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2.5 O Aspecto Social da Ci ˆencia

3.1.10 Essencialismo e Nominalismo

Um problema essencialmente metaf´ısico, aqui reescrito de forma a tornar-se um problema metodol ´ogico, ocupa um lugar de destaque entre aqueles argumentos utilizados para dar suporte ao historicismo: o problema dos universais8. Dar-se- ´a uma pequena explica-

c¸ ˜ao acerca do problema para, ent ˜ao, apresent ´a-lo em sua nova vers ˜ao.

Sabemos que a ci ˆencia se utiliza de termos para fornecer suas explicac¸ ˜oes, ter- mos que podem ser universais ou particulares, ou seja, fazer refer ˆencia a um conjunto de objetos ou a apenas um objeto no mundo f´ısico, um nome pr ´oprio. “Ditador”, por exemplo, pode ser um exemplo de termo universal, enquanto “Napole ˜ao” ´e um termo particular. A grande disputa aqui se d ´a para explicar qual a natureza desses termos universais, e duas s ˜ao as respostas poss´ıveis. A primeira, o nominalismo, entende que “universais diferem de nomes pr ´oprios por serem ligados a membros de um conjunto ou classe de objetos” (PH, p. 24, grifo do autor). Ou seja, para o nominalismo um termo universal ´e apenas um r ´otulo, ´util para a ci ˆencia apenas por reunir uma classe de particulares com uma caracter´ıstica similar. Por sua vez, o essencialismo afirma que tratamos algo como um universal por ele ter uma propriedade necess ´aria, algo que ele compartilha com outras coisas, e “essa propriedade [. . . ] diz respeito a um objeto que merece investigac¸ ˜ao tanto quanto os objetos individuais” (PH, p. 24). Para um essencialista n ˜ao aplicamos uma propriedade universal a uma coisa apenas para facilitar o agrupamento de objetos similares, mas porque aquela propriedade realmente pertence ao objeto.

Em sua vertente metodol ´ogica, o problema ignora a quest ˜ao se esses universais realmente existem ou n ˜ao para discutir apenas quais os fins da ci ˆencia e como ela deve agir. Podemos novamente dividir em duas as vertentes, cada uma de acordo com a posic¸ ˜ao que sustenta.

Claramente vitorioso nas ci ˆencias naturais, o nominalismo metodol ´ogico “sustenta que a tarefa da ci ˆencia ´e somente explicar como os objetos se comportam [. . . ] [nominalistas] sustentam que palavras s ˜ao unicamente instrumentos ´uteis de descric¸ ˜ao” (PH, pp. 25-6, grifo do autor). As ci ˆencias naturais n ˜ao procuram explicar a ess ˆencia de algo, mas somente, a partir de uma base observacional, descrever certos comportamentos para poder prev ˆe-los.

8Popper cria o termo essencialismo para evitar diss´ıdios com a sua pr ´opria posic¸ ˜ao: “I was always an adherent of realism; and this made me sensitive to the fact that within the context of the problem of universals this term “realism” was used in a quite different sense; that is, to denote positions opposed to nominalism [...] I invented, when working on The Poverty of Historicism, the term “essentialism” as a name for any position which is opposed to nominalism, and especially for the theories of Plato and Aristotle” (UQ, p. 17, grifo do autor, par ˆenteses suprimidos). Ent ˜ao, sempre que for falado em essencialismo, ´e preciso ter em mente a caracterizac¸ ˜ao particular que Popper d ´a ao problema dos universais.

3.1 Historicismo Antinatural´ıstico 44

Essa pequena observac¸ ˜ao nos mostra porque o nominalismo ´e amplamente aceito (e utili- zado) nas ci ˆencias naturais com enorme sucesso9. O chamado essencialismo metodol ´ogico

vai numa direc¸ ˜ao oposta. “A pesquisa cient´ıfica deve penetrar na ess ˆencia dos objetos para explic ´a-los” (PH, p. 25). Essa vertente deixa de ver a ci ˆencia como algo meramente utilit ´ario, passando a buscar a real natureza das coisas por meio da explicac¸ ˜ao do que elas realmente s ˜ao, das suas ess ˆencias.

