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A Cinédia lançaria ainda o seu segundo Alô, mas antes, partilhou uma comédia turístico-musical chamada Cidade Maravilhosa, fazendo o papel da carioca Nina Marina e quem a achava maravilhosa era um turista argentino (Carlos Vivian). Essa fita foi exibida até na Argentina, quando da visita de Getúlio Vargas a Buenos Aires, em junho de 1935.

Como já citado, ver seus ídolos do rádio, nas próprias emissoras era complicado por conta do tamanho dos auditórios e dos “aquários” que isolavam o artista. Apreciá-los no grill dos cassinos também, além das poses da maioria dos fãs, geralmente vindos das camadas mais populares. Adhemar Gonzaga chamou Braguinha e Alberto Ribeiro, dizendo: “Vamos mostrar ao público como é a Urca por dentro.” Eles que bolaram todo o enredo, mostrando a súbita ascensão de dois revistógrafos (Barbosa Júnior e Pinto Filho), às voltas com um empresário (Jayme Costa) adepto do canto lírico. O enredo parecia tolo, mas a produção estava muito acima do padrão da época, que queria ser um carbono dos primeiros musicais (ou filme-revista) da Metro (AUGUSTO, 1989, p.92), mas parecia um espetáculo teatral registrado por uma câmara cimentada no proscênio. Além de Oscarito no papel de um espectador bêbado e inconveniente, diversos bambas do samba e das marchinhas davam o recado com suas

novas produções. Citamos Cadê Mimi (João de Barro – Alberto Ribeiro) interpretada por Mário Reis, uma referência à personagem de Carmen em Estudantes, além da deliciosa marchinha, jocosa, barroca, juntando o sagrado e o profano, Querido Adão (Benedito Lacerda – Osvaldo Santiago), imortalizada por Carmen Miranda e Cantores

do Rádio (Braguinha – Alberto Ribeiro), que foi adaptada para o sexo feminino, cantada

pelas irmãs Miranda e que ficou conhecida com o título de Cantoras do Rádio.

Podemos tomar Alô, alô Carnaval como o exemplo mais completo do filme

musical brasileiro dos anos 1930, estilo cinematográfico que nasce no Rio de Janeiro e

que mistura a cultura popular e seu Teatro de Revista, do século XIX, recheados de humor e sátira social, tudo isso misturado num caldeirão cultural que incluía o samba, o carisma dos cantores e o forte apelo do rádio. Esse filme é alicerçado na história e no gosto popular (revista ilustrada) e uma imitação da forma internacional consagrada dos filmes americanos (os musicais).

Realizado em 1936 pela Cinédia e dirigido por Adhemar Gonzaga, Alô, alô

Carnaval traz ecos de Coisas Nossas (1931), filmado em São Paulo pelo ambicioso

Wallace Downey, que faz parceria com Gonzaga em 1934 e realizou Alô, alô Brasil e

Estudantes (1935) e The Broadway Melody (1929), de Harry Beaumont, e outros

musicais americanos que por aqui aportaram. Tudo isso, se junta à outra influência do filme de carnaval, gênero já bem sucedido e que a Cinédia foi pioneira com Voz do

Carnaval (1933), usando pela primeira vez equipamentos de captação de som ótico,

diretamente do set de filmagem.

Entretanto, em The Broadway Melody, o enredo se desenvolve em torno da produção de um show musical em que o espectador vê sua construção durante todo o filme. Na produção brasileira, mesmo a situação não sendo de toda diferente, é nas pequenas diferenças que reside a graça do filme, que é em certo sentido o seu oposto. Em Alô, alô Carnaval, a produção do musical vai se realizando, mas o espetáculo, o show é uma malandragem feita para não dar certo. A fita americana mostra todo o empenho das bailarinas em conseguir os papeis principais e, na nossa produção, fugir das responsabilidades, dar jeitinhos é o maior trunfo.

Alô, alô Carnaval mostra as peripécias de dois autores (Barbosa Júnior e Pinto

Filho) que apresentam ao dono do Cassino Mosca Azul, a revista Banana da Terra, com o intuito de montá-la. Como o empresário já fechara com uma companhia europeia de renome, despreza a proposta. Mas, como essa famosa companhia não aparece, a

solução é aceitar a proposta da revista nacional. Malandragens e carência são a tônica dessa revista, com autores escrachados e empresário afeito às coisas estrangeiras. Com o argumento de João de Barro (Braguinha) e Alberto Ribeiro - que mistura humor e apresentações musicais -, aparecem na tela as mais importantes estrelas e astros brasileiros dos anos de 1930. Os cantores do rádio importantes fazem parte do cast do filme: Francisco Alves, Dircinha Batista, Almirante, Carmen e Aurora Miranda, o Bando da Lua, Mário Reis, Lamartine Babo entre outros.

