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Mas, podemos destacar a chanchada Banana da Terra (1938), o primeiro da “trilogia de frutos tropicais”, sendo o segundo Laranja da China (1939) e o terceiro

Abacaxi Azul (1944), como o filme que qualifica Carmen para uma carreira

internacional. Sendo distribuído pela Metro-Goldwyn-Mayer do Brasil, o que já era um aval como uma “prova eloquente do valor da nova produção”, publica o Correio da

Manhã (Rio de Janeiro, 10.02.1939). Não diferentemente das outras produções, era

recheado de sambas e marchinhas, algumas delas se tornariam clássicos, como A

Jardineira (Benedito Lacerda e Humberto Porto), interpretada por Orlando Silva e por

sorte ou por coisa do destino, meses antes da sua ida para os Estados Unidos, estrelando seu último filme no Brasil, Carmen Miranda vestiu pela primeira vez a sua fantasia de

baiana, para cantar O que é que a baiana tem?, de Dorival Caymmi, ainda um compositor desconhecido.

Foi a última participação de Carmen em filmes brasileiros e exatamente sua performance nesse número e sua fantasia de baiana adaptada para seu show no Cassino da Urca, com acompanhamento do Bando da Lua, que fez o empresário americano Lee Shubert querer ver seu show e convidá-la para o elenco de um musical na Broadway. Stella Caymmi conta porque O que é que a baiana tem?, do seu avô Dorival Caymmi, entra no filme Banana da Terra. Em 1938, Dorival Caymmi havia cantado O que é que

a baiana tem?, pela primeira vez, na Rádio Transmissora e nessa audição estavam

Alberto Ribeiro, Mário Lago e Almirante. Foi por conta dessa apresentação, que a música foi lembrada para substituir Na Baixa do Sapateiro, de Ary Barroso, no filme

Banana da Terra. Assim ela descreve:

(...) Em fase de produção, a equipe formada por Braguinha, Rui Costa, além de Ribeiro, Lago e Almirante entrou em pavorosa quando Ary Barroso pediu 10 (dez) contos de reis – em torno de quinhentos dólares – uma fortuna na época, para autorizar o uso de Boneca de Pixe (em parceria com Luiz Iglesias) e Na Baixa do Sapateiro. (CAYMMI, 2013, p115).

A produção precisava de uma solução urgente que não atrasasse o cronograma do filme e nem onerasse os custos e o cenário já pronto para “Na Baixa do Sapateiro”, como casario baiano, coqueiral, lua cheia e lampião fosse aproveitado. Alberto Ribeiro lembrou da música de Caymmi e aprova sua substituição. Foram levá-la para aprovação de Carmen, que pediu uma audição com o próprio Caymmi. Ficou decidido que Caymmi cantaria com ela na gravação de estúdio e no filme seria acompanhado pelo Bando da Lua. Carmen e Dorival não mais se separaram, até a finalização do filme. Juntos foram até ao atelier de J. Luiz, figurinista da Fon-Fon (revista muito famosa na época) e Caymmi foi explicando o traje da baiana descrito na música, que era o traje típico em Salvador, das vendedoras de quitutes e também usado nos ritos do Candomblé. – torso, pano da Costa, bata rendada, balangandãs, etc - . Ouvindo essa explicação, o figurinista foi desenhando uma versão estilizada para o filme, que terminou sendo o grande número de Banana da Terra e fez Caymmi começar uma

carreira promissora como compositor/cantor e Carmen Miranda, vestindo essa fantasia de baiana estilizada se torna uma estrela internacional, através dos filmes de Hollywood.

Mas, o que era que a baiana de Caymmi tinha? Com sua descrição minuciosa, tinha torso de seda, brincos, pulseira e corrente de ouro, pano da Costa e bata rendada; e ainda saia engomada e sandália enfeitada, mas o que essa baiana tinha de diferencial era muita graça e requebrava como ninguém. Era constituída de perguntas e respostas, misturando versos do cancioneiro popular com frases criadas pelo compositor. Podemos dizer que é um galanteio, um gracejo a toda baianidade costurada na música com detalhes e junto com um apelo: “quando você se requebrar caia por cima de mim.” É nessa letra que a palavra balangandãs é popularizada e que o compositor afirma mais abaixo, que ouviu pela primeira vez de um tio que era ourives e que vem a ser, a partir daí, associada aos adereços que Carmen usava. (PEREIRA DE SÁ, 2002). A canção, nada mais faz do que descrever com riqueza de detalhes, o traje típico usado pelas baianas de Salvador e resulta na fantasia que Carmen Miranda vestiu durante toda a sua carreira. O traje da baiana é uma rica e complexa sobreposição de panos: anáguas engomadas, com rendas, entremeios, saias geralmente rodadas, tecidos diversos, chitas, fitas rendadas, detalhes na barra, bata por cima e em tecido mais fino, pano-da-costa de usos diversos, tecidos de tear manual, panos retangulares visualmente parecidos com peças da África.