As ci ˆencias sociais se posicionam do lado essencialista, pois buscam explicar um ente social penetrando em sua ess ˆencia. Mais do que uma descric¸ ˜ao, a ci ˆencia social n ˜ao agrupa coisas similares com um r ´otulo universal, mas entende que uma coisa, despida de suas caracter´ısticas acidentais, realmente possui uma propriedade caracter´ıstica e sua func¸ ˜ao ´e desvelar tal propriedade e explic ´a-la. As sess ˜oes anteriores nos mostram como os diversos argumentos que sustentam o historicismo s ´o se tornam um todo coerente se assim entendemos a doutrina. Dois deles, contudo, se destacam. “A ˆenfase no car ´ater qualitativo do eventos sociais, conjuntamente `a ˆenfase no entedimento intuitivo [. . . ], indica uma atitude intimamente relacionada ao essencialismo” (PH, p. 27).

O argumento a favor do essencialismo ´e forte, mas ainda existem dois outros que sustentam a doutrina. J ´a viu-se que um ponto enfatizado no historicismo ´e a mudanc¸a. Con- tudo, quando algo muda, deve-se identificar o que muda para falar em mudanc¸a. Mesmo que nada mude, ´e preciso identificar o que permaneceu imut ´avel para poder falar que a coisa per- maneceu a mesma. Na f´ısica ´e f ´acil fazer identificac¸ ˜ao: todas as mudanc¸as s ˜ao movimentos no espac¸o. Se um objeto sai do ponto A para o ponto B, basta que sejam identificados os dois pontos para saber que o objeto sofreu uma mudanc¸a do seu estado inicial. Nas ci ˆencias sociais esse exame ´e mais dif´ıcil, pois um ente social n ˜ao sofre uma mudanc¸a f´ısica. Ou seja, s ´o podemos explicar um ente social por meio de suas transformac¸ ˜oes, j ´a que as diversas possibilidades de mudanc¸a de algo (que n ˜ao conhecemos inicialmente e que s ´o podem ser descobertas por meio de suas mudanc¸as) revelam in ´umeras caracter´ısticas ocultas de uma ess ˆencia, suas potencialidades. O Estado, digamos o italiano, sofreu in ´umeras modificac¸ ˜oes ao longo de sua hist ´oria. Ele, contudo, permaneceu essencialmente o mesmo: o estado itali- ano. Embora tenha assumido diversas formas, sua ess ˆencia n ˜ao foi alterada mesmo que ele tenha tido v ´arias caracter´ısticas, muitas delas at ´e mesmo antag ˆonicas. Tais caracter´ısticas acidentais podem se modificar; a ess ˆencia, por ´em, continua a mesma, por isso ela deve ser o objeto principal de estudo.

Segundo Popper, o segundo argumento ´e o mesmo utilizado por Plat ˜ao, com in- flu ˆencia direta de Her ´aclito, para desenvolver sua teoria essencialista. A ci ˆencia estuda algo imut ´avel, id ˆentico a si mesmo, uma ess ˆencia. Uma coisa muda apenas suas caracter´ısticas particulares, e a hist ´oria ´e a descric¸ ˜ao dessas mudanc¸as. Ess ˆencia e hist ´oria, ent ˜ao, seriam

9Segundo Popper, Karl Polanyi o apontou que a posic¸ ˜ao descrita por ele como “nominalismo metodol ´ogico” era t´ıpica das ci ˆencias naturais, mas n ˜ao das sociais. Cf. UQ, pp. 17-18.

conceitos correlatos. “Num certo sentido, uma ess ˆencia tamb ´em pressup ˜oe a hist ´oria” (PH, p. 29). As mudanc¸as que algo sofre revelam diversas potencialidades da sua ess ˆencia, algo imposs´ıvel de ser conhecido sem a hist ´oria, a descric¸ ˜ao dessas mudanc¸as. Logo “uma coisa, sua ess ˆencia imut ´avel, pode ser conhecido apenas por meio de suas mudanc¸as” (PH, p. 29, grifo do autor). Um ente social, portanto, revela suas potencialidades apenas por meio de suas mudanc¸as, que por sua vez s ˜ao conhecidas pelo estudo da sua hist ´oria. Outrossim, os conceitos utilizados para conhec ˆe-lo tamb ´em devem ser hist ´oricos. Esses dois ´ultimos pontos, embora sejam usados como uma conclus ˜ao do m ´etodo historicista, revelam tamb ´em importantes (e indispens ´aveis) argumentos para sua explicac¸ ˜ao.