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Os documentos que orientam o ensino de Matemática na EJA, a afirmam como uma ciência base para a construção de conhecimentos de outras áreas de estudos, e que saber matemática é essencial para viver no mundo dominado por tecnologias (BRASIL, 2001; 2002). Partem do princípio de que o “mundo do trabalho” exige “a formação de pessoas que saibam fazer perguntas, que assimilem rapidamente informações e resolvam problemas utilizando processos de pensamento cada vez mais elaborados” (BRASIL, 2001, p. 99).

Ao mesmo tempo, tais documentos nos informam que os estudantes da EJA são, em geral, oriundos de situação de exclusão, que os limitou ou limita do acesso a bens materiais e culturais na sociedade. A escola seria um local onde eles poderiam construir estratégias para “reverter esse processo” de exclusão (BRASIL, 2002, p. 11). Em meio a estes apontamentos, entendemos estar implícito que a estratégia de reversão seria por meio da aquisição dos conhecimentos matemáticos escolares.

Corroboramos com tais documentos a respeito da importância da matemática. Contudo, compreendemos que a função da escola, aqui representada pelos professores, não apenas a de qualificar para o mundo do trabalho, mas proporcionar um ensino de qualidade que possibilite ao estudante desenvolver-se enquanto cidadão crítico e ser humano (BRASIL, 1988; 1996). É sob esta perspectiva de ensino que neste tópico discorremos sobre a alfabetização matemática de jovens e adultos estudantes da EJA.

Como ponto de partida à discussão sobre esta temática, consideramos o pressuposto de que os estudantes da EJA, mesmo os que têm nessa modalidade sua primeira experiência escolar, possuem saberes matemáticos articulados de suas vivências sociais. Alguns outros podem possuir os saberes escolares de anos anteriores ao ingresso na modalidade. Portanto, chegam à escola ou a ela retornam, com saberes matemáticos que lhes são específicos.

Compreendemos que tais saberes representam suas culturas, suas formas próprias de lidar e estar em uma sociedade onde, cada vez mais, a escrita e a interpretação da matemática escolar são tidas como naturais. São eles construídos a partir de técnicas e desdobramentos matemáticos específicos que precisam ser compreendidos e podem contribuir também para a aprendizagem do professor. Não cabe a nós, enquanto professores de EJA, muito menos as escolas e propostas curriculares de EJA, considerá-los saberes de pouca importância, aprendido de “maneira informal ou intuitiva” (BRASIL, 2002, p.15), distantes das ditas “representações simbólicas convencionais” (id. ibid.) da matemática apresentada da escola. Cabe-nos compreendê-los que são representações elaboradas de suas experiências enquanto sujeitos jovens, adultos trabalhadores ou não e que, ao se depararem nas salas de EJA, enquanto estudantes, eles estabelecem aproximações com os conteúdos escolares. Devem ser parte integrante das aulas de matemática, não reduzidos a ponto de partida ou apenas para contextualizar determinado conteúdo, mas como próprios de um saber que antecede o escolar.

No que diz respeito aos jovens e adultos das turmas de EJA da zona rural, compreendemos que a especificidade se intensifica, considerando que eles formam um grupo de moradores do campo que transitam no espaço urbano. Esta mobilidade os possibilita utilizar da leitura e da escrita da língua materna e de representações matemáticas em outras instâncias: seja no trabalho, ao preencher fichas, na elaboração de lista de compras ou mesmo ao fazer leitura de placas, endereços, quando estão na cidade. Eles têm, pois, realidades de vivências matemáticas que se complementam e imbricam-se com a realidade da sala de aula.

Desta maneira, também partimos do pressuposto de que eles reconhecem e utilizam, em diferentes níveis, das simbologias da linguagem matemática e, de certa forma, estabelece com esta, um nível de leitura correspondente a este reconhecimento. Isso nos possibilita

compreender que estariam eles nas salas de aula da EJA em busca de apreender ou dar um significado aos seus saberes matemáticos, tidos para muitos deles como “de cabeça”, conforme mostraremos no tópico desta pesquisa em que apresentamos e analisamos dados que coletamos junto aos estudantes de EJA da região de Sobral.

