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sim se d ´a o progresso da ci ˆencia. O historicista responderia que as diferenc¸as no ambiente social s ˜ao mais marcantes que no ambiente f´ısico. Se a sociedade muda, o homem muda. Mas ´e negligenciado que nas ci ˆencias naturais isso tamb ´em ocorre. As mudanc¸as clim ´aticas ocorridas na Terra desde a Pangeia at ´e os tempos atuais s ˜ao mudanc¸as que ocorrem de

acordo com as leis, n ˜ao a despeito delas, e causaram mudanc¸as inimagin ´aveis ao homem e

ao seu ambiente, algo que se reflete tamb ´em no seu ambiente social. A negac¸ ˜ao desse fato tornaria a mudanc¸a algo miraculoso: seria necess ´ario inserir diversas hip ´oteses ad hoc que explicariam qualquer mudanc¸a, por mais simples que seja.

4.3

Leis ou Tend ˆencias?

Boa parte dos historicistas acredita que ´e necess ´ario buscar uma lei de evoluc¸ ˜ao da sociedade. Talvez essa seja a doutrina historicista por excel ˆencia. Descobrindo essa lei, poder´ıamos prever o futuro, dizem os mesmos. Num ambiente f´ısico imut ´avel, criar-se-ia um contraste com o ambiente social, sempre mut ´avel. As leis de sucess ˜ao, como chamadas pelos historicistas, eram fruto principalmente das observac¸ ˜oes da astronomia. N ˜ao custa lembrar que o boom do historicismo aconteceu no s ´eculo XIX, quando as filosofia de Hegel, Marx, e o evolucionismo (que nem pode ser chamado de lei natural, j ´a que ele explica apenas o desenvolvimento dos animais no nosso planeta), eram dominantes no discurso cient´ıfico e filos ´ofico. Essas doutrinas podem ser vistas como as bases sobre as quais o historicismo moderno e contempor ˆaneo se inspira.

Especialmente o evolucionismo (ou darwinismo, como queiram) foi fonte de di- versos equ´ıvocos. O termo “hip ´otese” passou a identificar leis naturais, tidas como certas e invari ´aveis. Contudo, devemos lembrar que nem toda hip ´otese ´e uma lei, embora toda lei tenha sempre o car ´ater hipot ´etico. Podemos revisar leis a qualquer momento caso encontre- mos alguma falha ou caso ela seja refutada empiricamente. Esse fato passa despercebido pelos historicistas, ansiosos em formular pretensas leis que poderiam, segundo eles, prever o desenvolvimento da sociedade. Essa ˆansia os leva a negligenciar o fato de que, na hist ´oria, n ˜ao podemos encontrar “ritmos” ou “padr ˜oes” capazes de serem previstos: a hist ´oria ´e uma emerg ˆencia de fatos, organizados por n ´os.

Pode haver uma “lei de evoluc¸ ˜ao” da sociedade? A resposta de Popper ´e “n ˜ao”. Imaginemos a evoluc¸ ˜ao da vida na Terra. Ela ocorre em concord ˆancia com as mais diversas leis, sejam da f´ısica, biologia ou qu´ımica. Poucos processos naturais s ˜ao causados por uma ´unica lei.

Nenhuma sequ ˆencia de, digamos, tr ˆes ou mais eventos concretos procede de acordo com uma ´unica lei natural [. . . ] n ˜ao h ´a uma ´unica lei, como a da gravidade, nem mesmo um conjunto definido de leis, a descrever a sucess ˜ao real de eventos causalmente conectados (PH, pp. 107-8).

Agora imaginemos a sociedade. Embora ela se desenvolva, de certa forma, in- dependentemente do ambiente natural, somos obrigados (mesmo os historicistas) a assumir que muito do nosso desenvolvimento ´e restringido pelo ambiente natural. N ˜ao ´e poss´ıvel ex- plicar o processo de industrializac¸ ˜ao da Europa no s ´eculo XIX, por exemplo, sem mencionar os entraves f´ısicos que impossibilitavam certos avanc¸os tecnol ´ogicos. Mesmo o desenvolvi- mento de um ´unico ser humano ´e condicionado por suas caracter´ısticas f´ısicas. Dadas essas constatac¸ ˜oes, torna-se imposs´ıvel formular uma lei de evoluc¸ ˜ao que leve em conta todos es- ses processos e possa prever o desenvolvimento da sociedade.

O historicista responderia de duas formas: 1) negaria que o processo de desen- volvimento da sociedade ´e ´unico e aleat ´orio; e 2) afirmaria que, mesmo n ˜ao sendo poss´ıvel formular essa “lei de evoluc¸ ˜ao”, podemos distinguir tend ˆencias que guiariam o desenvolvi- mento hist ´orico. Ambas as resposta n ˜ao s ˜ao excludentes, e constantemente s ˜ao empregadas juntas.

Popper diz que a primeira ´e uma ideia bastante antiga, aquela que “a ideia que o ciclo da vida de nascimento, inf ˆancia, juventude, senectude e morte se aplica n ˜ao apenas a animais e plantas, mas tamb ´em a sociedade, rac¸as, e talvez at ´e mesmo ao mundo “inte- gralmente” (PH, p. 100). A sociedade comportar-se-ia de modo an ´alogo a um organismo vivo13: nasceria, desenvolver-se-ia, atingiria um ´apice e, por fim, decairia. Esse ciclo seria repetido infinitamente, e poder´ıamos compreend ˆe-lo desde que estud ´assemos os per´ıodos anteriores. Sem d ´uvida podemos ser auxiliados na compreens ˜ao de certos eventos hist ´oricos comparando-os com eventos anteriores. As invas ˜oes da R ´ussia, primeiro por Napole ˜ao e em seguida por Hitler, t ˆem diversos aspectos similares. Mas nunca podemos sustentar que o se- gundo evento ´e uma repetic¸ ˜ao do primeiro. Ambos aconteceram em circunst ˆancias diferentes, tiveram motivac¸ ˜oes diferentes, enfim, s ˜ao similares em alguns aspectos, mas n ˜ao iguais.

Muitas vezes a segunda resposta ´e utilizada para sustentar a primeira. Ela apre- senta certas ideias t´ıpicas da posic¸ ˜ao historicista: a ideia de uma “din ˆamica” social, de “mo- vimentos” evolutivos, com direc¸ ˜ao e velocidade determinadas, da sociedade. Esses termos destacados fazem parte do vocabul ´ario da f´ısica e s ˜ao usados aqui para sustentar a posic¸ ˜ao historicista. Embora os termos sejam os mesmos, o historicista os utiliza de forma err ˆonea e nociva; n ˜ao s ˜ao mais que met ´aforas perigosas. O que o historicista chama de “est ´atico”, um f´ısico denominaria “din ˆamico”, embora estacion ´ario. Provavelmente a observac¸ ˜ao de certas regularidades da natureza, como a sucess ˜ao de dias e noites, levou os historicistas a afirmar que esse processo seria est ´atico, j ´a que n ˜ao se alteraria. Popper chama essas regularida- des de “quase-leis” de sucess ˜ao. O mesmo para o termo “movimento”. Quando um f´ısico o utiliza, o termo explicita a mudanc¸a de um corpo (ou sistema) com relac¸ ˜ao a um conjunto de coordenadas previamente estabelecido. N ˜ao se busca explicar o movimento enquanto tal, mas apenas as mudanc¸as do movimento (o constante embate de forc¸as que modifica a tra-