O poema de Caymmi vai descrevendo a fantasia, tentando encaixar todos esses detalhes, dando uma musicalidade à letra. Começa pelo torso de seda, popularmente chamado também de turbante.

O que é que a baiana tem? Tem torso de seda tem Tem brinco de ouro tem...

O torso que vem de uma origem afro-islâmica é muito usado no candomblé e dependendo do modo como é dobrado, indica divindades e hierarquias dentro do rito. E tem uma utilidade também estética, quando é utilizado pelas filhas de santo quando raspam o cabelo, na cerimônia de imersão no culto. Os brincos e as correntes nem sempre eram de ouro. Podiam ser bijuterias compradas nas ruas e denunciavam o poder de riqueza e posses dos seus senhores ou das próprias negras já libertas. Os brincos de ouro, prata ou latão formavam essa riqueza de adereços.

Um rosário de ouro, uma bolota assim

Quem não tem balangandãs não vai ao Bonfim

Os balangandãs também formavam esse conjunto de joias, um amontoado de adereços e o próprio Caymmi fala do urdimento da música e de como a palavra

balangandãs entra no seu processo de composição da letra:

Eu quero dizer que o balangandã nasceu desse contato com o tio Nonó. E tinha um jeito que se falava: “Ah, aquelas mulatas do partido alto!, só se ia ao Bonfim, meu filho, levando o luxo”. Aquele meninozinho de carregar a cadeira de ajoelhar (...). As escravas de bom dinheiro tinham seus criados. Com a Abolição da Escravatura, continuou (...) Partido Alto quer dizer: valor pessoal, bom partido. Ele (tio Nonó) dizia rindo assim : “Quem não tem balangandãs não vai ao Bonfim”. Isso era um ditado da época. E eu fui urdindo na cabeça, na Bahia, a forma de autenticar a mulata de saia , mas sem coragem de classificar minha mulata, natural da minha terra com o nome, entre aspas, de baiana. Era uma coisa que acontecia, uma coisa natural no Rio de janeiro de chamar assim: Vem uma baiana aí. Você viu aquela baiana cheia de coisa? Porque afinal de contas não eram cariocas, não eram gaúchas. Eram baianas, mas, para nós, não eram baianas, para nós eram naturais. Para nós era a mulher de saia, a mulher do acarajé, a mulher do amendoim, a preta do acarajé, era a crioula do mingau. Crioula, então, se usava muito. Era a vendedora de amendoim, do amendoim cozido, do amendoim torrado (...)19

Sobre balangandãs, temos ainda a definição de Raul Lody, em Pencas de

Balangandãs da Bahia, um estudo etnográfico das joias e amuletos, quando diz que:

“os balangandãs eram amuletos dos mais baratos, pendurados numa penca comum e levados geralmente à cintura: bolas de louça, figas, saquinhos de couro (contendo “suretas” do alcorão, sangue de carneiro, ervas e outros preparados), dentes de animais, medalhinhas de santos católicos, crucifixos, ex-votos (como os olhos de Santa Luzia) e frutas tropicais como por exemplo romã, a uva, o caju e ainda miniaturas de animais como o carneiro (animal votivo de Xangô).”20

19 Dorival Caymmi, entrevista concedida a Stella Caymmi, Rio de Janeiro, 16/5/1995. Apud CAYMMI,

op. cit. p.123

Nota-se uma forte influência religiosa na composição dos balangandãs e outros também alegóricos, próprios do comércio e somente para comporem o enfeite. Esses

balangandãs eram encontrados na cintura das negras baianas no século XIX, e depois

subiram para os colares e para as pulseiras. E também era uma palavra que foi ficando esquecida no tempo e Caymmi reabilita.

