• Nenhum resultado encontrado

C. O Estado brasileiro é responsável pela submissão a trabalho forçado, escravidão, servidão, e

1. Alcance do artigo 6 da CADH

O artigo 6 da CADH prevê a proibição da escravidão e da servidão da seguinte maneira:

409 EPAP dos representantes, p 116-118. 410 EPAP dos representantes, p 103.

411 Declaração do perito Dr. Cesar Rodriguez, 18 fevereiro 2016.

412 Relatório de fiscalização, anexo 12 do EPAP e contabilização dos registros de trabalho assinados ou com impressão digital, anexo 10 do EPAP.

413 Declaração testemunhal de Ricardo Rezende, p. 11. Petição de 8 de fevereiro de 2016.

Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil Alegações Finais Escritas

1. Ninguém pode ser submetido a escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas.

2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa da liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso. (...)

Tal e como sustentamos em nosso EPAP414, os Representantes reiteram que a proibição das formas contemporâneas de escravidão contida no artigo 6 da CADH tem natureza erga omnes e é uma norma inderrogável de jus cogens. Assim o sustenta também o perito Michael Dottridge em sua declaração pericial submetida a esta Honorável Corte415.

A respeito, contrário ao que expôs o perito Jean Allain na audiência pública416, o Brasil aceita a natureza erga omnes da proibição do trabalho forçado, ademais da escravidão e servidão, como se deriva da posição internacional do país perante a OIT417.

Apesar deste reconhecimento, no presente caso os Representantes do Brasil propõem uma interpretação do conceito de escravidão que não é consoante ao estado atual da matéria no Direito Internacional418.

A respeito, reiteramos o exposto na audiência pública, no sentido de que o artigo 6 da CADH tem um alcance amplo e protege contra várias formas de exploração humana, que se entendem em seu conjunto como formas contemporâneas de escravidão419.

Esta Corte determinou que por ser um tratado de direitos humanos, a CADH tem uma natureza particular e, portanto, não se pode interpretar de forma restritiva420. No mesmo sentido, a fim de analisar o artigo 6 da CADH, devemos interpretar o tratado de boa-fé, levando em consideração o sentido comum dos termos dos tratados, em seu contexto e à luz do objetivo e finalidade do tratado421.

414 EPAP dos representantes, pp 92-93.

415 Declaração do perito Michael Dottridge, submetida à Corte em 8 de fevereiro, par. 44. 416 Declaração do perito Jean Allain, 19 de fevereiro de 2016.

417 Ver, por exemplo, International Labour Conference, Provisional Record, 103rd Session, Geneva, May-June 2014,

disponível em http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---

relconf/documents/meetingdocument/wcms_246188.pdf, Pars. 72, 73. 418 Ver Contestação do Estado, páginas 45 a 72.

419 Alegações finais orais apresentadas pela representante das vítimas, Viviana Krsticevic, 19 fevereiro 2016.

420 Corte IDH. Caso de Ivcher Bronstein Vs. Perú. Competencia. Sentença de 24 de setembro de 1999. Série C No. 54, par. 37 -40. Ver também CADH, Art. 29.

421 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Artigo 31.1: “Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade”. ONU. Vienna Convention on the law of treaties. Concluído em Viena em 23 de maio de 1969, entrada em vigor em 27 de janeiro de 1980. Disponível em: https://treaties.un.org/doc/Publication/UNTS/Volume%201155/volume-1155-I-18232-English.pdf (inglês). O Brasil promulgou a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados por meio do Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009, com reserva aos artigos 25 e 66. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007- 2010/2009/Decreto/D7030.htm.

Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil Alegações Finais Escritas

A estas pautas se somam as que se derivam do artigo 29 da CADH, assim como dos princípios e regras expressos na jurisprudência da Corte.

A respeito, esta Honorável Corte mencionou que,

[A] interpretação das normas deve ser desenvolvida também a partir de um modelo baseado em valores que o Sistema Interamericano pretende resguardar, sob o “melhor ângulo” para a proteção da pessoa. Nesse sentido, ao enfrentar um caso como o presente, o Tribunal deve determinar qual é a interpretação que se adequa de melhor maneira ao conjunto das regras e valores que compõem o Direito Internacional dos Direitos Humanos422.

O Estado, por sua parte, também reconhece, junto com a jurisprudência do tribunal interamericano, que a CADH é um instrumento vivo que, portanto, requer uma interpretação evolutiva423.

