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Falta de proteção imediata, e investigação e reparação adequada

B. Responsabilidade do Estado

2. Falta de proteção imediata, e investigação e reparação adequada

Ademais de tolerar o contexto de violações em um nível geral, e falhar em seu dever de garantia específica a raiz de seu conhecimento sobre o risco específico que corriam as pessoas que se encontravam na Fazenda Brasil Verde, o Estado tampouco proporcionou a atenção imediata necessária, nem investigou e nem reparou as vítimas.

a) Falta de atenção imediata às vítimas

Diante dos primeiros indícios da existência de uma situação de exploração, os Estados estão obrigados a retirar a pessoa da situação de escravidão, de maneira urgente387. No entanto, a

385 Declaração pericial de José Armando Fraga Diniz Guerra, comunicação do Estado de 08 de fevereiro de 2016.

386 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello vs. Colômbia, sentença de 31 de janeiro de 2006 e Caso González y otras (“campo algodonero”) vs. México, sentença de 16 de novembro de 2009.

387 TEDH. Caso CN y V vs. Francia, Aplicación 67724/09, 11-10-2012, Para. 109. Disponível em http://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-114032.

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obrigação de atenção imediata é mais ampla. Como ressaltou o perito Mike Dottridge, para muitos Estados a “liberação” da vítima de sua situação de exploração representa o final do processo, contudo, a resposta adequada tem que ser muito mais ampla388.

Segundo Dottridge, como mínimo, o Estado tem que desenhar um mecanismo para reintegrar as vítimas na sociedade. Quando tenham sido transportadas de zonas distantes, o governo tem que acordar e financiar a volta a seu lugar de origem389.

De igual modo, na audiência pública o Dr. Rodríguez Garavito explicou que sem estas medidas, não se pode “romper o ciclo que explica o fenômeno de trabalho escravo e de servidão que não se detém com uma punição aos responsáveis individuais de uma violação como esta”390.

Para vítimas de tráfico de pessoas em particular, o Protocolo de Palermo estabelece que na atenção imediata, as medidas adequadas que os Estados poderiam adotar abarcam as seguintes:

[M]edidas que permitam a recuperação física, psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas, incluindo, se for caso disso, em cooperação com organizações não-governamentais, outras organizações competentes e outros elementos de sociedade civil e, em especial, o fornecimento de:

a) Alojamento adequado;

b) Aconselhamento e informação, especialmente quanto aos direitos que a lei lhes reconhece, numa língua que compreendam;

c) Assistência médica, psicológica e material; e

d) Oportunidades de emprego, educação e formação391.

Ou seja, há uma série de medidas urgentes para proteger as vítimas de forma imediata, levando em consideração a gravidade da violação, as quais o Estado não adotou no caso concreto.

A respeito, a Sra. Ana de Souza destacou na audiência sobre a falta de serviços para as vítimas do caso uma vez resgatadas da Fazenda. Em resposta a uma pergunta sobre se o Estado oferecia atenção às vítimas, contestou, “Em geral, no momento imediato não, por exemplo, no caso da FBV, os dois fugitivos de 2000, a PF os recebeu em Marabá e os levou lá no escritório da CPT para que a CPT tomasse as medidas de apoio e de assistência às vítimas de imediato”392. Ou seja, o Estado, longe de adotar medidas de apoio, delegou essa obrigação a uma organização da sociedade civil, como a CPT, que foi de fato a instituição que acolheu as vítimas nestes momentos e lhes ofereceu apoio.

Portanto, no presente caso ficou demonstrado que diante das denúncias e do contexto existente, o Estado não tomou medida alguma para prevenir o recrutamento de outras vítimas de trabalho forçado, nem colocou em prática medidas para garantir a liberdade das vítimas da Fazenda Verde, sua reabilitação e reintegração aos lugares de origem.

388 Declaração de Mike Dottridge, anexo 2.b. da Comunicação dos Representantes de 08 de fevereiro de 2016, par. 52. 389 Declaração de Mike Dottridge, anexo 2.b. da Comunicação dos Representantes de 08 de fevereiro de 2016, par. 52. 390 Declaração do perito Dr. Cesár Rodriguez Garavito, 18 fevereiro 2016.

391 Protocolo de Palermo, art. 6(3), disponível em

http://www.ohchr.org/Documents/ProfessionalInterest/ProtocolTraffickingInPersons_sp.pdf (espanhol) e http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm (português)

392 Declaração testemunhal de Ana de Souza, 18 de fevereiro de 2016.

Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil Alegações Finais Escritas b) Falta de uma investigação diligente e reparação adequada de acordo com os parâmetros internacionais

As obrigações estatais quanto às vítimas de formas contemporâneas de escravidão são distintas e particulares e deveriam responder aos danos sofridos. A respeito, reiteramos o manifestado no EPAP no que se refere à falta de uma investigação diligente e reparações adequadas no presente caso393, sem prejuízo dos argumentos adicionais que passamos a realizar.

No caso Rantsev, o TEDH determinou a responsabilidade de Chipre referente à obrigação processual de investigar em relação ao direito à vida de uma vítima de tráfico com fins de exploração sexual, determinando que Chipre deveria ter levado em conta o contexto mais amplo de tráfico de pessoas no país na hora de investigar a morte violenta da vítima, mesmo se a situação de tráfico de pessoas não havia sido ainda constatada no caso concreto394. De igual forma, no caso CN y V v. Francia, o TEDH determinou a obrigação de realizar uma investigação independente, capaz de permitir a identificação e punição dos responsáveis395.

Tal e como ficou evidenciado no trâmite internacional deste caso, e como analisamos de maneira mais detalhada em outras seções deste escrito396, no presente caso o Estado falhou em seu dever de investigar os fatos da Fazenda Brasil Verde de maneira diligente, levando em consideração o contexto e a prática de trabalho forçado e as denúncias concretas que existiam sobre a Fazenda.