Entretanto, o caráter estético da representação chama a atenção do espectador enquanto os números musicais têm um ritmo acelerado. Os problemas de captação do som explicariam esse problema Um exemplo é a cena das irmãs Pagãs que aparecem estáticas, cantam sentadas, muito juntas e quase não se mexem. Noutras cenas, isso já se resolve, como a de Dircinha Batista, Carmen e Aurora Miranda que cantam e dançam com desenvoltura, tomando todo o palco, apesar de que esses números musicais foram dublados, o que exclui da captação do som, a responsabilidade pelo caráter estático da encenação. Mesmo que algumas cenas tenham um certo dinamismo, não podemos ainda creditar ao conjunto, uma encenação cinematográfica, mas o que vemos é uma adaptação para o cinema do que os cantores faziam no palco ou nos auditórios dos rádios. Não é ainda com Alô, alô Carnaval que o cinema utiliza uma linguagem própria e mudaria a performance dos cantores. É o que vemos na apresentação de Mário Reis que é exatamente o mesmo, contido e economizando nos gestos. Ao contrário dele, Carmen Miranda e Dircinha Batista esbanjam graciosidade, ocupando plenamente o exíguo espaço cênico que lhes foi delimitado, conseguindo fazer coreografias, mesmo limitadas.

Fica claro em Alô, alô Carnaval, que os recursos da encenação vêm do palco do cassino, do picadeiro do circo ( o que é notório nos cômicos), e do teatro de revista e que se impõem à encenação cinematográfica. Se percebe muito pouco o trabalho de mobilidade da câmara e o pouco movimento que se percebe, pouco vem acrescentar àquilo que fazem os cantores e dançarinos. Tudo vem deles. A Câmara apenas esforçar- se por captá-los.

Tudo funciona muito como no rádio. Os esquetes cômicos são como discursos, sem exploração do estranhamento físico ou os cenários, objetos, etc. Há uma interação desses fatores na cena, em que um personagem masculino se passa por mulher como acontece com Jaime Costa, um ator que vem do teatro e sabe explorar os objetos cênicos

Também naqueles números onde são revelados a magia do rádio, os truques de sonoplastia que iludem o ouvinte. A direção de Adhemar Gonzaga submete a encenação cinematográfica à lógica do rádio e do som.

Salvo no número musical “As Cantoras do Rádio”, quando Carmen Miranda já revela que ali começa a se fabricar como uma performer para a câmara. Ela e Aurora estão à vontade. Seguem o enquadramento da câmara que se alterna em plano americano e close, mas fazem uma coreografia individual e juntas e, os olhos de Carmen já faíscam e piscam para o público, além da performance com as mãos. Mas, o filme na sua totalidade pouco agrega às performances corporais já existentes. Seria necessário analisar outros filmes da mesma época para se fazer o comparativo.

O humor radiofônico é predominante no filme. Os atores se revezam no palco contando piadas, parados. Sem esboçar um movimento. Como os roteiristas vinham também do rádio, propositalmente ou não, o filme sofre essa influência, apesar de cenários modernos, sugerindo movimento, mas a rigidez dos atores não se quebra. É uma constante. A câmara é sempre a quinta parede, filmando uma ação enclausurada no ângulo delimitado, restrito, mesmo que pudesse sugerir algum movimento.

Ambientando no Cassino Mosca Azul, a fita Alô, alô, Carnaval inspira uma atmosfera moderna a começar pelo cenário do caricaturista J. Carlos e do uso permanente da art-decó. Contudo, muitas de suas cenas contrastam com a modernidade sugerida. O entorno é pobre, o que acaba criando uma dicotomia entre o ambiente moderno dos números musicais no Cassino e o enredo narrativo e cômico que leva o filme em meio à ausência de fundo e recursos cênicos pobres.