Adicionalmente, ao analisar o presente caso e interpretar o artigo 6 da CADH, a Corte deverá considerar que as condutas denunciadas no presente caso, ou seja, a escravidão, o tráfico de pessoas, a servidão e o trabalho forçado, constituem uma ruptura com os valores fundamentais da sociedade democrática424.

Aplicando os princípios enunciados ao artigo 6 da CADH especificamente, o perito Dr. Rodríguez Garavito declarou na audiência que a “jurisprudencia comparada y los estándares internacionales van

en una línea clara y unificada en relación con una ampliación o una interpretación amplia de los sujetos de este tipo de derechos”425. Desse modo, a jurisprudência recente de tribunais penais

internacionais e de cortes regionais evidencia a necessidade de interpretar a escravidão à luz das realidades e do contexto atual na região426.

Também cabe recordar que os termos da CADH têm um significado autônomo e, portanto, sua interpretação não depende da normativa doméstica de cada Estado parte427. O Estado, na audiência pública, alegou que a normativa penal brasileira atual quanto ao trabalho escravo é mais ampla que o alcance da proteção do artigo 6 da CADH428. Diante desta linha de argumentação, e sem entrar no

422 Corte IDH. Caso González e Outras (“Campo Algodonero”) vs. México. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 16 de novembre de 2009. Série C No. 205, par. 33. Ver também “Otros tratados” objeto da función consultiva da Corte (art. 64 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinión consultiva OC-1/82 de 24 de setembro de 1982. Série A No. 1, párrs. 43 a 48; Restricciones a la Pena de Muerte (arts. 4.2 y 4.4 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC-3/83 de 8 de setembro de 1983. Série A No. 3, párrs. 47 a 50; Propuesta de modificación a la Constitución Política de Costa Rica relacionada con la naturalización. Opinión Consultiva OC-4/84 de 19 de janeiro de 1984. Série A No. 4, párrs. 20 a 24, e, entre outros, Caso Velásquez Rodríguez. Excepciones Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987. Série C No. 1, par. 30.

423 Contestação do Estado par. 152, citando Corte IDH. Caso dos Irmãos Gómez Paquiyauri Vs. Peru . Sentença de 8 de julho de 2004 (Mérito, Reparações e Custas). Série C, No. 110, par. 165.

424 TEDH. Siliadin c. Francia, 26 julho 2005, disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-69891, par. 112. 425 Declaração do perito Cesar Rodriguez Garavito, 18 de fevereiro de 2016.

426 Ver TPIY, Fiscalía v. Kunarac, Kovač y Vuković, Sentença, Caso No. IT-96-23-T & IT-96-23/1-T, 22 de fevereiro de 2001; TEDH, Rantsev vs. Chipre y Russia, 7/1/2010, párrs. 275-277 y 282; ECOWAS, Hadijatou Mani Koroua v. Niger, Judgement No. ECW/CCJ/JVD 06/08 27 October 2008.

427 Corte IDH. La Expresión "Leyes" en el Artículo 30 da Convención Americana sobre Derechos Humanos. Opinión Consultiva OC-6/86 del 9 de maio de 1986. Série A No. 6. Para. 19.

428 Alegações finais orais apresentadas pelo Representante Sr. Boni Moraes Soares, audiência pública, dia 19 de fevereiro de 2016

Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil Alegações Finais Escritas

mérito, os Representantes ressaltam que, por uma parte, as reformas ao artigo 149 do Código Penal brasileiro ocorreram em 2003, ou seja, 3 anos depois da fiscalização de 2000, com o que não se aplicariam ao caso concreto. Sem prejuízo disso, o propósito deste processo internacional é avaliar os fatos concretos à luz da CADH e não de acordo à normativa interna do país. Disso se desprende que esta Corte deverá analisar os fatos do caso levando em consideração o texto da CADH, utilizando os meios de interpretação estabelecidos na jurisprudência da Corte à luz ds parâmetros internacionais aplicáveis no que diz respeito a formas contemporâneas de escravidão.

Definitivamente, estas normas de interpretação ampla, evolutiva e dirigida a garantir o gozo dos direitos humanos têm uma relevância particular para o presente caso, dado que ainda se está definindo o alcance do artigo 6 da CADH no sistema interamericano. Por isso, o caso sub judice apresenta à Corte o desafio de analisar pela primeira vez, de maneira central, violações relativas a formas modernas de escravidão na região e o alcance da responsabilidade do Estado para prevenir investigar e reparar, para o que deverá levar em consideração os princípios e pautas interpretativas mencionados nesta seção.

2. Configuração de tráfico, trabalho forçado, servidão, e escravidão no presente caso