Quanto às reparações, além de reiterar os parâmetros interamericanos mencionados no EPAP no que diz respeito ao direito à reparação e à necessidade de reparar a vítima particular pela violação sofrida397, sustentamos que efetivamente, no caso particular, as vítimas não receberam uma reparação adequada.

Nesse sentido, primeiramente há sérios questionamentos a respeito do pagamento do valor devido aos trabalhadores no momento da rescisão. Durante a diligência in situ, os trabalhadores expressaram que ficaram mais tempo na fazenda do que aquele anotado nas suas carteiras de trabalho ou constantes dos termos de rescisão398. Apesar de não poderem precisar qual seria esta diferença, todos indicaram que teriam ficado mais tempo. Assim mesmo, indicaram que teriam “assinado” documentos em branco ao chegar na fazenda399, o que também consta do relatório da fiscalização400. Ou seja, há indícios grave de fraude documental, visto que poderiam ter colocado qualquer data como data de início do contrato uma vez que maioria dos trabalhadores era analfabeta e desconhecia o que estava assinando.

393 EPAP dos representantes p 115.

394 TEDH, Caso Rantsev v. Cyprus and Russia. Application No. 25965/04, Judgement of 7 January 2010, párrs. 234-242. 395 TEDH. Caso CN y V vs. Francia, Aplicación 67724/09, 11-10-2012, Para. 109. Disponible en http://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-114032.

396 Ver seção sobre violações aos artigos 8 e 25 da CADH abaixo. 397 EPAP dos Representantes, pp 149-150.

398 Ver declarações de Antonio Francisco da Silva, Marcos Antonio Lima e Francisco das Chagas Bastos Sousa em 6 de junho de 2016.

399 Ver declaração de Marcos Antonio Lima durante a diligência in situ realizada em 6 de junho de 2016. 400 Anexo 12 do EPAP.

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Neste sentido, o depoimento de Rogério Felix da Silva, ao afirmar que Marcos Antonio Lima havia chegado antes dele à Fazenda Brasil Verde é significativo401, visto que no termo de rescisão e carteira de trabalho Marcos teria chegado depois sete dias depois de Rogerio e só teria ficado 7 dias na Fazenda402 quando este afirmou durante a diligência que teria ficado na fazenda cerca de um mês403. A fraude também se verifica pela forma como se deram os registros dos trabalhadores, por exemplo, Antonio Francisco da Silva consta registrado na Fazenda Brasil Verde em sua carteira de trabalho mas o registro de empregados consta como Fazenda São Carlos404.

Assim mesmo, uma análise dos termos de rescisão demontra claramente que só houve pagamento das verbas rescisórias básicas405, pois sequer foi calculado pagamento por horas de trabalho extraordinárias apesar do registro no relatório de fiscalização, confirmado pelos trabalhadores na diligência in situ, que eles trabalhavam mais de doze horas por dia.

Ainda que ignoradas estas provas de que o pagamento no momento da rescisão foi indevido, é possível afirmar que o pagamento dos salários em atraso e outros benefícios trabalhistas não constituem reparação adequada diante das violações graves de direitos humanos, como as constatadas no presente caso.

Sobre a possibilidade de reparar através da simples restituição de salários, o perito Dr. Rodríguez Garavito mencionou durante a audiência:

[E]so implicaría calificar ese tipo de conductas como violaciones laborales que se compensan a través de los salarios caídos, y en estos casos estaríamos frente a graves violaciones de derechos humanos que implican, recuerden, restricción de la libertad, amenazas físicas y a veces situaciones de torturas. Las cuales no se compensarían con el pago de los salarios debidos sino que requerirían cuando menos alguna indemnización por daño moral406.

Assim mesmo, no presente caso, apesar da possibilidade jurídica de que isso fosse feito407, não foi solicitada qualquer forma de indenização por danos morais – nem individual nem coletiva - na Ação Civil Pública resultante da fiscalização do ano 2000. Ao contrário, esta termina com um Termo de Ajustamento de Conduta que ignora as violações sofridas pelos trabalhadores. Cumpre lembrar que pagamento de danos morais coletivo – se tivesse ocorrido – no âmbito da Ação Civil Pública se destinaria a um fundo comum para fins variados408. Ou seja, as vítimas do caso não receberiam esta reparação. Neste sentido, não se cumpriu com os parâmetros internacionais de reparação diante das graves violações constatadas no caso.

401 Ver declaração de Rogério Felix da Silva durante a diligência in situ realizada em 6 de junho de 2016. 402 Documentos entregues durante diligência in situ pelos Representantes e anexo 10 do EPAP.

403 Ver declaração de Marcos Antonio Lima durante a diligência in situ realizada em 6 de junho de 2016. 404 Documentos entregues durante diligência in situ pelos Representantes e anexo 10 do EPAP. 405 Anexo 10 do EPAP.

406 Declaração pericial do Dr. Cesar Rodriguez Garavito, 18 de fevereiro de 2016.

407 Parecer pericial do Dr. Silvio Beltramelli Neto, petição de 8 de fevereiro de 2016; Declaração informativa de Christiane

Vieira Nogueira, diligência in situ em 7 de junho de 2016.

408 Declaração pericial da Dra. Ana Carolina Araujo Román, 18 de fevereiro de 2016; parecer pericial do Dr. Silvio Beltramelli Neto, petição de 8 de fevereiro de 2016; Declaração informativa de Christiane Vieira Nogueira, diligência in situ em 7 de junho de 2016.

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3. Responsabilidade agravada por discriminação e pela falta de proteção especial para