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OS FILMES CARNAVALESCOS: As Chanchadas e a Critica

Nada foi encontrado nas revistas nacionais (O Cruzeiro e a Scena Muda) sobre o filme Banana da Terra. Mais, os críticos já iniciavam uma campanha contra os filmes carnavalescos que se explicavam pelos jornais e imprensa em geral. Filmes que tratavam da história, como Inconfidência Mineira (1937), de Carmen Santos, recebiam outro tipo de crítica, favorável à função educadora do cinema.

Em 1940, quando do lançamento de Laranja da China, segundo filme da trilogia, da qual fazia parte Banana da Terra, exibido quando Carmen já estava no Estados Unidos, ainda tinha sua participação, mas foi reaproveitada do filme anterior, cantando O que é que a baiana tem?, porque seu nome nos cartazes de um filme, era garantia de bilheteria e o sucesso desse número em Banana da Terra foi avassalador. Nessa ocasião, a Scena Muda, traz uma crítica na sessão Cinema Brasileiro, depreciando a fita:

Dentro de poucos dias vamos assistir à exibição de mais um filme nacional Laranja da China. Pelo nome o leitor já deve ter percebido que se trata de mais uma produção jocosa, e pela (época) de seu lançamento, que é um filme baseado em motivos carnavalescos. Como tal, essa nova película brasileira, vai ser toda de “samba”. Nós ainda não quisemos comprehender que o cinema nacional deve orientar-se pela propaganda do Brasil, e não pela propagação nefasta de suas psychoses, como em verdade é o samba uma dellas. Aliás, o próprio filme presta esse serviço à cultura brasileira, imaginando uma epidemia “coreopathica” transmitida pelo vírus do samba...13

Nota-se nessa crítica, escrita por Renato de Alencar, que mesmo que o samba tenha sido elevado ao patamar de “identidade nacional”, por um conjunto de forças e atores que teceram essa conjuntura, capitaneadas por sambista do morro, pessoas ligadas à literatura, à música erudita e ao poder público, os motivos principais para o menosprezo do filme eram o samba e o carnaval. Ele não cita em nenhum momento a qualidade da produção, os atores, etc. Para Renato, só por ser um tema carnavalesco e tudo que ao carnaval remetia, sambas alegres, mulheres seminuas, piadas picantes e situações jocosas, não era necessário tecer comentários sobre outros atributos da

película. O samba e o carnaval já bastavam para depreciá-la a um nível mais baixo da arte.

Os filmes carnavalescos incomodavam os setores políticos do Governo que comandavam a cultura do país. Segundo Cláudio A. Almeida, “os musicais carnavalescos não tinham nenhum compromisso com a cultura culta. Somente com a bilheteria e o mercado.” (ALMEIDA, 1999, p. 122, apud. GARCIA, op.cit.p.77). Como já citado, mesmo com o samba alçado ao posto de “identidade nacional” e “símbolo de brasilidade”, esse tipo de diversão já se tornaria uma preocupação do governo do ponto de vista de estratégicas políticas e culturais, merecendo destaque no periódico oficial

Cultura Política, tratando sobre o assunto de forma depreciativa ou repreensiva:

Ninguém discutirá que é nos chamados filmes de Carnaval que o cinema brasileiro atinge o seu nível mais baixo, sob todos os aspectos, da inteligência técnica à mais desconsolada falta de imaginação. Em geral esses filmes se resumem numa reunião mal arrumada de canções, marchas e sambas em voga no momento, ligados por um fio casual do enredo jocoso e ridículo. Neles nada há que fale à sensibilidade e à inteligência, na sua negação sistemática e cuidadosa do bom gosto e do bom senso.14

Com esse texto, o Estado Novo, que acenava para todas as formas de arte, quer culta ou popular, tendo no seu comando gente como Villa-Lobos, que sempre flertou com o samba e o chorinho, decepcionava não só cineastas como Adhemar Gonzaga, mas um conjunto de músicos, literatos e intelectuais que aguardavam advir do poder público, um projeto cultural que encampasse todas as manifestações artísticas como representantes da cultura do povo brasileiro e entre elas, a música e o cinema nacionais. Para Tânia Garcia, mesmo veiculada por um órgão oficial, “a posição acima, tinha mais o objetivo de adequar os excessos, do que propriamente definir as representações, que deveriam compor o imaginário nacional.” (GARCIA, 2004, p.78).

