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O Alcance da An ´alise Situacional

da hermen ˆeutica. O pr ´oprio Popper (no artigo On the Theory of Objective Mind, presente em MF) chegou a apresentar a an ´alise situacional como uma abordagem interpretativa. Contudo, Popper entendia que sua abordagem podia ser claramente diferenciada da hermen ˆeutica por ele considerar os objetos sociais como membros do Mundo 3.

Nossos modelos sempre incluem elementos do Mundo 3. No caso de Richard, por exemplo, temos as leis de tr ˆansito (e todos aqueles objetos nos quais ela ´e representada). Logo, um cientista social que buscasse compreender o modelo precisaria entender esses elementos do Mundo 3. Podemos nos perguntar: essa instituic¸ ˜ao social (a legislac¸ ˜ao de tr ˆansito) foi descrita fielmente? E mais, essa instituic¸ ˜ao foi entendida claramente? ´E preciso interpretar esses objetos (as “partes” do modelo) individualmente, mas tamb ´em ´e preciso entender a situac¸ ˜ao como um todo. O problema ´e que, ao contr ´ario da ci ˆencia natural, n ˜ao temos uma realidade objetiva com a qual comparar, pois precisamos entender esses objetos numa teia maior de significados.

Popper “parecia ver essa diferenc¸a [na aplicac¸ ˜ao do elemento falseador mais como uma quest ˜ao de grau que de tipo” (GORTON, 2006, p. 57). Embora haja essa compara- c¸ ˜ao com a realidade, parte do teste de um modelo social sempre ser ´a interpretativo. Desse modo, o falseamento na ci ˆencia social nunca poderia ser considerado final, seria sempre mat ´eria de debate. As teorias das ci ˆencias sociais, ent ˜ao, se encontrariam entre as teorias da ci ˆencia natural (plenamente false ´aveis) e as teorias metaf´ısicas (n ˜ao false ´aveis): ela n ˜ao ´e capaz de criar teorias universais como na f´ısica, mas pode nos dar explicac¸ ˜oes sobre eventos com um grau de detalhes consider ´avel.

5.5

O Alcance da An ´alise Situacional

Quanto tentamos caracterizar a sociologia como a ´area de pesquisa interessada em descrever aspectos do mundo que dispensam a psicologia somos confrontados com um problema. Nem todos os eventos podem ser necessariamente explicados sem a presenc¸a de elementos psicol ´ogicos; contudo, tais eventos n ˜ao s ˜ao da alc¸ada da an ´alise situacional. Par- ticularmente, a an ´alise situacional falharia ao explicar crenc¸as, normas e desejos presentes em qualquer agente (que, em ´ultima inst ˆancia, ´e uma pessoa). Clarifiquemos como se d ´a essa tensa relac¸ ˜ao entre elementos psicol ´ogicos e um modelo situacional.

Em todo modelo situacional elementos psicol ´ogicos s ˜ao presentes. Lembremos do exemplo de Richard: ele poderia desejar atravessar a rua para comprar um terno novo. A novidade da an ´alise situacional, ao contr ´ario das propostas psicologistas, ´e incluir esses elementos dentro do modelo, e n ˜ao no agente. O agente poderia ter qualquer outro objetivo, desde que a partir desse objetivo pudessem ser extra´ıdos elementos objetivos que fossem incorporados `a situac¸ ˜ao. Aquilo que o modelo efetivamente leva em considerac¸ ˜ao ´e que Ri-