Tem pano da Costa tem

Cecília Meireles descreve assim o pano da Costa:

(...) A baiana terá pelo ombro um grande xale retangular, de um e meio a dois metros de comprimento, com uma largura de uns oitenta centímetros, atravessado de listas policromas, ou apenas riscado de azul e branco. E o autêntico pano da Costa (da Costa de África) ou alguma das suas inúmeras imitações. (MEIRELES, 1983, p.22)

Segundo Caymmi, o pano da Costa manda-se vir da Costa D´África. É um tecido especial e uma estamparia, num bordado especial. Pano da Costa é de muita categoria. Portanto, coisa importada da África por causa das raízes. Elas tendo um dinheirinho a mais, elas botavam na mão de um portador, para comprar na África. Os búzios não é só para o candomblé, é para uso pessoal. As contas de fazer colares, vindas da África, de sementes e de louça, feitas à mão ou coisa assim. Artesanato africano de Dahomei, da Nigéria (...) E eu escrevi a palavra balangandãs (...) .21

O que Caymmi queria era tornar a mulher baiana conhecida dos cariocas e a música contribuiu para a valorização da negra, da mulata da Bahia e do Brasil.

Tem bata rendada tem

Essa bata era larga e ventilada. Tem influência mourisca. Ela vem complementar a camisa da baiana, bordada em richelieu ou costurada com renda de bilro ou renascentista, detalhes tropicais de roupas europeias (LODY R, op.cit p.11, apud GARCIA, 2004, p.110).

Tem saia engomada tem,

21 Dorival Caymmi. Entrevista concedida a Stella Caymmi, Rio de Janeiro, 9/11/1992 (CAYMMI, 2013,

As saias são de muita estampa e no padrão das saias-balão como as vestidas pelas mulheres europeias, em meados do século XIX (GARCIA, 2004), modelos que migraram para o Brasil, fazendo parte do guarda-roupa das damas da sociedade. Comparando o traje vestido por essas mulheres do século XIX com o descrito na música, logo veremos que a indumentária que as vestia, pouco se diferenciava daquela roupa que cobria os corpos das negras homenageadas pelo compositor.

O volume da roda era aumentado por seis ou sete anáguas, uma sobre a outra, depois substituídas pela “crinolina (uma espécie de armação de aço, usada até hoje nas escolas de samba, na ala das baianas). Cecília Meireles também descreve assim essa parte da vestimenta da baiana: “(...) levará uma saía de muita roda, em pano florido ou não, mas, em tons graves, sobre o qual se debruará a renda ou o bordado muito alvo de uma “bata” que desce um pouco abaixo da cintura, com mangas largas que vêm ao meio do antebraço.” (MEIRELES, 1983, p.22).

Caymmi descreve com perfeição todos os detalhes que compõem o traje das negras “do ganho” da Bahia. Mas, o faz de forma tão sensual, provocando um suspense deixando sempre a pergunta no ar, quando repete, por várias vezes a indagação: “o que é que a baiana tem?”. Uma resposta que parece não responder a tudo que ele quis dizer nas entrelinhas. Caymmi confirma, reafirma o mistério que envolve a figura da baiana, transformando tudo numa brincadeira, numa forma lúdica. Os balangandãs delimitam a diferença que caracteriza a baiana, um amontoado de adereços para defendê-la das ruindades deste mundo e do outro e ao mesmo tempo, o sinal distintivo da filiação mágica com o candomblé. (MEIRELES, 1993). Com perguntas e respostas, deixa sempre no ar o mistério que nem tudo foi dito, quando no final volta a indagar: “ Mas o que é que a baiana tem?” Além da forte carga sensual da letra, quando diz: ”quando você se requebrar/caía por cima de mim/caia por cima de mim...” E Carmen vai aperfeiçoando sua performance, caindo nos braços dos rapazes do Bando da Lua, grupo que a acompanhou durante muito tempo na sua carreira internacional.

Podemos dizer que Carmen Miranda vestiu literalmente a canção/poema O que

é que a baiana tem? para o filme Banana da Terra, mas isso era uma coisa bem recente

da performance artística, do artista usar um figurino que retratasse a letra da música. No corpo trazia tudo que a música descrevia, mesmo que sua baiana fosse estilizada, com mais destaque para os balangandãs. A sua saia não era rodada e nem branca e

engomada como Caymmi descreve. Era longa com tecido brilhoso, listas vermelhas, verdes e amarelas. O turbante foi mantido, mas realçado com lantejoulas e acrescido de uma cesta de frutas, numa forma de homenagear o tabuleiro que as negras de “ganho” levavam na cabeça, com seus quitutes e frutas, como captou Jean Baptiste Debret, nas suas pinturas quando da Missão Francesa no Brasil (1816-1831) e Johann Moritz Rugendas, pintor alemão que viveu no Brasil de 1822 a 1825, registrando povos e costumes.