Contudo, isso não descredenciava a inclusão de música de samba nas fitas nacionais. Mesmo os críticos mais conservadores defendiam uma “abordagem correta.” Tanto é que o musical Music in my heart, incluía o samba de Ary Barroso No tabuleiro

da baiana e foi elogiado por críticos como Renato de Alencar na revista Scena Muda,

levando em consideração que Ary era também o compositor de Aquarela do Brasil

(1939), canção que deu origem ao samba-exaltação, com letra rebuscada e de grande aparato orquestral. As músicas de Ary Barroso eram bem elaboradas, rigor acadêmico, consistentes arranjos, harmonia refinada e, isso lhe dava as credenciais para representar a canção popular brasileira. Não foi de admirar que sua música chegou a Hollywood. A extensa introdução de orquestra e a grandiloquência presentes em Aquarela do Brasil tinham a cara do cinema americano e as introduções musicais de abertura dos filmes hollywoodianos, que vieram a influenciar uma geração de compositores brasileiros que frequentavam as salas de cinema.

Quando Carmen Miranda chega a Hollywood, já tinha também essa carreira cinematográfica no Brasil, associada às revistas carnavalescas. Como já discorremos, esse gênero provocava críticas ferrenhas e desabonadoras por parte dos conservadores que defendiam um cinema como uma forma de educar as massas e divulgar uma ideia civilizada do País.

Mesmo depois da partida de Carmen Miranda para os Estados Unidos, as revistas musicais cinematográficas continuaram a fazer sucesso, com salas lotadas e os críticos, por sua vez, desfechando todo tipo de ataques depreciativos ao cinema nacional, com o intuito de denegri-lo, ou até mesmo, eliminá-lo. Para os críticos, o problema do cinema nacional era exibir uma visão do Brasil que não correspondia a um país moderno. Mostrava uma visão do Brasil com a imagem truncada. O que incomodava era a presença do negro e as muitas manifestações culturais da raça, que era o motivo desse desconforto entre os críticos e a principal causa do desvirtuamento da identidade nacional. Não se deveria associar à cultura nativa, tais manifestações dos negros, como: a macumba, o samba, a capoeira e a dança “imoral” oriundas desses ritmos (como a umbigada), pois para o jornalista, “a África não era aqui.” O texto a seguir, publicado quando Carmen já se encontrava nos Estados Unidos, pela Scena

Muda, (04/02/1941) apelidava de carmeimirandices hediondas, qualquer forma de

expressão artística que tinha relação com a cultura negra. Quando a matéria foi publicada, Carmen já havia vestido sua fantasia de baiana em Streets of Paris, na Broadway., como também em Hollywood, no filme Down Argentine Way (na tradução brasileira Serenata Tropical) – 1940.Vejamos o texto:

(...) Essa divulgação do Brasil verdadeiro será feita através das oportunas e sinceras reportagens, do Sr. Norman Alley, operador da Metro-Goldwyn-Meyer. Mas...pelo amor de Deus, Mr. Alley, não aceite convites de ninguém para filmar nossas originalidades. Quando

alguém insinuar a filmagem de cenas de macumba, com negras infames a dançar sob carrapanas histéricas, telefone ao Dr. Ismael Souto e peça um guarda; se quiserem que o amigo filme o Carnaval tenha cuidado e se aconselhe com Ricardo Pinto, do Diário de

Notícias, a qualquer um que procure ludibriá-lo com as indecentes

exibições de sambas, desses que falam em cabrochas, malandros e

outras carmeimirandices hediondas, passe-lhe fogo. Mr. Alley, atire

neles sem contemplação, pois estás nas garras de um desses descarados propagandeiros do Brasil....15

Nessa perspectiva, nota-se que os ataques tão pejorativos tinham, como alvo, depreciar a performance da artista, não só nas películas nacionais, mas sua atuação também na terra do Tio Sam. No capítulo anterior, detectamos que, enquanto intérprete do samba – ritmo nomeado à categoria de canção popular nacional, síntese da mestiçagem – a artista era ovacionada pela imprensa como símbolo da nossa brasilidade. Mas, mesmo naquele momento, existia uma contracorrente que não referendava nem o samba e tampouco a mestiçagem como representantes das coisas nacionais. Levados para o cinema isso não mudava, pois a inclusão do samba nos musicais brasileiros atiçava as divergências sociais e raciais do período.

As detrações à Carmen Miranda continuavam e em 23/04/1940, Renato Alencar assina outra matéria para a Scena Muda, onde fica claro que os ataques a Carmen eram relacionados ao samba e aos filmes nacionais carnavalescos.