chard precisa atravessar a rua, e de quais modos ele pode fazer isso assumindo que pratique uma ac¸ ˜ao racional, isto ´e, que ele pratique a melhor ac¸ ˜ao poss´ıvel. Apesar desses elemen- tos psicol ´ogicos serem presentes, eles s ˜ao dispens ´aveis; nem mesmo precisamos deles se temos um objetivo claro. Mais uma vez notamos a forte influ ˆencia da metodologia econ ˆomica. Num modelo econ ˆomico, desejos, normas e crenc¸as s ˜ao de pouco interesse te ´orico. Digamos que um comprador vai ao mercado de im ´oveis desejando comprar uma casa; a ac¸ ˜ao espe- rada ´e que ele procure a casa mais valiosa pelo menor prec¸o poss´ıvel. O motivo dele comprar a casa fica num segundo plano, j ´a que estudaremos as relac¸ ˜oes criadas no mercado a partir da ac¸ ˜ao dele e as poss´ıveis influ ˆencias (intencionais e n ˜ao-intencionais) que essa ac¸ ˜ao pode desencadear no mercado. Percebemos que alguns tipos de fen ˆomenos n ˜ao seriam explica- dos adequadamente pela an ´alise situacional. Apenas padr ˜oes de interac¸ ˜ao entre atores e instituic¸ ˜oes, especialmente aqueles que produzem algum tipo de consequ ˆencia imprevista, poderiam ser corretamente explanados. Crenc¸as, desejos e motivac¸ ˜oes seriam interpretados como dados na situac¸ ˜ao.

Popper cria a an ´alise situacional levando isso em considerac¸ ˜ao. Ele “parece estar preocupado apenas com o que acontece numa situac¸ ˜ao social, dadas as crenc¸as e objetivos de um indiv´ıduo” (GORTON, 2006, p. 101). Como os atores desenvolveram suas propens ˜oes psicol ´ogicas ´e inteiramente dispens ´avel na an ´alise popperiana. O problema ´e que mesmo retirando completamente esses elementos da an ´alise situacional, ainda somos obrigados a explic ´a-los. Se entendemos a an ´alise situacional desse modo (seguindo o entendimento de Popper), algumas situac¸ ˜oes s ˜ao simplesmente imposs´ıveis de serem explicadas. Esse pro- blema ´e fruto da sua cr´ıtica anterior ao historicismo e ao holismo: ao retirar os elementos psicol ´ogicos do agente (deslocando-os para a situac¸ ˜ao), ele se torna incapaz de fornecer pre- vis ˜oes completas, que expliquem como (como a ac¸ ˜ao ocorreu) e porque (porque ele decidiu praticar aquela ac¸ ˜ao) o agente agiu daquele modo. Os agentes s ˜ao tratados quase como m ´aquinas.

Imaginemos o exemplo do voto19. A cada dois anos h ´a uma eleic¸ ˜ao no Brasil. Vemos as pessoas sa´ırem `as ruas defendendo seu candidato, propagandas infind ´aveis na televis ˜ao, no r ´adio, nos jornais, nos muros. At ´e que chega o dia da votac¸ ˜ao, e ent ˜ao sa´ımos de nossas casas e votamos para escolher os novos governantes. ´E poss´ıvel dizer que pes- soas votam porque ´e a ac¸ ˜ao mais racional a fazer naquela situac¸ ˜ao: a manutenc¸ ˜ao do regime democr ´atico exige a rotatividade dos governantes. Mas, ao afirmar que essa ´e a ac¸ ˜ao mais ra- cional na situac¸ ˜ao, apenas reescrevemos o problema utilizando a linguagem t´ıpica da an ´alise situacional. O voto, antes de mais nada, ´e o desenvolvimento de uma crenc¸a: acreditamos que o candidato A ´e mais preparado para exercer aquela func¸ ˜ao do que o candidato B (e essa decis ˜ao pode nem mesmo ser intencional) – n ´os n ˜ao apenas votamos (digitamos n ´umeros

19O exemplo ´e o mesmo utilizado por Gorton (2006, cap. 4). Contudo, o exemplo que ele d ´a se foca na abstenc¸ ˜ao do voto e por quais motivos as pessoas votariam, mesmo sabendo que n ˜ao s ˜ao obrigadas a isso. Como o voto ´e obrigat ´orio no Brasil, essa discuss ˜ao faria pouco sentido.