Não se sabe, mas talvez por essas diferenças, Adhemar Gonzaga quando recuperou o filme pela primeira vez, em 1974, excluiu parte das piadas e muda toda a montagem, dando mais destaque aos cantores. No original de 1936, quem fechava o filme era Francisco Alves, considerado o maior ídolo da época. Nessa recuperação do filme em 1974, com o sucesso internacional de Carmen Miranda, é a ela e sua irmã, Aurora, que se reserva esse lugar. Em 2001, teve nova restauração e volta a inclusão das cenas cômicas retiradas. Mas, o tempo já consagrará a finalização do filme com a imagem de Carmen e Aurora Miranda cantando “As Cantoras do Rádio.” Segundo informações coletadas por Sérgio Augusto (1989, p.93), as revistas especializadas da época não trazem críticas ou resenhas sobre o filme. Relançado em 1974, reprisado outros anos durante o carnaval, Alô, alô Carnaval foi o único dos primeiros filmes musicais brasileiros que o tempo conservou quase integralmente.

Comédia despretensiosa e pouco sofisticada do ponto de vista técnico e cuja temática era criticar os estrangeirismos usados na língua falada, muito em voga na época, inclusive o aportuguesado da pronúncia de bebidas ditas sofisticadas. O cinema era usado também como uma arma anti-imperialista, concretamente abordada de forma alegre, mostrando a nossa superioridade sobre essa cultura que vem de fora. Esse estado de coisa é confirmado nas palavras de Lisa Shaw:

O espírito modernista que valoriza o dia-a-dia por mais mundano que seja e que rejeita a adoção de estrangeirismo que Oswald de Andrade cultivou tão claramente na sua poesia, aparece na cultura popular, tanto no cinema como na música. (SHAW, 2000, p.111).

Nomes como girls, boys (pronunciado bois) com pronúncia aportuguesada eram repetidos nos diálogos. Entremeando as falas, entram canções interpretadas pelos cantores do rádio, cartazes já de sucesso e na maioria das vezes, surgem do nada, sem nenhuma conexão com o enredo. Muitas cenas se passam no Cassino Mosca Azul, num intuito de mostrar como era um cassino (Urca) por dentro, pois não era qualquer um que podia frequentar o “grill” do Cassino. Não bastava ser rico e ter dinheiro para gastar. Tinham negros no palco, fazendo parte da orquestra, mas nunca no salão, conforme depoimento de Herivelto Martins: “ O Cassino era uma casa de respeito, de luxo, onde qualquer um entrava...desculpem, eu não sou racista...eu disse qualquer um, mas não era bem assim...não entrava preto no Cassino. Tinha preto no palco, mas no “grill”, não tinha.” (AUGUSTO, op. cit, p.92).

Como citamos, as músicas não tinham conexão com o enredo. Na Cena VI, Luís Barbosa surge batucando num chapéu e, acompanhando ao piano, canta Seu

Libório, mas ele não está à vontade e passa uma imagem de quem não sabe lidar ainda

com a câmera, pois no rádio não havia essa preocupação. Mas, a música desempenha um papel importante no filme, conforme comenta João Luiz Vieira:

Os números musicais constituíram o forte do filme. Verdadeira constelação de astros e estrelas do rádio e do teatro da época interpretavam canções que se tornaram ao longo dos anos, verdadeiros clássicos da música popular brasileira....O filme apresentava Almirante e as Irmãs Pagãs, O Bando da Lua e as inesquecíveis irmãs Aurora e Carmen Miranda que, diante de um cenário modernista de J. Carlos e Emilio Casalegno, faziam, no clímax do filme, a apologia do rádio através da marcha de João de Barro, Alberto Ribeiro e Lamartine Babo, Cantores do Rádio. Nesse mesmo filme, Carmen define a persona com a qual seu nome se identificaria para sempre no cinema, ou seja, a mulher de olhos vivos

e espertos, jeito matreiro e ao mesmo tempo debochado e sensual... (VIEIRA, 1987,p.146).12.

Esses filmes sempre parodiavam a cultura erudita, pondo em relevo a cultura popular, sobretudo a música que era feita no morro. Em Alô, alô Carnaval, isso era bem claro em duas cenas. Uma se inspirava numa composição de Franz Liszt, feita pelo ator Jaime Costa, vestido de mulher e com voz em falsete, gravada por Francisco Alves e a outra parodiava a “Canção do aventureiro”, da ópera de Carlos Gomes, O Guarani, que era uma canção patriótica.

Outros nomes, como Noel Rosa, nas suas composições, sempre zombando da cultura erudita e elevando a cultura advinda do povo. Os filmes musicais e posteriormente o que se apelidou de Chanchada, conforme Lisa Shaw, “eram umas imitações pálidas dos filmes-musicais produzidos em Hollywood, que pretendiam explorar o fascínio do público com o glamour e o estrelismo de Hollywood.” (SHAW, 2000, p.112).