Sendo a EJA entendida como uma modalidade da Educação Básica que deve oferecer um ensino coerente às especificidades dos estudantes, compreendemos que a alfabetização matemática precisa ser entendida sob um conceito que considere também estas especificidades. O que não pode ser interpretado como de qualidade inferior dos das turmas ditas regulares. Nesse sentindo, a alfabetização matemática de jovens e adultos não se trata apenas do ensinar a ler e escrever números ou fazer contas só para ingressar no mercado de trabalho, mas possibilitar aos estudantes dominar símbolos e operações matemáticas, tendo em vista que este domínio influencia nos conhecimentos das ciências sociais, naturais e os permite usufruir com qualidade dos meios de produção cultural (DELLAZZANA, 2008). É a partir desta compreensão que neste estudo balizamos nosso entendimento de alfabetização matemática na Educação de Jovens e Adultos. Entendemos, portanto, que a EJA deva ser compreendida como bem mais do que um simples espaço de suplência, de “um processo inicial de alfabetização” (BRASIL, 2000, p. 9) ou como etapa de início de alfabetização matemática reduzida à escrita e leitura matemática, ela deve oferecer um ensino de qualidade que estimule os estudantes a se tornarem “leitores das múltiplas linguagens visuais juntamente com o trabalho e a cidadania” (id. p.10)

Nesta perspectiva, consideramos uma pessoa matematicamente alfabetizada, aquela capaz de ler números, resolver problemas simples envolvendo as operações básicas de matemática, que compreende e estabelece relações entre as operações, mesmo que utilizando de calculadoras ou demais ferramentas tecnológicas (INAF, 2006). Ressaltamos que os “problemas” matemáticos a que nos referimos, embora especificados como “simples”, não os limita em ser do tipo “arme e efetue”, por exemplo. Mas os que, contextualizados à realidade dos estudantes, os estimule a pensar, formular hipóteses, comprovar resultados, justificando- os a partir de seus entendimentos. Compreendemos que a ação do estudante em mobilizar essas capacidades também reflete da forma como o professor de matemática entende sua prática pedagógica, estabelece aproximações ou não, entre conteúdos curriculares e os saberes oriundos das vivências dos estudantes. Analisamos que a não aproximação ocorre, em geral, pelo fato de haver, nos espaços de ensino, relações de poder que influenciam na definição dos conteúdos escolares e na forma com que estes devem ser apresentados aos estudantes.

Entendemos que a articulação entre conteúdos curriculares e sabres dos estudantes contribui para que estes tenham uma significativa alfabetização matemática, bem como desenvolvam suas habilidades matemáticas, aqui entendidas como “a capacidade de mobilizar conhecimentos associados à quantificação, à ordenação, à orientação, e também sobre suas relações, operações e representações, aplicados à resolução de problemas cotidianos” (INAF, 2004, p. 5).

Neste sentido, uma alfabetização matemática para jovens e adultos não pode ser limitada à compreensão de aprendizagem como a aquisição do saber conteudista, tampouco de uma “ajuda”, uma ação assistencialista, “na qual os sujeitos-alfabetizandos precisam de alguém para sair das trevas” (SENA e DE SOUSA, 2013, p. 131) e que o professor, na condição de alfabetizado, seria o alguém que possibilitaria esta saída. Mas sob uma perspectiva de ser uma ação em que o professor se reconheça como sujeito capaz de ofertar um ensino de qualidade possibilitando uma aprendizagem que considere os aspetos humanos e sociais dos estudantes. Dessa maneira, acreditamos que o entendimento do professor sobre a EJA e os estudantes, incide sobre sua compreensão de alfabetização matemática: esta pode ser compreendida como a ação de ensinar apenas a somar, subtrair, multiplicar e dividir (FERREIRA e FONSECA, 2008), se o professor limita-se a compreender a EJA sob sua função apenas de possibilitar o acesso à escola de pessoas, em geral, da classe popular ou carente de conhecimentos escolar. Se, para além desta função o professor reconheça que à EJA cabe ofertar um ensino de qualidade aos estudantes, entendidos estes como sujeitos que têm direito à educação e são capazes de articular formas variadas de entendimentos, artimanhas próprias na resolução de situações que envolvam a matemática, espera-se que seu entendimento de alfabetização matemática seja para além das operações matemáticas.

Com isso, compreendemos que alfabetizar matematicamente uma pessoa é também dar-lhe oportunidade de reconhecer que os saberes matemáticos experienciados em suas vivências juntamente com os conhecimentos da matemática escolar têm, cada um, suas importâncias e valorização social. Reconhecendo existir uma tensão entre “conhecimentos cotidianos” e “conhecimento mais formal” (FERREIRA e FONSECA, 2008, p. 11) nos espaços escolares, acreditamos que os professores, quando em suas práticas em sala de aula, precisam considerar a relevância de ambos para a formação dos estudantes.

Por fim, enfatizamos que a alfabetização matemática dos estudantes da EJA, assim como a alfabetização da língua materna, não pode ser infantilizada, pois, os estudantes trazem de seus percursos de vida, saberes matemáticos que se aproximam ao apresentado na escola.