE (2018e; 2018f).

Para além da redução das taxas de juro diretoras, o Conselho do BCE aprovou, com carácter temporário, as primeiras medidas de PMNC. O BCE percebeu que a atuação monetária convencional não seria suficiente para fazer face aos desafios da nova realidade. Foi o início do “ambiente não convencional” na AE, em que foram tomadas pelo BCE um conjunto de decisões que estão sintetizadas no quadro 3.1, para o período compreendido entre setembro de 2008 e abril de 2010.

-1 0 1 2 3 4 5 6

jan/07 jan/08 jan/09 jan/10 jan/11 jan/12 jan/13 jan/14 jan/15 jan/16 jan/17 jan/18 Taxa de juro da facilidade permanente de depósito

Taxa de juro da facilidade permanente de cedência de liquidez Taxa Refi

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Quadro 3.1: Medidas de PMNC do BCE entre setembro de 2008 e abril de 2010

Medida de PMNC Descrição

Financiamento ilimitado de liquidez a taxa fixa

nas operações de leilão do BCE

A partir do final de 2008, o BCE comprometeu-se a ceder aos bancos da AE toda a liquidez por estes desejada nas operações de refinanciamento, desde que apresentassem garantias adequadas. As taxas de juro implícitas passaram a ser fixas (taxa Refi), sendo que o objetivo desta medida foi facilitar o acesso à liquidez por parte dos bancos (BCE, 2009). Atualmente esta medida ainda se encontra em vigor.

Redução do corredor formado

pelas facilidades permanentes

Em outubro de 2008 este corredor foi reduzido de 200 pontos base para 100 pontos base, tendo-se mantido próximo deste valor até maio de 2009 (apesar de terem existido algumas alterações durante este período). A partir de maio de 2009 seria alargado para 150 pontos base (BCE, 2009). Este corredor é essencial para influenciar a evolução da EONIA, a taxa à qual os bancos se financiam no mercado monetário (BCE, 2011b).

Alargamento dos colaterais

Através desta medida o BCE permitia que cada vez mais ativos fossem aceites nas suas operações de refinanciamento, facilitando o acesso à liquidez por parte dos bancos da AE (BCE, 2010). A lista começou a ser alargada em 2008 e desde então foi alvo de muitos outros alargamentos.

Alargamento da maturidade nas

LTRO´s

As LTRO´s habitualmente tinham um prazo de três meses, mas foram realizadas diversas operações com maturidade de seis e doze meses. Esta medida visava facilitar o refinanciamento dos bancos da AE a mais longo prazo, garantindo uma maior estabilidade e tempo para que muitos desses bancos gerissem e reestruturassem os seus balanços (fortemente afetados pela crise financeira) (BCE, 2010).

Cedência de liquidez em moeda

estrangeira

O BCE disponibilizou enormes quantidades de liquidez em moeda estrangeira, principalmente em dólares dos EUA,

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contrariando a instabilidade que se vivia no mercado cambial (BCE, 2010).

Aquisição a título definitivo de

covered bonds

As covered bonds são obrigações hipotecárias e obrigações sobre o setor público, sendo que a atuação em mercados de covered

bonds é uma fonte essencial de financiamento para os bancos da

AE. A atuação do BCE visava garantir a solidez bancária (BCE, 2010).

Estas medidas tinham como principais objetivos a tranquilização dos mercados financeiros (principalmente os mercados monetários) em relação aos riscos de liquidez e reforçar a função de intermediação do BCE. O reforço da liquidez cedida pelo BCE aos bancos foi tão abundante que a EONIA baixou para valores muito próximos da taxa da facilidade permanente de depósito (figura 3.6), sendo que habitualmente se fixa próximo da taxa das operações principais de refinanciamento (BCE, 2009). Para além disso, estas medidas visavam também impedir que o crédito a famílias e sociedades não financeiras da AE fosse fortemente afetado pelos efeitos adversos da grave crise económico-financeira que se vivia. Uma vez que a economia real da AE é essencialmente financiada pelo setor bancário, grande parte das medidas que são referidas anteriormente são destinadas, em primeira instância, aos bancos (BCE, 2010). Pelo facto de os preços na AE começarem a crescer a um ritmo cada vez mais lento desde meados de 2008 (figura 3.5), o BCE teve a margem suficiente para implementar estas medidas de PMNC (assim como reduzir as taxas de juro diretoras) sem pôr em causa o objetivo da inflação. Aliás, a partir do início de 2009, a redução da inflação começou a ser preocupante e tornou-se necessário implementar medidas de política monetária expansionistas (em junho de 2009 a AE entrou em deflação, tendo-se esta realidade mantido até novembro do mesmo ano).

No final de 2009, em resultado da descida das taxas de juro diretoras e da implementação de várias medidas de PMNC, houve uma redução da instabilidade nos mercados financeiros (especialmente no mercado monetário) e as condições económicas davam sinais de recuperação. No segundo semestre de 2009, em virtude dos progressos verificados, o BCE já discutia a remoção de parte das medidas não convencionais (que veio a acontecer, ainda que temporariamente), de forma a evitar distorções desnecessárias

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(risco moral e desincentivo a ajustamentos estruturais nos balanços dos bancos, por exemplo) (BCE, 2010). Na opinião de muitos economistas a crise económico-financeira estava ultrapassada.