Um diferença entre a chanchada e os filmes americanos estava na inferioridade técnica e nos grandes investimentos nas produções hollywoodianas. Mas, a chanchada era uma resposta brasileira, um contra-ataque à dominação de mercado dos filmes americanos no Brasil. No entanto, os críticos não entendiam assim e no final dos anos 30 e começo da década de 40, a palavra chanchada foi usada de forma depreciadora para qualificar a produção cinematográfica brasileira, como coisa de baixa qualidade e sem valor. Mais recentemente é que essa visão vem mudando e os estudiosos têm destacado a importância cultural dos musicais carnavalescos e da chanchada, mesmo que algumas delas, ao primeiro olhar, pareçam mostrar uma visão ingênua e estereotipada do Brasil, muitas vezes mostrando uma brasilidade frágil, ambígua e outras vezes parodiando as produções americanas que mostram a brasilidade/latinidade fabricadas e exibidas pela Política da Boa Vizinhança.

Alô, alô Carnaval não foge às mesmas características do enredo de Laranja da China. Com influência do teatro de revista, de onde trouxe os números musicais, as

piadas e o humor, as revistas teatrais foram adaptadas para o cinema nos anos 30 e sua evolução terminou nas chanchadas que sobreviveram até os anos 50. As críticas depreciativas não eram somente pelo samba, o gênero musical que era o mais utilizado,

12 VIEIRA, João Luiz. “A chanchada e o cinema carioca (1930-1955)”, in Fernão Ramos (org), História

até para aproveitar o sucesso dos ídolos do rádio, mas porque esses filmes subvertiam a ordem e a decência dita correta, como comenta Tânia Garcia:

Nesse sentido, pensamos que as razões das críticas desfavoráveis não eram somente, motivadas pelo “vírus do samba”, mas pelo desacato à ordem dominante contudo na forma carnavalizada do enredo. O trio predominante jocoso deste gênero cinematográfico, herdado da malandragem presente na canção popular urbana, terminava por corromper a construção de uma estética idealizada comprometida com a propagação de imagens de um povo e um país civilizado.

(GARCIA, 2004, p. 77)

Era a carnavalização dos costumes ditos corretos. Um forma debochada e alegre de mostrar o cotidiano, principalmente nos dias de carnaval, onde a ordem era mesmo subvertida. Como afirma Bakthin: “elaboram-se formas verbais do vocabulário e do gesto da praça pública, francas e sem restrições, que aboliam toda a distância entre indivíduos em comunicação, liberados das normas correntes da etiqueta e da decência.” (BAKHTIN, 2008, p.9). A paródia era o recurso mais usado nesses enredos, satirizando a sociedade conservadora da época, buscando uma liberdade através do universo lúdico das canções e insinuando desvios do que seria a boa conduta. Nesse sentido, o cinema nacional nos anos 30, não estava em consonância com a propaganda de um Brasil capaz de unir o seu povo em torno de um projeto de nação, colocando em relevo a desconstrução de tudo que a propaganda oficial pregava. Por ser uma diversão barata, o cinema alcançava e tinha como público alvo, as classes menos favorecidas, não alfabetizadas e não a classe alta, os intelectuais, os críticos de arte, mas tentava atingir os segmentos da sociedade urbana que tinham no cinema uma forma de se divertir e debochar do status-quo vigente – inconsciente ou não -, que se afirmava dominante por deter nos seus poderes uma cultura considerada superior. E esse público alvo do cinema não tinha condições de questionar nada, se certo, se errado. Queria a diversão pela diversão.

A Cinédia investiu nestes filmes musicais e outros gêneros, mas foram os filmes populares com histórias até bobas, entremeadas de canções tão populares, que mais tarde deram origem à Chanchada que dominou o mercado nos anos 1940 e 1950. Durante o ano de 1935, a produção da Cinédia foi intensa e a popularidade de Carmen foi explorada lucrativamente pela empresa.

Alô, alô Carnaval foi o último filme da sociedade Waldow-Cinédia, sendo essa

apostar noutras produções, como musicais românticos e comédias, não se detendo só a filmes carnavalescos e perseguindo um padrão de excelência definido por ele próprio quando do início da empresa. Enquanto isso, a empresa de Wallace Downey, continuava empreendendo em filmes carnavalescos e lançamentos de meio de ano, procurando atender mais a realidade do mercado.