Ilustração 6: Cena de Carnaval - Jean Baptiste Debret (1834). Fonte: http://lounge.obviousmag.org/cafe_amargo/2013/05/debret-e-a-negacao-do-neoclassicismo-

rasileiro.html. Uma baiana do “ganho” com sua cesta de frutas na cabeça, assistindo uma luta de capoeira - Detalhe da gravura Jogar Capoeira de Rugendas (1825). Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rugendasroda.jpg

Essa primeira baiana de Carmen também não usava a blusa de seda, nem bordada. Os adereços, com brincos, colares e braceletes não eram de ouro e nem o

écharpe sobre os ombros era o original pano da Costa, que era característico nas

primeiras pinturas e fotografias de mulheres negras. Nota-se nesse traje de Carmen, que o figurino de duas peças de cetim ou lamê decorado, é uma fiel reprodução dos desenhos estilizados do modelo da baiana registrado por Cecília Meireles, na mesma época.

Ilustração 7: Baianas (1933) – In MEIRELES, Cecília. Disponível em: Batuque, Samba e Macumba. Rio de Janeiro. FUNARTE. 1983, p. 23/25/33.

Conforme registra Zeca Ligiéro, o turbante, outra marca inconfundível do seu estilo, com uma cesta de frutas, é claramente uma adaptação do modelo carnavalesco documentado pela poetisa e folclorista nos seus desenhos, que fizeram parte de uma exposição em 1933, e teve uma restrita edição portuguesa em 1935. (LIGIÉRO, 2006, p. 92). Como experiente chapeleira que era Carmen, por ter trabalhado na loja La

Femme Chic, especializada em chapéus, foi fácil para Carmen adaptar o turbante usado

pelas baianas, de acordo com as suas necessidades. Na sua estreia na Broadway, ao invés de uma, foram duas cestas e durante sua carreira essas frutas foram sendo substituídas por flores, borboletas, frutas não tropicais e outros objetos, até garfos, talheres. Deixamos a própria Carmen falar sobre a sua primeira baiana para o Cassino da Urca:

A Urca foi o meu trampolim. Nessa época nem sonhava em vestir uma baiana. Aliás, no Baile do Municipal desses tempos saudosos, marinheiros e baianas eram fantasias proibidas, vulgares demais. Acontece que eu tinha de me apresentar cantando “O que é que a baiana tem?” e a letra da música explicava que ela tinha isto, tinha aquilo, coisas que a minha fantasia precisava ter. Então, pedi ao Trompowski que desenhasse uma baiana para mim. Foi a minha primeira fantasia. Era branca, com uma barra preta e um pão de açúcar ao lado. Para completá-la, comprei na Avenida Passos uns colares de 1$500 e duas cestinhas de 7$000. 22

Antes de Carmen vestir a fantasia de baiana, o traje de baiana era algo pejorativo, vulgar e até proibido. Era usado no Carnaval por homens travestidos e debaixo das saias levavam facas e estiletes para se defenderem em caso de brigas. Tanto é que Carmen, nesta mesma entrevista ao Mundo Ilustrado diz o seguinte: “O curioso é que eu teria de botar aquela baiana. Pedi até a um repórter que explicasse o motivo por que eu botava uma fantasia tão vulgar.” (MI, 29-12-1954, p.43, apud. CARDOSO Jr, 1978,p.133). Só depois de usar a baiana no filme Banana da Terra e nos palcos cariocas, a partir de 1939, com sua estilização internacional do traje é que houve uma quebra de preconceito e uma recepção ampla e conforme reportagem de O Cruzeiro “as baianas invadiram o Teatro Municipal no Rio de Janeiro (O Cruzeiro, s.d/s.p – apud GARCIA, 2004, p.116). Depois de Carmen, o traje da baiana do “ganho” levada para o cinema e para os palcos da Broadway e chegando ao Baile de Carnaval do Municipal,

22 Entrevista concedida ao repórter da revista Mundo ilustrado de 29/12/54 (In Cardoso Jr., 1978:

vestindo as damas da sociedade, a fantasia nunca mais deixou de ser presença anual nos carnavais que vieram depois de 1940.

Historicamente, Carmen não foi a primeira a usar a fantasia de baiana, nas artes. Artur Azevedo criou uma personagem de baiana vendedora de laranja, para a sua peça A República (1890), embora explorasse o lado cômico e de escárnio em relação à cor e classe social. A atriz espanhola Pepa Ruiz também vestiu uma baiana na revista

Tim-Tim por Tim-Tim (1893), cantando o lundu O Mungunzá (LIGIÉRO, 2006).