O texto cita o filme Down Argentine Way (Serenata Tropical), antes mesmo dele estrear no Brasil. Nele, Renato de Alencar atira farpas diretamente à Carmen Miranda e seu sucesso nos Estados Unidos. Cita as músicas que ela canta no filme americano:

Foi preciso que ella mesma dissesse ´”no filme Down Argentine Way canto Mamãe eu quero, Bambú e dois sambas”. Carmen canta “esses deploráveis números de nossa degenerescências carnavalescas, como simples acidente nas sequências da película, mesmo porque, num filme sério, de gente séria, de marca séria, só mesmo cantando samba poderá Carmen Miranda ser aproveitada com sucesso, reparados seus defeitos de voz e trejeitos sensuaes. 16

Mais adiante, ainda escreve um elogio e logo depois, outra depreciação:

15 Revista Scena Muda, 04/02/1941, p.1, apud. GARCIA T. C. op. cit. 79 e 80, 16 Revista Sena Muda , 23/07/1940, apud GARDIA, op.cit p.81

(...) Lançada por uma poderosa emissora, Mayrink Veiga e notabilizada por um grande speaker, César Ladeira, Carmen Miranda conquistou com muito merecimento o primeiro lugar como intérprete do samba no Brasil. No gênero, na verdade é imparelhavel. Tem uma graça encantadora no traduzir os fescenismos de nossas inspirações sodômicas. Mas, dahi o querer-se conferir a Carmen o diploma de glória nacional, de estrella de cinema... é demais! (...)17

Esta matéria é publicada quando Carmen estava no Brasil e havia se apresentado no Cassino da Urca, mesmo que o texto não faça nenhuma referência ao fato. Carmen participou de um evento promovido por Dona Darcy Vargas, para uma seleta plateia de convidados, mas o texto se apoia na recepção negativa que teve a artista, sendo criticada e vaiada pelo público presente. Uns dizem que não foi vaiada e foi somente recebida friamente. Em relação à declaração de Carmen, que desceu do avião vestindo um tailleur verde e amarelo, ao dizer: “Estou muito emocionada com todas homenagens. Elas cravam fundo no meu coração, e mais porque tenho consciência de que tudo o que fiz pelo Brasil foi meu dever.” (Entrevista ao Diário de Notícias transcrito na Revista Scena Muda,23/07/1940, p.3). Renato Alencar ainda diz:

(,,,) Pensará mesmo Carmen Miranda que fez alguma coisa pelo Brasil? Tudo o que fez com seus sambas, foi em seu próprio benefício., cumprindo deveres contratuais, nada tendo o Brasil a ver com os sucessos de um gênero que não pode recomendá-lo a não ser que, por civilização e cultura brasileira, se entenda batuque e remelexo de quadris! (...) Carmen Miranda muito fez, mas para si mesma, tanto assim que de lá para cá, assombrada com tantos dólares mandou dizer: “Isto é que é terra! Em poucos meses ganhei muito mais do que aí em dez anos! (...). 18

Renato Alencar sabia da presença de Carmen no Brasil, da frieza do público no show do Cassino da Urca, e aproveita para denegrir sua atuação no seu primeiro filme americano, antes mesmo de chegar nas salas de exibição no Brasil. Sabendo que Carmen cantaria uma marchinha, uma embolada e dois sambas, aproveita para depreciar também o repertório como “deploráveis números de nossas degenerescências carnavalescas.” Ele queria dizer que o batuque, o requebro dos quadris, tudo que fizesse referência à cultura negra, não deveria representar a cultura brasileira. Desclassificando Carmen Miranda, ele não enaltece sua trajetória artística, destaca sua sensualidade como

17 Idem, idem.

uma imoralidade, associando essa imoralidade ao samba, que era “coisa de negro.” Insinua, inclusive, que a calorosa acolhida à artista fora organizada pelos seus empresá- rios. Na verdade, a recepção à Carmen fora organizada pelo DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda -, a multidão fora recepcioná-la espontaneamente e a imprensa dera toda a cobertura porque sabia que Carmen vendia jornais e revistas. O público que fora recebê-la no porto, não era o mesmo público que lotava o Cassino da Urca.

A declaração de Carmen no seu discurso de chegada, de ter cumprido o dever de ter feito algo pelo Brasil, “nos faz acreditar que ela tinha consciência que naquele momento da história do país, cumpria a tarefa de tornar o Brasil reconhecido além de suas fronteiras.” (GARCIA, 2004, p.83).

A intenção de Alencar era desautorizar Carmen Miranda e o samba como representantes da cultura brasileira nos Estados Unidos e exterior.”(...) a não ser que, por civilização e cultura brasileira se entenda batuque e remelexo de quadris!”. O texto todo é um deboche à figura de Carmen e ao samba, defendendo a cantora de ópera Bidu Sayão e a pianista Guiomar Novaes como dignas representantes da nossa cultura. Era o contraponto entre “a imagem selvagem” e o “talento civilizado.” Criar uma imagem positiva do Brasil através do cinema nacional, como um meio de educar a massa e superar o atraso que nos inferiorizava frente às outras desenvolvidas, como música de carnaval e o sucesso de Carmen Miranda em Hollywood, diante dessas críticas desabonadoras, pareceu que não dera certo.