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5. Perspetivas para a política monetária na AE

5.1. Pré-condições para a subida das taxas de juro diretoras

5.1.4. Solidez das finanças públicas

Os problemas, em termos de finanças públicas, que vários países enfrentaram, principalmente entre 2011 e 2015, foram determinantes para a adoção de certas medidas não convencionais por parte do BCE, nomeadamente a redução e manutenção das taxas de juro diretoras em níveis muito baixos. Esse ambiente de baixas taxas de juro teve, obviamente, consequências positivas ao nível das taxas de juro implícitas em obrigações de dívida pública, tanto a curto prazo como a longo prazo, algo que já foi abordado anteriormente. Mas, será que os governos nacionais, principalmente os governos dos países que mais foram afetados pela crise das dívidas soberanas, aproveitaram este período para proceder a uma rigorosa consolidação orçamental? Será que os países da AE estão preparados para uma subida das taxas de juro a pagar pela emissão de obrigações? Em relação aos défices orçamentais, grande parte dos países da AE já cumpre com o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), ou seja, apresentam défices orçamentais abaixo dos 3% do PIB. O ajustamento foi lento, sendo que alguns países apresentaram défices excessivos ao longo de vários anos consecutivos. Apesar de haver uma grande

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heterogeneidade entre países, em relação ao comportamento das finanças públicas, é notório que grande parte dos países não aproveitou da melhor forma o ambiente de baixas taxas de juro para proceder a uma redução do endividamento público (subsecção 4.1.7). O crescimento económico também desempenha um papel importante neste processo, uma vez que o rácio de dívida pública em termos do PIB diminui mais rapidamente quanto maior for o crescimento económico (Wyplosz, 2014). Neste caso, o PIB da AE até ao final de 2017 não atingiu um ritmo de crescimento de tal forma elevado que facilite a redução das dívidas públicas sem que os saldos orçamentais primários necessitem de ser tão elevados.

É verdade que a evolução dos saldos orçamentais tem vindo a melhorar ao longo dos últimos anos na AE, prevendo-se que continuem a evoluir positivamente (figura 4.5), embora seja importante perceber se essa melhoria está relacionada com cortes temporários na despesa pública ou se está relacionada com reformas estruturais. Obviamente a segunda hipótese é mais sustentável, dá garantias que os saldos orçamentais se manterão controlados. Algumas das reformas que devem ser tidas em consideração estão relacionadas com os sistemas nacionais de Segurança Social, principalmente pelo facto de as despesas com este sistema (por exemplo pensões e encargos com saúde) tenderem, em caso de inércia, a aumentar. Esta evolução deve-se ao envelhecimento populacional, fator que incrementa as despesas da Segurança Social (mais gastos com pensões e com os sistemas nacionais de saúde) e reduz as suas receitas (menos contribuições). O aumento da idade mínima para a reforma é apenas um exemplo de uma medida que pode ser tomada. Outras reformas que promovam a redução das despesas públicas devem ser tidas em consideração, nomeadamente a redução ou eliminação de subsídios em áreas não prioritárias. Para além disso, os governos nacionais podem implementar reformas que promovam as receitas públicas, nomeadamente políticas de combate à evasão fiscal, eliminação de isenções fiscais ou implementação de taxas ambientais (FMI, 2010). De acordo com a OCDE (2016), os países da AE têm implementado de forma relativamente lenta as reformas estruturais entendidas como necessárias pelas instituições europeias para garantir a sustentabilidade das finanças públicas.

Tendo em conta que as dívidas públicas de grande parte dos países da AE continuam bastante elevadas e as reformas estruturais vão sendo implementadas a um

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ritmo lento, coloca-se a questão de como esses países, principalmente aqueles que apresentam dívidas públicas muito elevadas, seriam afetados caso o BCE começasse a reverter as medidas de PMNC, nomeadamente subindo as taxas de juro diretoras. Aquando dessa decisão, as taxas de juro das obrigações de dívida pública irão começar a subir, aumentando os encargos com juros e tornando a redução da dívida pública, em percentagem do PIB, ainda mais custosa (se não provocar mesmo uma subida nos rácios). A sustentabilidade das finanças públicas de alguns países da AE (principalmente daqueles que hoje apresentam as maiores dívidas públicas) pode ser posta em causa com essa subida das taxas de juro (Matthes, 2014). Investidores privados ao aperceberem-se de tal situação podem começar a exigir taxas superiores pela compra de obrigações de dívida pública, impulsionando ainda mais a subida inicial nas taxas de juro desse tipo de títulos. A coordenação da subida das taxas de juro diretoras com o programa APP será da máxima importância para o sucesso deste processo. Se o BCE continuar a adquirir títulos de dívida pública que estejam sob stress, pode contrariar, em certo grau, a subida nas taxas de juro nos mercados de dívida pública (Turner, 2014).

O elevado e persistente endividamento de alguns países da AE (figura 4.6) pode atrasar a reversão das medidas de PMNC por parte do BCE, algo que põe em causa a sua independência. De facto, caso se verifique tal situação, o BCE fica dependente da evolução das finanças públicas dos países membros, algo que é comumente designado por fiscal dominance (Matthes, 2014). Caso se verifique tal situação haverá um certo “braço de ferro” entre o BCE e os países da AE. O BCE pretende que os governos façam rápidos progressos em termos de consolidação orçamental, de forma a poder perseguir o seu objetivo primordial (manutenção da estabilidade de preços no médio prazo). Caso haja a expectativa de que as taxas de inflação irão subir de forma preocupante, subir as taxas de juro diretoras é essencial para controlar essa dinâmica. Por outro lado, os governos nacionais sabem que o BCE se mostrará reticente em subir as taxas de juro diretoras, caso não sinta que a consolidação orçamental dos países membros está avançada, e aproveitam para ir atrasando esse processo (as pressões internas em alguns países agravam a situação) (Belke, 2016). Apesar de todos os países terem acesso, em condições razoáveis, aos mercados de dívida pública e de as taxas de juro praticadas serem relativamente baixas (tanto a curto como a longo prazo), uma subida das taxas de juro diretoras, em conjugação com altas dívidas públicas e o início da venda de títulos de

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dívida (adquiridos através do APP) pode desencadear um aumento descontrolado dos

spreads nos mercados de dívida pública (Wyplosz, 2014). Uma situação de turbulência

nos mercados de dívida pública rapidamente pode contagiar outros mercados financeiros e economia real. Para evitar tais problemas é importante que haja uma verdadeira coordenação entre o BCE e os países da AE, de forma a que os governos nacionais não tentem prolongar em demasia o ambiente de baixas taxas de juro ou que o BCE, num caso hipotético, tente forçar cedo demais a subida das taxas de juro diretoras. O BCE tem também algumas formas de minimizar as possibilidades de existência de uma fiscal

dominance, nomeadamente através de uma comunicação clara e objetiva. Caso o BCE

comunique com antecedência o momento em que vai parar a compra de títulos de dívida pública, e se vai manter os títulos que detém até à maturidade ou se os vai vender, está a comprometer-se com uma ação futura, pelo que será menos provável não tomar essa decisão na data estabelecida (Turner, 2014). Caso o BCE esteja comprometido com prazos, menor a suscetibilidade a pressões dos governos nacionais.