As taxas de juro dos empréstimos bancários registaram uma descida (figura 3.7) significativa durante 2009, facilitando o acesso ao financiamento de sociedades não financeiras e famílias (a figura 3.8 ilustra que a redução no montante total de empréstimos não foi muito significativa). Esta realidade foi essencial para que o investimento e o consumo privado não tivessem sido mais afetados durante este período. Ainda assim as diferenças entre países eram cada vez mais significativas, relativamente ao que se verificava antes de 2008.

Figura 3.7: Taxas de juro médias de novos contratos de crédito a sociedades não financeiras na AE, 1:2007-3:2018 (%) Fonte: BCE (2018b). 0 1 2 3 4 5 6 7 8 jan /07 ju n /07 n o v/07 ab r/ 08 se t/08 fev/09 jul/09 dez/09 mai/10 ou t/10 mar/11 ago /11 jan /12 ju n /12 n o v/12 ab r/ 13 se t/13 fev/14 jul/14 dez/14 mai/15 ou t/15 mar/16 ago /16 jan /17 ju n /17 n o v/17

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Figura 3.8: Crédito bancário ao setor privado não-financeiro da AE, 3:2005-9:2017 (109€)

Fonte: BIS (2018).

3.4. O eclodir da crise das dívidas soberanas e a resposta do BCE

Em meados de 2010, quando se pensava que a crise económico-financeira já tinha acabado, surgiram novas tensões em alguns segmentos dos mercados financeiros, nomeadamente em alguns mercados de dívida pública. As medidas de política orçamental expansionistas que grande parte dos países implementaram, em conjunto com os efeitos adversos dos estabilizadores automáticos, deram origem a elevados défices orçamentais e ao rápido crescimento das dívidas públicas, indicadores que começaram a alarmar os mercados e fizeram incrementar as taxas de juro exigidas pela aquisição de títulos de dívida pública (BCE, 2011c).

No entanto, nem todos os países da AE foram atingidos da mesma forma por esta crise das dívidas soberanas. Os investidores passaram a considerar que, por exemplo, possuir uma obrigação de dívida pública alemã (país da AE com solidez orçamental) não é o mesmo que possuir uma obrigação de dívida pública grega ou portuguesa. Se os défices orçamentais e as dívidas acumuladas são mais elevadas nos últimos e se variáveis económicas como o crescimento económico e o desemprego são bem mais positivas no primeiro, os prémios de risco dos títulos de dívida pública passaram a incorporar essa realidade. De facto, a Alemanha atravessou a crise económico-financeira de forma mais

6500,000 7000,000 7500,000 8000,000 8500,000 9000,000 9500,000 10000,000 10500,000 mar /05 se t/05 mar/06 se t/06 mar/07 se t/07 mar/08 se t/0 8 mar/09 se t/09 mar/10 se t/10 mar/11 se t/11 mar/12 se t/12 mar/13 se t/13 mar/14 se t/14 mar/15 se t/15 mar/16 se t/16 mar /17 se t/17

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suave que a maioria dos países da AE (talvez porque não apresentasse, de forma tão vincada, algumas das fragilidades que existiam noutros países da AE no período que antecedeu a crise do subprime) e, apesar de também se ter agravado o seu défice orçamental e a sua dívida pública, não atingiu os desequilíbrios apresentados por outros países. Em 2010, a Alemanha apresentava um défice orçamental de 4,2% e uma dívida pública de 81,0% do PIB, enquanto que, por exemplo, a Grécia apresentava um défice orçamental de 11,2% e uma dívida pública de 146,2% do PIB.

Foi neste contexto que começaram a aumentar os diferenciais entre as taxas de juro dos títulos de dívida pública alemã e dos títulos de dívida pública de outros países da AE, principalmente Grécia, Portugal, Irlanda, Itália e Espanha (figura 3.9). Em alguns desses países, o custo do financiamento público incrementou de tal forma (havia cada vez menos interessados em adquirir os títulos) que os governos sentiram a necessidade de pedir auxílio externo, não só às autoridades competentes da UE, como também ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A Grécia foi o primeiro país a pedir auxílio, em abril de 2010, seguindo-se a Irlanda, em novembro de 2010, e Portugal em abril de 2011.

Figura 3.9: Taxas de juro das obrigações de dívida pública a 10 anos, 1:2005-3:2018 (%)

Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis (2018).