Zeca Ligiéro, dá conta que Plácida Santos foi a primeira estrela afro-brasileira a viver no palco uma baiana com a dignidade devida às tradições das baianas mães-de- santo, criando, assim, um terceiro modelo para a baiana, o das interpretadas pelas próprias negras, exaltando a beleza e os estilos afro-brasileiros (LIGIÉRO, 2006, p.81). Como citado, até Plácida, a figura da baiana negra subia aos palcos dos teatros do Rio de Janeiro, mas de forma pejorativa, beirando ao ridículo e zombaria.

Nos anos 1920, a figura da baiana continua a ser personagem do Teatro de Revista, de forma caricata. Depois de Sinhô, um dos nomes da “invenção do samba”, que exaltou a Bahia nas suas músicas, outros sambistas começaram a lançar outro olhar para a Bahia, destacando suas belezas naturais, a sensualidade e encanto das suas negras, assim como o forte sincretismo religioso do candomblé vieram à tona.

Não podemos deixar de citar Araci Cortes, mulata (filha de negra com espanhol) e estrela do teatro de revista, que cria uma nova baiana para interpretar a música Yayá (ou Linda Flor), de autoria de Sinhô, incluída na peça Miss Brasil. Depois disso, Araci continuou a se vestir de baiana em outros momentos e nota-se uma semelhança com os modelos criados por Carmen Miranda, anos depois. Como Araci era uma estrela do teatro de revista, do rádio e dos tradicionais bailes dos artistas, seria impossível imaginar que Carmen desconhecesse a criação dela, embora nunca tenha reconhecido publicamente a sua influência. Ao contrário, sempre afirmou que a baiana era invenção própria. (LIGIÉRO, 2006, p.82).

Em Hollywood, a primeira aparição da baiana se deu no filme Voando para o

Rio (Flying down to Rio) - 1933, distribuidora RKO, com a famosa dupla de atores e

dançarinos Fred Astaire e Ginger Rogers, além de Dolores del Rio, Etta Motten e o brasileiro Raul Roulien. Nesse filme, a atriz Etta Motten aparece em traje completo de baiana, com todos elementos típicos afro-brasileiros: turbante e cestinha com frutas tropicais, colares de bola, brinco de argola, a bata e a saia rodada. Significativa a escolha de uma atriz negra para o papel de baiana, chamada no filme de colored girl e

canta uma rumba afro-cubana em vez de um samba, chamada Carioca, que assim como a canção de Caymmi, composta alguns anos depois, exaltando a baiana de Salvador, engrandece a sensualidade, maneira e comportamento da mulher do Rio de Janeiro. Coincidência? Abel Cardoso Junior diz no seu livro: Carmen Miranda: A Cantora do

Brasil, que Dolores del Rio é que aparece de baiana em Voando para o Rio, com

cestinha na cabeça e tudo (In. Cardoso Jr., 1978, p.133), mas, na verdade, é a atriz negra Etta Motten que faz a baiana.

Ilustração 8: Plácida dos Santos e Araci Cortes. Fonte: CEDOC;FUNARTE s/d - In. LIGIÉRO, Zeca. Carmen Miranda, uma performance afro-brasileira. Rio de Janeiro. Publit. 2006. Carmen Miranda com seu figurino em Banana da Terra (1938).

Ilustração 9: Aurora e Carmen Miranda - Número antológico do sucesso As Cantoras do Rádio - Fonte em: http://www.contracampo.com.br/23/aloalocarnaval.html. Etta Motten vestindo a baiana. Fotograma do filme Voando para o Rio (Flying down to Rio) – 1933. Carmen Miranda e Barbosa Júnior em Estudantes. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Estudantes_(filme).

Concorrendo ao Oscar de melhor canção original, o filme fez grande sucesso no Brasil, por conter cenas hipoteticamente rodadas no Rio de Janeiro, sendo a de maior destaque, a de um grupo de dançarinas que de pernas de fora, faz uma coreografia amarradas as asas de um avião, sobrevoando a praia de Copacabana. Ligiéro destaca que: “é bem possível que Carmen tenha visto o filme, exibido três anos antes da sua criação da baiana, os produtores de Banana da Terra, com certeza.” (LIGIÉRO, 2006, p.86).

A inspiração de Caymmi para a canção O que é que a baiana tem?, fora as filhas de santo da sua terra. Deu todas as pistas na composição dessa baiana para