-1 4 9 14 19 24 29 34 jan /05 ju l/05 jan /06 ju l/06 jan /07 ju l/07 jan /08 ju l/08 jan /09 ju l/09 jan /10 ju l/10 jan /11 ju l/11 jan /12 ju l/12 jan /13 ju l/13 jan /14 ju l/14 jan /15 ju l/15 jan /16 ju l/16 jan /17 ju l/17 jan /18

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Deparado com este panorama (também os mercados monetários passavam por novas dificuldades, temendo-se perturbações comparáveis com as que se verificaram na sequência da falência do Lehman Brothers em 2008), em meados de 2010, o BCE foi obrigado a intervir, não só através da reativação de algumas medidas de PMNC (por exemplo, a colocação total das LTRO´s a taxa fixa, a realização de novas LTRO´s com maturidades extraordinárias, novos alargamentos da lista de colaterais, novas aquisições de covered bonds e a cedência de liquidez em moeda estrangeira) mas também através da implementação de novas medidas não convencionais (quadro 3.2).

Quadro 3.2: Medidas de PMNC do BCE entre maio de 2010 e agosto de 2012

Medida de PMNC Descrição

Lançamento do

Securities Markets Programme (SMP)

O BCE, a partir de maio de 2010, passou a intervir nos mercados (secundários) de dívida dos setores privado e público, tendo como objetivos garantir a profundidade e liquidez destes mercados e, consequentemente, restabelecer o funcionamento adequado da transmissão da política monetária6 (BCE, 2011c). A liquidez criada pelo SMP foi sendo esterilizada, sendo que este programa esteve ativo até fevereiro de 2012.

Redução da taxa de reserva legal

A partir de janeiro de 2012, o rácio de manutenção de reservas legais foi reduzido de 2% para 1%. O objetivo desta medida era reduzir a necessidade de liquidez do sistema bancário da AE e aumentar a atividade nos mercados monetários (BCE, 2012c). Anúncio das Transações Monetárias Definitivas (Outright Monetary Transactions – OMT)

O objetivo das OMT, que foram anunciadas em agosto de 2012, passava pela redução significativa das taxas de juro sobre as obrigações de dívida pública (e dos diferenciais entre os países), melhorando a transmissão e a unicidade da política monetária, garantindo, por último, a estabilidade de preços (BCE, 2013).

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As OMT consistiam na aquisição, de forma definitiva e nos mercados secundários, de obrigações soberanas, principalmente com prazos entre um e três anos. Não foram estabelecidos limites quantitativos e a liquidez criada era esterilizada. Apesar de não ter sido definido, de imediato, o momento em que as OMT iriam ser ativadas, o seu anúncio foi suficiente para aliviar as tensões nos mercados financeiros, nomeadamente nos mercados de obrigações de dívida pública e alguma da incerteza sobre a evolução económica (BCE, 2013). Houve uma grande descida nos spreads inerentes aos títulos de dívida pública a partir do anúncio do OMT, sendo que os diferenciais entre países também reduziram drasticamente, tal como se pode ver na figura 3.9.

Para além destas medidas, e apesar da instabilidade vivida nos mercados financeiros, o BCE decidiu subir as taxas de juro diretoras em 2011. As pressões inflacionistas que se faziam sentir na AE, relacionadas com a subida do preço das matérias-primas, levaram o BCE a intervir, de forma a salvaguardar a estabilidade de preços (BCE, 2012). Em abril e junho, o BCE subiu as taxas de juro de referência num total de 50 pontos base. No entanto, as taxas de juro diretoras mantiveram-se pouco tempo nesses novos valores, uma vez que no final de 2011 foram reduzidas em 50 pontos base. Em julho de 2012 voltariam a ser reduzidas (em 25 pontos base), tendo-se fixado a taxa das operações principais de refinanciamento em 0,75%, a taxa da facilidade permanente de cedência de liquidez em 1,50% e a taxa da facilidade permanente de depósito em 0,00%. O objetivo do BCE, ao reduzir as taxas de juro diretoras, era o financiamento da economia real (para além de contribuir para menores taxas de juro nos títulos de dívida pública), uma vez que os bancos estavam pouco recetivos a conceder empréstimos (mesmo com grande disponibilidade de liquidez) (BCE, 2012). Alguns bancos, principalmente bancos dos países periféricos, não tinham acesso, em condições razoáveis, a financiamento nos mercados interbancários, transmitindo-se esta restrição à concessão de crédito às sociedades não financeiras e às famílias (quebra nos empréstimos bancários, como se pode observar na figura 3.8), que também procuravam cada vez menos financiamento (BCE, 2013). As diferenças no acesso ao crédito entre os países da AE, no que toca a taxas de juro e outras condições de financiamento, iam-se também alastrando (figura 3.7).

A economia da AE estava a desacelerar desde meados de 2011 (após uma ligeira recuperação que ocorreu com o abrandar da crise do subprime) e viria a enfrentar uma

Imagem

Figura 3.1: Preço das habitações nos EUA, 1:1996-12:2010 (janeiro 2000=100)
Figura 3.3: Taxas de desemprego, 2000-2013 (%)
Figura 3.5: Taxa de inflação homóloga da AE, 4:2007-12:2009 (%)
Figura 3.6: Taxas de juro diretoras do BCE e EONIA, 1:2007-4:2018 (%)
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